sábado, 31 de janeiro de 2009

Correntinha quebrada

Um amigo meu, V.H., fez uma brincadeira no blog dele e meio que indiretamente me indicou a fazer. Indiretamente, porque ele quebrou a corrente da brincadeira — como eu também faço, aliás, pois detesto correntes —, mas falou comigo no MSN e pediu pra eu olhar o ZTqM. Interpretei como uma convocação.

A brincadeira — não sei se é um meme, mas vai pro marcador de memes — é bem legal, pois fala de livros e foi por isso que eu topei participar. Consiste em:


1- Agarrar o livro mais próximo;

2- Abrir na página 161;

3- Procurar a 5ª frase completa;

4- Colocar a frase no blog;

5- Repassar pra 5 pessoas.


OK, vamos por partes. O livro que está mais próximo de mim é um que resolvi ler, depois de mil anos que o tenho, de Agatha Christie. Recentemente, de tanto ZeH falar, tive vontade de ler de novo alguma coisa da Dama do Crime. O livro se chama Noite sem fim. A frase é a seguinte (espero que não termine lendo spoiler, pois ainda não cheguei a essa página):


"Posso entender sua conjectura de que eu deseje vender a casa e abandonar este lugar por causa da morte de Ellie."


Não há muito o que se dizer, só que eu acabei realmente lendo um spoiler. Mas não foi nada que eu não fosse saber logo, pois a vítima é a primeira a aparecer num caso. Só que, na metade do livro, ela não era vítima ainda. Ou seja, não cheguei à parte legal do livro ainda. Parece que o jovem Michael vai ficar arrasado, a menos que ele seja o assassino. A gente nunca sabe.

Como todos já imaginam, não vou passar a corrente pra ninguém. Mas, claro, estejam todos à vontade para fazer, se quiserem.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Retrato

Em cima da estante da sala, havia um porta-retrato com uma foto tirada recentemente. Sorrisos distribuídos pela imagem, vários deles, que me trouxeram à mente os abraços apertados. Todos reunidos para mais um encontro. Fazia tempo que ninguém se via; um afastamento que poderia ter sido evitado. Mas não foi.

Comida, sobremesas, mais abraços, mais sorrisos. Sentam-se todos, começam a conversar. Falam da vida, do trabalho, do passado, dos acontecimentos que fizeram rir. Até que o assunto se esgota e começam a discutir. Falsidade, fofoca, rixas ridículas. Essas, sim, deveriam ter sido evitadas. Mas nunca são. Então, cada um vai pro seu lado e lá se vai mais um longo tempo sem se encontrarem.

Quem vê aqueles sorrisos tem uma idéia errada da felicidade estampada. Mas não é disso que vivemos? De aparências?

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Incentivo

Os treinos de pandeiro vão indo bem, em minha opinião. Não estou nenhuma mestra, afinal comecei agora, mas já estou tocando alguma coisa. Em resposta ao comentário de Alisson, a acústica do meu apartamento é boa e (ainda bem!) não dá para os vizinhos ouvirem minhas batucadas. Não posso dizer o mesmo dos moradores da casa.

Estávamos voltando de uma das tantas formaturas do povo da minha família, quando, feliz com o meu progresso no pandeiro, comentei com meu irmão:

— Eu tô até tocando direitinho. — Aquele típico comentário à espera de confirmação.

— Direitinho… E pandeiro, tá tocando também?

É impressionante o incentivo que eu tenho do pessoal aqui de casa.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Pra fazer barulho

Ontem, eu ganhei o presente que pedi de aniversário, em junho de 2008. Bem, pelo menos chegou antes do próximo aniversário. Foi um pandeiro, que meu tio encomendou especialmente para mim. Ele disse que minhas mãozinhas delicadas — rá!* — não agüentariam um pandeiro pesado e mandou fazer um levinho. Eu adorei, claro. É mesmo leve e é muito lindo!

O meu irmão mais velho já aprovou e mostrou que toca melhor que eu. Deu até inveja, porque ainda vou começar a treinar. O caçula também adorou; mais uma coisa pra ele fazer barulho. Só quem não gostou muito foi Willy; quando eu começo a tocar, ele olha feio pra mim e começa a latir. Mandei parar e ele até calou a boca, por um tempo; mas foi só começar a tocar de novo que ele voltou a latir feito doido. Eu quero ver como vou treinar desse jeito, se mal consigo ouvir o som do instrumento.

Eu toco, ele late. Não tem ouvido que agüente. Pensando bem, dá até pra montar uma banda.


