sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Notas de Adeus

Foi-se a música, como se foi o amor. Como manter o amor, se além de não correspondido, era maltratado e desprezado? E como manter a música sem a poesia do estar amando? Como seguir cantando, preso numa gaiola de amargura? Como continuar poetizando? Como permanecer vivendo?
Sobrevivendo, diria. Chutando os dias, queimando as horas, cansando os segundos. E pensando em outros segundos, melodicamente dedilhados, realmente vividos; aqueles belos instantes que ficaram no passado. Era agora, por inteiro, passado. Sabia que não viveria mais depois daquelas tristes páginas, que encontrara no meio das folhas de partitura de sua composição preferida. Como o contrário de uma partitura; se estas eram poesia, as outras eram cobertas de frases de adeus.
Adeus. E as páginas voaram, todas elas. Melhor assim. Jamais esqueceria aquela canção, a que fora embora com a malfadada carta. Talvez ainda pudesse tocá-la sem o acorde angustiado da lembrança. Talvez, quando tudo não passasse de um sonho, esqueceria as cruéis páginas que, antes de voarem, derramaram mais lágrimas que notas musicais.

"Amor que nunca cicatriza
Ao menos ameniza a dor."*

Música: Cicatrizes 

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Respirando...

Inspiro, expiro, aspiro. Suspiro.

Neste instante me sinto realmente o ser humano ínfimo que sou, incapaz de mover o mundo que jurei para conseguir o que desejo. Nessa hora consigo ser nada aos meus próprios olhos. E dificilmente mudarei esse conceito de mim para mim, se não tomar uma decisão agora. Se não lutar pelo que quero.

Afinal, que espécie de covarde me tornei? Sei que há instantes de incerteza na vida de todo mundo, mas este aqui já está durando tempo demais. Incerteza e inércia. Infelizmente, não combinam comigo.

Inspiro, expiro. Aspiro... Agora sem suspirar.


Imagem por stock.xchng

sábado, 7 de novembro de 2009

Um sorriso inesperado

Admito, não tenho exatamente um humor de princesa pela manhã. É um período meio negro do dia, em que sou naturalmente séria e quieta, não muito propensa a risadas de qualquer tipo. Meu irmão diz que é porque meu segundo neurônio ainda não acordou e, sem o outro, um não dá conta de entender as piadas e respirar ao mesmo tempo. Eu digo que manhãs me tiram do sério, principalmente quando faz aquele sol e o disco amarelo em questão já começa o dia me fritando para o café da manhã, com a luz da fresta da janela bem em cima da minha cama. Com ou sem sol, sempre preferi dormir, nesse horário.

Depois vem o trânsito, os motoristas dirigindo cada vez pior; a sauna debaixo do jaleco, gorro, máscara e luvas, mesmo quando o ar condicionado está no máximo; os pacientes reclamando de qualquer besteira... Assim, são poucas as coisas que mudam meu humor sombrio, porém tolerante, da manhã. Uma delas é o sabiá que passa pela janela do meu consultório, enquanto estou atendendo. Mas o bom humor por causa do passarinho não dura tanto quanto esse que ocorreu hoje, causado por um sorriso.

Estava saindo da sala, quando me deparei com uma menina. Não daquelas crianças bagunceiras, que viram o recinto pelo avesso quando chegam; tinha por volta dos três anos e estava sentada quieta no colo do pai. Particularmente, não tenho muito jeito com crianças, ainda mais meninas, apesar de elas curiosamente gostarem de mim, de modo geral. De qualquer maneira, não costumo puxar conversa com elas, a não ser que estejam na minha cadeira de atendimento. Então, eu não disse nada, apenas ia passando.

Foi quando ela sorriu. E eu pensei que nunca tinha visto um sorriso tão verdadeiro quanto aquele, naquele momento. Não sei o que aconteceu, crianças sempre sorriem para mim e eu nunca cheguei a me surpreender com isso. Aliás, minha reação costumeira é de corresponder o sorriso, fazer uma gracinha para elas e depois voltar aos meus afazeres. Isso talvez seja pelo fato de elas nunca sorrirem apenas, mas começarem a falar, perguntar coisas, chamarem para brincar. É o normal; afinal, crianças são hiperativas por natureza.

Mas com ela foi diferente; ela não disse nada, não ficou tagarelando. Apenas sorriu. E coloriu a minha cinzenta manhã de sol.


You’ll find that life is still worthwhile
If you just smile

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Fantasma

Vi-o em fotos algumas vezes, ao longo desses anos, e nunca entendi o fascínio que senti, quando adolescente. Até vê-lo hoje e sentir o mesmo magnetismo de outrora. Maldito! Como pode fazer com que me sinta aquela mesma adolescente idiota? Odeio essa sensação, por isso passei direto, fingi que não o vi e ele pareceu não me ver também. Melhor assim.

