sábado, 25 de julho de 2009

Nunca para ela

Inglaterra, século dezenove. Um casal encontrava-se numa colina verde, ao romper da aurora, ambos sem conseguir dormir. Sorriam, olhavam-se, tocavam-se. Não esperavam aquele encontro, mesmo que parecesse ter sido marcado previamente. E beijaram-se apaixonadamente, causando um leve suspiro. Eles jamais ouviram esse suspiro, que veio do fundo no peito de uma terceira pessoa, que os observava.

Ela estava sentada num sofá, contemplando atentamente o desenrolar confuso da história dos dois namorados, confiando na possibilidade de um final feliz. E o final feliz começava a se delinear na esperada cena do beijo que ambos, enfim, compartilhavam. Torcia fervorosamente por aquele casal havia anos, que, na verdade, correspondiam a exatamente duas horas e trinta minutos. E parecia que, finalmente, eles se acertavam.

Não era o primeiro casal cujo relacionamento progredia perante seus olhos; só naquele dia podia contar quatro. E, junto com as donzelas, ela se apaixonara por cada herói, com cada gesto, cada palavra. Daquela vez, ele fazia bem o seu tipo; moreno, olhos cor de mel, alto, forte. No final, ela nutria até certa dose de ciúme do par tão perfeito; mas, podia se conformar, pois seu amor estaria nos braços de alguém que, sabia, amava-o também. E, assim, ficava satisfeita, mesmo que se sentisse vazia.


O som do telefone interrompeu seu devaneio, como um balde de água gelada:

— Oi, Elisa, sou eu. Estava preocupado com você, nunca mais a vi.

— É… Não tenho saído muito.

— Será que… Gostaria de dar uma volta, tomar alguma coisa?

— Na verdade, estou meio ocupada agora.

— Ah… Certo. Marcamos outra hora, amanhã talvez…?

— É, pode ser. Olha, preciso desligar.


Sim, pois naquele momento começava outro romance. Desta vez, se passava na Irlanda, terra desconhecida e romântica. Seus olhos atentos refletiam aquela luz azulada e uma lágrima, também azul, brotava de seus olhos e começava a rolar por sua face.

— Eu te amo. — Uma voz masculina vinda da tela fez-se ouvir, numa declaração solene e apaixonada.

Mas não para ela. Nunca para ela.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Palavreando

Tenho o hábito de transformar coisas em palavras; um sentimento, um fato, uma lenda, uma imagem. Recentemente, o Léo, do Sessão das Oito, me mostrou uma maneira de transformar um blog em palavras. E me deu de presente o Do Fundo do Mar em Wordle:
Fala, não sou eu escrita ali?

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Improváveis

Uma das minhas melhores amigas é alguém que eu julgava ser muito cheia de pra-que-isso para se relacionar com pessoas normais. Outra das minhas melhores amigas é grossa o suficiente para eu ter tido medo dela, no início. Um dos meus melhores amigos era de um pequeno grupo que só se vestia de preto e não se misturava com reles mortais. Outro, não queria papo comigo no primeiro dia em que falei com ele, mesmo que eu o estivesse ajudando a encontrar a sala de aula.

Uma ruiva metida que se parecia com Scully, de Arquivo X, tornou-se minha amiga depois de um trabalho de escola, do qual também participou outra amiga — que foi quem disse que a ruiva se parecia com a personagem — e outra de quem ouvi falar bem mal, quando eu ainda não a conhecia. As três são, hoje, algumas das minhas melhores amigas.

E o que se poderia dizer de amizades virtuais? De MSN, blog, Twitter... Conheci alguns dos meus melhores amigos numa comunidade do Orkut, enquanto estava procurando o que fazer, no meio da madrugada. Essa amizade já dura três anos. E dura vinte uma outra, desta vez bem real, com uma menina que ia todo dia filar meu lanche, no recreio da escola. E, falando em escola, um dos melhores amigos do tempo de escola do meu irmão é hoje um dos meus melhores amigos, assim como o irmão dele, que conheci depois e é tão especial quanto. E foi através deles que conheci, há poucos anos, mais uma das minhas melhores amigas, prima deles. Uma amizade que começou partilhando séries de TV e que agora nos faz compartilhar vida.

Amizades são improváveis. Não existe receita; saber que se vai gostar de alguém, jurar que nunca poderia gostar de outrem. Não acredito em amizades planejadas e sim naquelas construídas no dia-a-dia, num sorriso, um telefonema, um recado no celular, scrap do Orkut ou reply no Twitter. Não existe regra; o que existe são pessoas diferentes, cada uma com sua personalidade e diversas maneiras de nos encantar. Gosto da surpresa que encontrei em cada um desses meus amigos, não importa quem eles sejam ou foram. São os melhores amigos que poderiam existir. E, assim, eu sigo: fortalecida pelo sorriso de cada um deles.


“Do you need anybody?

I need somebody to love.