* Mãos de quem já passou por uma faculdade de odontologia, sendo continuamente queimadas com cera e água quente entre outras coisas não podem ser mãos muito delicadas. Não sobreviveriam.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Disk-Macarronada

Estávamos morrendo de fome, numa noite de um domingo qualquer aqui em casa, e eu resolvi ligar para um restaurante que faz um filé à parmegiana di-vi-no. Meu pai disse pra pedir também mais uma macarronada, por fora. Estava tarde, achei que nem entregariam mais, mas mesmo assim tentei. Uma mulher atendeu.

- Pizzaria Whatever, boa noite.

- Alô, vocês ainda estão fazendo entrega?

- Sim, senhora, estamos.

- Ótimo. Gostaria de fazer um pedido.

- Qual o seu pedido, senhora?

- Eu quero um filé à parmegiana e mais uma macarronada à bolonhesa.

- Não temos macarronada, senhora.

- Ah... Quais são as massas que vocês têm?

- Temos talharim e espaguete.

- ...

Pena...

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Biscoitos

Segunda parte do conto Café, publicado no dia 3 de janeiro.

A primeira vez em que fui àquela padaria, estava aborrecido e irritadiço; no meio de uma briga com minha irmã caçula, ao telefone. Lembro-me de tentar convencê-la a voltar para a casa dos nossos pais, pois ela finalmente rompera com o namorado, o responsável por causar o desentendimento na família. Mas ela era orgulhosa demais e eu não sabia como fazê-la mudar de idéia. A conversa foi bastante desgastante e eu me vi contrariado ao desligar o aparelho.

Nem me lembro por que havia entrado naquele lugar; acho que só queria um local diferente daqueles que sempre freqüentava, para pensar um pouco, olhar uns papéis... Enfim, queria uma relativa tranqüilidade que os locais habituais não trazem, por sempre estarem repletos de gente conhecida. Acabei entrando naquela pequena padaria por impulso.

Estava pensando sobre a discussão, quando levantei o olhar e me deparei com um par de olhos curiosos. Ela logo desviou o olhar, um pouco embaraçada. Um estranho interesse me invadiu. Chamei-a:

— Com licença! Você poderia me servir um café?

Ela pareceu assustar-se com minha voz; devia estar tão distraída quanto eu. Tive vontade de conversar sobre isso, mas suspeitava ligeiramente de que ela não encararia favoravelmente meu estranho interesse.

— Certamente. Só um minuto, sim?

Como não a vira, logo ao entrar? Deveria estar mesmo bastante distraído, ou talvez precisasse ir com urgência ao oculista, ajustar o grau dos meus óculos. Além de linda, ela possuía um sereno ar de desafetação ou mesmo desambição, como se negasse toda a malícia do mundo; como se afirmasse que nenhum problema podia ser importante o suficiente para afetá-la. Trouxe-me uma paz inesperada. De alguma maneira, lembrou-me minha irmã. Não por se assemelhar a ela, mas pela expressão pensativa com que parecia falar consigo mesma, enquanto fazia o café. Lembro de minha irmã passeando pela casa, sonhando com alguma coisa. Eu gostava de observá-la, pois era capaz de ler nos seus olhos cada palavra que lhe passava pela cabeça. Bem, isso era antes. Agora, minha irmã crescera e tornara-se complicada demais... Como qualquer mulher. Senti meu humor piorar outra vez.

— Por que tudo é tão complicado? — explodi, sem pensar.

Não pretendia fazer aquela pergunta em voz alta e vi que a bela garçonete também não esperava por aquele desabafo repentino.

— Desculpe — falei, um tanto quanto envergonhado. — Você não tem nada a ver com isso. Eu estou realmente aborrecido hoje.

— Não, tudo bem.

Eu não estava agindo com muita lógica. Talvez ela pensasse que eu não batia bem da cabeça. Pensando com franqueza, eu também não estava muito certo da minha sanidade.

— Acho que estou enlouquecendo — acabei dizendo. — Às vezes me pego falando sozinho. Agora mesmo, estou falando sozinho, pois não acredito que você esteja mesmo interessada ou que esteja prestando atenção ao que eu digo.

Até agora não sei por que expus tudo aquilo; talvez eu só quisesse desabafar. Mas ela me surpreendeu, respondendo:

— Ora, eu estou, sim. — E sorriu.

Obviamente não acreditei nisso; ela estava apenas tratando bem um cliente.

— Você é muito gentil.

— Obrigada.

Então, ocorreu-me que ela devia ouvir muitas histórias, trabalhando naquela padaria. Devia estar acostumada com malucos como eu. Quem sabe conseguiria me distrair?

— Quer dizer que estava mesmo prestando atenção?

— Acho que você está se sentindo sob pressão. Talvez um café não seja uma boa idéia. Não prefere um chá?

— Não gosto de chá. Prefiro uma boa conversa enquanto tomo café. Mas eu aceito um biscoito.

Ela podia se recusar, dizer que estava ocupada; mas não o fez.

