Meu carro, pelo menos o atual, nunca deu problemas. Nunca parou no alto de um viaduto, nunca emperrou o medidor de gasolina, nunca demonstrou a mínima revolta para com a vida. Até esse fim de semana, quando ele começou a mostrar um pouco da sua personalidade explosiva em situações de estresse. Não sei ainda o que houve, mas já o coloquei, sem pensar muito, na minha longa lista dos aparelhos voluntariosos.
Aconteceu que eu fui viajar com meu irmão para a praia, num município a uma hora de Recife. Já fiz esse percurso milhares de vezes e conheço bem a estrada, por isso a primeira metade da viagem ocorreu sem maiores intercorrências, a não ser pela chuva (que me fez pensar em algumas coisas depois. Primeira: que foi sorte o carro ter dado chilique só depois que estiou. Segunda: que diabos eu ia fazer na praia num toró daquele?).
Alguns quilômetros depois, o carro simplesmente estancou a 120 km/h. As luzes do painel se acenderam, o freio motor ficou impossível de pisar e era uma vez direção hidráulica. Sem entender nada, parei no acostamento e liguei o carro de novo. Nenhum problema. Andei alguns metros e ele parou outra vez. Liguei e fui acelerando loucamente, para não estancar, até um posto de gasolina mais próximo. Olhei a água, OK; óleo, OK; gasolina, OK. E — me poupem dos comentários machistas — acabou-se aí o meu conhecimento sobre motor de carros. Meu irmão entendia mais, como deve ser, mas não conseguiu fazer muita coisa, a não ser dar apoio moral e chamar alguns homens para olhar o motor do dito-cujo.
Depois de falar com um monte de "entendidos", que acabaram por não resolver porcaria nenhuma, decidi continuar a viagem acelerando o carro. Já mais consciente do problema, fui mais devagar, na faixa da direita, forçando absurdamente cada marcha. E ele foi empacando, coiceando, agonizando na pista. E lá se vai a viagem tranquila que eu tanto esperava.
Umas vinte estancadas, centenas de olhares de desprezo por parte dos carros que passavam ("só podia ser mulher!"), e trezentos palavrões depois (meus, não contei os dos outros), percebi que a enfermidade do carro tinha várias etapas, assim como qualquer doença que vai progredindo. De primeira, ele só estancava. Depois, dava uns sopapos, tossia, ameaçava parar; eu conseguia fazer andar assim mesmo, mas inevitavelmente parava algumas vezes. Então, ele começou a acelerar sozinho; eu tirava o pé do acelerador e o ponteiro de RPM chegava a 4. Na outra etapa, ele parou de acelerar, mesmo quando eu pisava fundo. No último estágio, o ponteiro do velocímetro começou a subir sem que a velocidade aumentasse. Só o que aumentava mesmo era o meu estresse.
No final, mesmo esperneando numa aceleração sem fim, o carro nos levou ao nosso destino. Terminamos voltando no outro dia, nas mesmas bizarras condições. Essa história toda me lembrou Herbie, o fusca voluntarioso. Se meu carro falasse, não sei o que me diria. Mas o que quer que fosse, eu o teria mandado para a PQP como resposta.
"Baby, you can drive my car
And maybe I'll love you..."