And I get by with a little help from my friends...”

domingo, 12 de julho de 2009

Apenas palavras


Vivo do que escrevo e escrevo para viver. Estou em cada palavra que delineio, ao mesmo tempo em que não me pareço com nada que crio. Reconheço cada uma das minhas frases, apesar de muitas vezes não acreditar que pude escrevê-las. Quem sabe não fui mesmo eu quem as escrevi.
Uma, duas palavras, três, uma frase. Pego um pedaço de papel e continuo traçando as malfadadas linhas ditadas pela minha existência. Sem rima, com rima. Prosa, talvez poesia. Mesmo que fosse prosa, certamente poesia. O desespero ataca, quando aparece o sentimento. Então escrevo, escrevo mais do que alguém poderia imaginar. Porém, menos do que poderia, se o canal do cérebro para os dedos não fosse tão longo. Pensamentos se perdem, palavras são esquecidas, sentimentos acabam no limbo de lugar nenhum. Mesmo assim, apesar de tudo, não deixo de escrever.
Eu escrevo, mas minha vida já foi escrita há muito tempo e eu venho apenas copiando as linhas que nunca li. Mas reconheço. Sei que fui concebida na união de duas palavras. Nasci quando o primeiro verso foi escrito. Cresci em cada letra desenhada com lápis de cor. Inventei parágrafos novos, inusitados, clichês, polêmicos, românticos, ácidos. Casei-me com a música que vi no mundo. Reproduzi cada pensamento que pude palavrear. Brinquei com as figuras de linguagem, discuti com os paradoxos, senti as sinestesias. Repeti os pleonasmos, dei vida às prosopopéias. Fui simples como um eufemismo e imenso como a hipérbole. Até que aprendi com cada metáfora e envelheci como as páginas amareladas de um livro.
Morri, quando a inspiração acabou.

"It’s only words
Words are all I have
To take your heart away."* 

*Música: Words 

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Má educação

Se existe uma coisa que me irrita mais que gente me cutucando, é gente mal educada. Cara, como eu odeio gente mal educada! Penso que deveria haver uma instituição — como o manicômio é para os loucos — para se mandar as pessoas deficientes em educação doméstica. Só então nós, pobres pessoas escravas da boa educação, não precisaríamos mais sofrer caladas com certas situações irritantes.

Outro dia, eu estava lá no consultório, quando entra uma penca de crianças barulhentas na minha sala para passar para a que fica ao lado. Como só uma divisória separa as duas salas, tive que ser submetida àquela poluição sonora. Na verdade, não ligo muito quando são barulhinhos inocentes de crianças hiperativas, porém educadas. Não era o caso. Havia duas crianças menores e inquietas, mas a menina que seria atendida tinha uns doze anos, perfeitamente capaz de se controlar. E as duas senhoras que supervisionavam aquela visão do inferno não estavam supervisionando coisa nenhuma. Pelo contrário, elas contribuíam para a falação, conversando entre si por cima das vozes das crianças. Amigos, em pleno consultório odontológico.

A melhor parte da história é que eu estava com um paciente, no meio de um procedimento delicado, que não podia ser interrompido. Então, aparece a minha auxiliar, com a pergunta:

— Doutora, quer alguma coisa?

Eu não tive dúvida:

— Sim, quero que esse pessoal sem educação cale a boca.

Quem me dera tivesse falado alto o suficiente para não só o meu paciente rir, mas as tão distintas damas ficarem envergonhadas e mandarem suas crias se comportarem. Porém, suspeito de que, se tivessem me ouvido, a falta de educação chegaria ao seu auge e eu ouviria um alto e claro “vem calar”.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Um ano dentro do mar

por Bruno Portella


Cavando e cavando as águas profundas e nada lineares do fundo-do-mar, este blogue distinto — de temas diversos e nunca categorizados ou enquadrados, vai se afundando mais e mais. Tornando-se mais profundo e mais vasto, desconhecido.

Cada vez mais com cada vez menos a segurança da superfície — se jogando de vez na falta de luz abissal, procurando pelos seres luminescentes e nunca vistos dentro de si e de nós mesmos.

Esta Marina Morena, menina danada (e este sou eu, paulistano, tentando soar lisbelo como ela) vai se aprofundando cada vez na sua própria experiência virtual. O que não significa que os textos fiquem maiores, não, mas talvez mais maduros, mais surpreendentes — seja nas velas suas, na de seus irmãos, ou na breve ode à um filme que te toca fundo, ou nos contos curtos e cheios de uma simplicidade abrupta.

Indo sempre pro fundo-do-mar. É pra onde eu sempre quero ir quando venho pra cá, e sempre que volto, percebo que estou algumas léguas submarinas mais longe da superfície.

Convido a todos a continuarmos descendo essas águas profundas, e nos descobrirmos totalmente envolvidos por essa recifense distinta.


Beijos meus: Bruno, Serpentina e Choradeira [#interna]. E parabéns pelo primeiro ano de blogue.


No MSN:

Marina diz:
hj meu blog completa um ano

Bruno.Portella diz:
Olhaa. Vai ter post comemorativo?

Marina diz:
não, to sem saco

Bruno.Portella diz:
Eu escrevo um pra você então.

Marina diz:
sério?


Era sério.

Obrigada de coração, Bruno!

Contato:

http://ovocesariano.wordpress.com/

http://sandubadequeijo.wordpress.com/