— Como quiser.

Acomodei-me melhor no meu banco.

— Você não acha a vida complicada?

— Eu não disse isso.

— É, acho que não.

Mas ela parecia tão despreocupada que eu seria capaz de acreditar, se ela me afirmasse o contrário. Então ela me surpreendeu outra vez, olhando em meus olhos:

— Que desilusão tão grande o fez desacreditar da vida dessa maneira?

Aquilo traía um certo interesse ou era um julgamento? Não pude deixar de rir; ela tinha uma curiosa opinião sobre mim. E totalmente errada.

— Não é o que você está pensando.

— Como pode saber o que eu estou pensando?

— Você certamente está pensando que eu tenho problema com mulheres.

— E não tem?

Certo, eu tinha razão. Ela havia me rotulado e me atirado na sessão dos mulherengos superficiais. Não que eu não gostasse de mulheres, mas meus problemas atuais não tinham absolutamente nada a ver com isso.

— Não. Bem, não nesse sentido.

— Ah... Está bem.

Ela me serviu o café e depois se afastou para atender outro cliente. Fiquei com a nítida impressão de que ela não acreditara muito no que eu havia dito. Talvez isso se devesse à minha hesitação, quando me dei conta de que minha irmã, afinal, era mulher. Mas, ora, eu não me referia ao tipo de relacionamento em que ela estava pensando. Claro que ela tinha direito à sua opinião; mas, droga, eu não queria deixá-la com essa impressão de mim.

Olhei o relógio e percebi que estava atrasado para o trabalho. Esperava apenas tomar um café, antes de encarar os benditos documentos por mais um dia, mas terminei me demorando mais do que pretendia. Quanto à errônea opinião da simpática e fascinante garçonete, teria que ver isso depois. Como ela não retornava, deixei uns trocados em cima do balcão, juntei os papéis na pasta e parti.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Meme Literário

Este meme me foi indicado por Andréia, no blog Miríade. Geralmente, não gosto de memes; mas vários fatores me fizeram gostar deste. Primeiro: foi indicado por Andréia e isso por si só já é uma grande coisa. Segundo, fala de livros, uma das minhas paixões. E depois, eu prometi que encontraria memes legais para responder durante o ano e este chegou até mim como um presente. Não poderia deixar por menos.


1. Livro/Autor(a) que marcou sua infância:

Pedro Bandeira. Devo ter lido pelo menos... hum... todos os livros dele, com poucas exceções. Todos os livros com os Karas e o livro A marca de uma lágrima são meus preferidos e me fascinam até hoje. Guardo os volumes com tanto carinho que os tenho encapados. Mas perdi o Anjo da Morte, ao emprestar e não lembro para quem foi. Minha memória sempre me prega peças como essa.


2. Livro/Autor(a) que marcou sua adolescência:

Agatha Christie. Adoooro suspense, assassinato, jogo de detetive e me apaixonei de cara pelo primeiro livro da "Dama do Crime" que li, O Caso dos Dez Negrinhos. Viciei e terminei lendo tanto que acabei conseguindo captar um pouco da sua linha de raciocínio e decifrei alguns mistérios. Não é fácil, a mulher era uma verdadeira mestra em criar enredos de suspense. Sorte a minha que ela escreveu muitos livros. Não li nem metade.


3. Autor(a) que mais admira:

Machado de Assis. Sou patriota assumida e a língua portuguesa é minha paixão, mas não é (só) por isso que eu adoro Machado. Adoro a maneira como ele escreve, descreve, as metáforas, a conversa com o leitor. Os jogos de palavras que só quem domina de verdade nossa língua seria capaz de criar. Quem dera um dia escrever como ele.


4. Autor(a) contemporâneo:

Neil Gaiman. Sou fã também. Imagine um livro em que cada parágrafo encerra centenas de ironias ocultas e metáforas potencialmente cômicas. Isso é o que eu percebi depois de ler alguns dos livros dele; mas o que se vê logo de cara e não se pode negar é o brilhantismo dos enredos e dos cenários. Na própria sinopse você já se pergunta de onde o cara tira aquilo tudo. Ainda acho que ele é maluco.


5. Leu e não gostou:

Qualquer um de Dan Brown. Não gosto da maneira como ele tenta nos empurrar "verdades incontestáveis". Não, não é por eu ser cristã; nem todos os livros dele falam sobre crenças cristãs. E se você for reparar, tirando toda a parafernália de pesquisa, o enredo de aventura dele é sempre o mesmo. Sempre tem o assunto X de questionamento, a mulher linda e absurdamente inteligente, o herói que só falta voar (falta mesmo?) e uma correria contra o tempo, com um doido querendo matar todo mundo. O Código Da Vinci talvez seja o menos ruim, mas Fortaleza Digital e Ponto de Impacto quase conseguiram ser jogados pela minha janela.


