quinta-feira, 25 de março de 2010

Tudo bem

Sou do tipo que gosta de dizer que está tudo bem, mesmo que não esteja. E não está. Mas continuo dizendo. As pessoas não acreditam, me chamam de idealista, que acho que o mundo é um paraíso. Não acho que a terra seja um céu, apenas gosto de acreditar que as coisas podem se resolver. Por que não poderiam?

Há coisas martelando na minha cabeça enquanto eu escrevo isso, lógico que há. Não vem ao caso explicar do que se trata (acho que o texto passado foi suficiente), mas vamos só dizer que, desses dias pra cá, tenho visto de perto o sofrimento, de uma maneira que nunca antes havia visto. O "está tudo bem" me engasga na garganta, nessas horas. Não dá para dizer com a mesma desenvoltura, a mesma certeza, o mesmo otimismo, apesar de ser o desejo de todo mundo que tudo esteja de fato bem. Mas todos sabem que não está.

A certeza vira pó, quando o mesmo sorriso que outrora dizia estar tudo bem cai numa linha murcha pelos cantos. Nem o maior dos sorrisos dura para sempre. Mas ele pode renascer, num outro dia, num outro mundo, quando a dor machucar um pouco menos. Não agora. Por enquanto, ainda dói.

Mas nem tudo precisa dar errado. Sou do tipo que gosta de dizer que está tudo bem, mesmo que não esteja. E eu digo. As pessoas me olham com ar de descrença, mas esperança. A esperança me faz continuar dizendo — senão que tudo está bem — pelo menos, que vai ficar.


"Tomorrow may be even brighter than today"


Imagem por: stock.xchng

sábado, 20 de março de 2010

No sense

Estava num lugar com pessoas malucas e músicas malucas. Não conhecia aquelas pessoas, nem aquelas músicas. Elas não combinavam entre si, nem com aquele lugar tranquilo, de mar, areia, varanda. Lugar que era meu, familiar, mas não parecia me pertencer. Não com aquelas presenças malucas.

Quis fugir, a cabeça rodando, um mal estar sem tamanho. Tudo me incomodava, me angustiava. A única presença que fazia sentido não estava fazendo nenhum sentido. Quem eram aquelas pessoas? Quem era aquela pessoa? E aqueles instrumentos musicais empilhados numa mesa, na varanda? Um bandolim, violões, violinos, percussão. Nada tinha lógica. Eu precisava de lógica. Eu precisava sair dali. Fugir. Correr. Angústia.

Um violão. E, de repente, alguma coisa fez sentido. Preto, reluzente, magnífico. Significativo. Entendi o que ele estava fazendo ali: alguém não estava lá para tocá-lo. É provável que nunca mais estivesse. Só espero que esteja num lugar que tenha mais sentido que este aqui. Em paz.

"While my guitar gently weeps"

Imagem: stock.xchng

terça-feira, 16 de março de 2010

Talento

— Ei!

— ...

— Pedro, porra!

— Que é?

— Porra, que demora!

— Se você não percebeu, estava tentando me concentrar aqui.

— Deixa de ser fresco e me diz a resposta da segunda.

— A segunda, eu não sei.

— E essa "concentração" toda era pra quê?

— Ah, vai se ferrar.

— Pergunta aí na frente.

— Porra, você quer que eu pergunte a quem?

— Qualquer pessoa, caramba. Aqui atrás só tem a Fabiana, que praticamente deita em cima da prova.

— Tenta olhar a de Carlos.

— Você não conhece a letra dele? Não dá pra decifrar nada daquele garrancho.

— Tá, eu vou ver o que posso fazer.


...


— E aí?

— Nada.

— Caramba, que povo burro!

— Claudinha estava dizendo que acha que tem a ver com aquela questão dos comprimentos de onda...

— Peraê, fala devagar. Com...pri...men...tos...de...on...da... O que mais?

— As faixas de luz invisível, ultravioleta, infravermelho...

— ... vermelho...

— Ei, não escreve o que eu estou dizendo, que eu não tenho certeza.

— Se daqui pro final a gente não descobrir, vai isso mesmo. E a terceira questão?

— Essa eu copiei de Roberta. Deu 9,7. Ou melhor, eu não sei se era 1 ou 7, mas parecia muito com 7 mesmo. Ela não coloca o tracinho, sabe?

— Tá. E a quarta?

— Letra c.

— Pegasse de quem?

— De Gabriela.

— É, então deve estar certo.

— Vê que sorte: consegui pegar o resto todinho dela, quando ela se levantou pra entregar.

— Perfeito, cara! Diz aí a sequência.

— B, d, d, c, d, a.

— "A"?

— Foi o que ela colocou.

— Mas eu jurava que era "b".

— Bom, eu vou deixar "a" mesmo.

— Ah, tanto faz. Vai ver era uma casca de banana.

— E a segunda questão?

— É mesmo... Vou ver se consigo pegar de Fabiana; ela se levantou de cima da prova pra pegar alguma coisa na bolsa e…


— DANIEL!

—... Sujou... SIM, professora?

— Por acaso o senhor está olhando para a prova da colega?

— Que é isso, professora? Só olhei pro lado para pensar.

— Sei, sei. Vocês acham que eu nasci ontem, mas eu estou vendo tudo daqui, sabia? Ainda bem que coloquei você e Pedro um em cada canto da sala, senão a fila ia rolar solta. Agora, vire para frente e olhe para a sua prova.

— Sim, senhora.


...


— E aí, conseguiu a segunda questão?

— É óbvio. Anota aí...


Conto baseado em fatos reais.

segunda-feira, 8 de março de 2010

A caminho de algum lugar


É andando por essas estradas que percebo o quanto ainda falta caminhar. Não importa o quanto eu ande; olho para frente e só vejo o desconhecido. O inusitado. O duvidoso. Encontro sempre um caminho inteiramente novo, mesmo que ele se pareça muito com o de antes.

E os caminhos teimam em se parecer. Basta uma árvore num lugar específico, uma pedra da mesma cor e eu já penso que passei por ali, algum dia. É quando a gente teima nas mesmas ações. Mesmo agora, frente a uma ponte, num abismo de profundidade ignorada, parece que reconheço algumas semelhanças e não consigo deixar de temer o mesmo final. A queda iminente. Nessas horas, duvido das cordas, duvido dos alicerces. Duvido de tudo. Nessas horas, não consigo ver luz na escuridão do abismo. O negrume persiste e parece eterno. Talvez seja.

E logo adiante, um desvio, uma decisão. Uma situação inusitada, que nos leva a fazer escolhas e sofrer as consequências. A rir. A derramar lágrimas. A viver na inércia eterna. E assim continuamos nossa caminhada; ora despertos, ora — e muitas vezes — perdendo a consciência. Perdendo a razão.

E a cada curva, uma paisagem, um instante diferente. Às vezes, gosto de tais surpresas. Às vezes, gostaria de saber o caminho.


Você não sabe o quanto eu caminhei
Pra chegar até aqui.


Imagem: stock.xchng