Não chegava a ser lindo de morrer; era apenas carismático. O que me deixava maluca era aquele ar despreocupado e desinteressado a ponto de ser irritante. Era exatamente assim: sempre passava dois metros adiante e não me via. A mim, parecia não querer me ver. Eu me sentia um grande nada de coisa nenhuma, ou ele me transformava em algo parecido, com a sua presença. Como agora, com a pequena diferença de que eu já aprendi a disfarçar melhor minha enorme frustração.

Sentei-me com meu almoço a uma mesa, no cantinho do restaurante, e me pus a comer, forçando-me a não mais dar importância ao sujeito. E assim seria, caso o destino tivesse pena de mim.

— Ei, que surpresa encontrá-la!

Não, isso não está acontecendo. Por quê? Em todo o tempo em que estudamos juntos, ele raramente se aproximava para falar comigo. Era sempre eu, eu e eu; não sei como meu ego nunca ficou em coma, depois de tão repetida e cruelmente pisoteado. Bem, talvez ele tenha ficado, mas se curou para sempre. Eu aprendera a lição. Virei o rosto para fitá-lo, sem pressa, tentando demonstrar apenas vaga surpresa:

— Hum. Oi. Tudo bem com você?

— Tudo, sim. Nossa, há quanto tempo!

— É, verdade.

Dez anos, para ser exata. Comemoro o fim daquela época como um aniversário, de quando deixei de ser idiota. Ele sentou-se na cadeira à minha frente.

— E você está ainda mais linda que nunca. O tempo lhe fez bem.

Sem dúvida, ainda é o mesmo. Indiferente ao resto do mundo, enquanto anda sozinho, mas olhando diretamente nos olhos quando fala com alguém. É intrigante como consegue fazer uma pessoa se sentir de especial a desprezada em poucos segundos.

— Obrigada.

— Que tem feito?

— Estudando, principalmente.

— É, você sempre foi responsável demais.

Ergui uma sobrancelha, sem vontade de responder àquela pequena crítica. Acho que eu seria desnecessariamente ácida. E foi bom, porque ele interpretou meu silêncio como uma censura. E era mesmo.

— Ei, não que isso seja uma coisa ruim.

— Dificilmente seria.

— Você continua a mesma de sempre, então?

— Com um pouco mais de ceticismo, sarcasmo, maturidade; essas coisas que acontecem com as pessoas em geral.

Ele riu. Fiquei pensando onde ele viu graça e logo tive minha curiosidade satisfeita:

— É, você não costumava ser tão irônica.

Eu era; apenas não sabia como funcionava. Na verdade... Bem, a quem estou tentando enganar? Eu não tinha nenhuma intenção de ser irônica com ele, naquela época, mesmo que soubesse como. Ironia afasta as pessoas, certo? E eu não queria afastá-lo. Pelo contrário.

— Lembro de que, uma vez, alguém me disse que você gostava de mim — ele comentou, com um risinho baixo.

Um risinho. Certo, será que eu consigo matar uma pessoa com uma faquinha de plástico? Porque sinto um forte impulso homicida prestes a se espalhar pelas minhas artérias.

— Mesmo?

Afinal de contas, que diabos ele quer com essa conversa? Me humilhar? Eu já não o havia feito o bastante, no passado?

— Sim, eu até fiquei pensando... Mas, sabe como é, não estava querendo nada sério. Coisa de adolescente.

— Ainda bem que essa fase não dura para sempre.

O olhar que ele me lançou foi curioso.

— Estamos falando de mim ou de você?

— Não sei, você escolhe.

— Escolheria falar de você, mas você nunca foi muito de se expor. Sempre foi um mistério.

RÁ! Essa foi boa! Eu, mistério? Eu era o mais imbecil dos seres, impressionada com cada sorriso, encantada com cada palavra que ele me dirigia. Misteriosa? Pois sim. Aposto que dava para ler cada mudança de humor no meu rosto. Aliás, acho que só o próprio não sabia que eu era apaixonada por ele. Até alguém contar, claro.

— Viu? Gostaria de saber o que está pensando.

Irritada e louca para encerrar a conversa, olhei o relógio de pulso:

— É que já deu a minha hora. Preciso ir.

A expressão dele foi de disfarçado desapontamento.

— Vai sumir de novo?

Se eu puder.

— A gente se vê.

Até fiquei me sentindo culpada, pois percebi que em nenhum instante eu sorri. O fato é que não aguentaria passar por tudo aquilo de novo. Fantasmas do passado só servem para isso mesmo; para nos assombrar. Espero que esse não volte mais.