6. Lê e relê:

A Trilogia Fronteiras do Universo. História contagiante; o filme A Bússola Dourada (ou de ouro) não fez jus à genialidade do mundo criado por Phillip Pullman. Para quem gosta de fantasia, eis uma história diferente de qualquer outra. Confesso que não esperava o final que teve.


7. Manias:

Acabar o livro e depois, para não me sentir tão órfã-de-livro, sair "pescando" as melhores partes para ler de novo, anotando frases legais e, se for emprestado e eu gostar muito, providenciar um para mim. Tenho mania também de sair passeando pelo Submarino e colocando vários livros no carrinho, para diminuir o frete, que pra cá é um absurdo. Meu salário some quase todo, nessa brincadeira.


8. Quero ler em 2009:

Hmmm... Vou terminar de ler Belas Maldições, de Neil Gaiman, que deixei de lado para reler Dom Casmurro, depois da microssérie Capitu. Estou esperando um amigo me emprestar a série Sandman, também de Gaiman. Pretendo ler Eclipse, da série de Stephenie Meyer, que vai sair agora em janeiro. Quero ler também A Sombra do Vento, recomendado por V.H.. Recentemente li a sinopse e achei interessante. E, sei lá, não planejo muito os livros que eu vou ler. Só não consigo ficar sem ler nada.


É isso, meme cumprido. Eu disse que sempre aparecem memes legais por aí. Não vou passar para ninguém, mas quem quiser fazer, esteja à vontade.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Enquete

No final do ano passado, promovi uma enquete sobre o que as pessoas gostariam de ver no Do Fundo do Mar em 2009. Pois bem, a enquete se encerrou na virada do ano, mas só agora voltei à ativa (os últimos posts estavam programados) para divulgar o resultado. Fico feliz em dizer que a enquete me surpreendeu positivamente. Estou encantada com a cooperação de todos e agradeço.


O resultado:

Divertiu-me saber que as pessoas gostaram do humor claudicante presente nos fatos engraçados que conto aqui. Não sou nenhuma humorista, mas tento fazer o melhor ao contar histórias sobre a minha família ou sobre os aparelhos voluntariosos que rodeiam a minha vida. Espero que também tenham gostado do post do dia 3 de janeiro, já neste ano.

Os contos ficaram em segundo lugar, por pouco. Preciso dizer, se já não o disse, que são meus favoritos, tanto para ler em outros blogs, quanto para escrever aqui. Por isso, mesmo que não tenha vencido a enquete, vocês certamente verão muitos contos ainda por aqui, como a segunda parte deste último conto Lanchonete, que escrevi no início de 2007.

Em terceiro lugar, vieram as crônicas. Devo confessar, tenho uma certa dificuldade com crônicas. Mas estou trabalhando nisso.

Empatando no quarto lugar, estão as poesias e as curtas. Adoro curtas, mas não curto tanto escrever poesia (não prosa poética, mas poemas), tanto que só escrevi uma para o blog. Já as curtas, faço poucas porque acho difícil. Ser sucinto, às vezes, é mais complicado que ser prolixo. As curtas só aparecem por aqui quando a inspiração é muito grande.

Algumas pessoas votaram outros e fizeram seus comentários. Comentários são os melhores, não acham? Resumindo, recomendaram-me a não me preocupar com estilo ou detalhes, mas apenas seguir meu coração e escrever livremente. Ainda acho que vocês confiam demais nesta pobre mortal. Mas, enfim, prometo tentar sempre corresponder às expectativas de todos. Agora que estou voltando para casa, depois das minhas "férias do blog", vou recuperar o tempo que, voluntariamente, perdi. Voltarei a ler e comentar. Esperem e me verão por aí. Abraços a todos e feliz 2009!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Café


Já o tinha visto entrar e sentar-se ao balcão, do outro lado da padaria. Parecia bem ocupado e passou os últimos quinze minutos falando ao celular, alternando-se entre alterado e paciente, aborrecido e delicado. Às vezes, fazia gestos vagos com as mãos e andava um pouco pelo recinto, depois voltava para o banco em que estivera sentado. Inicialmente, tinha apenas me despertado a curiosidade; depois observá-lo passou a ser um passatempo, uma distração agradável, naquele começo de turno de trabalho.

Era moreno, alto, não muito magro nem gordo demais, mesmo que não desse pra perceber ao certo por baixo daquele terno. Possuía um nariz reto, onde se amparava um par de óculos por sobre dois expressivos olhos azuis. Os cabelos eram castanhos claros e estavam um pouco compridos e desalinhados, como alguém que acabara de acordar. Mesmo assim, era surpreendentemente bonito. E quando, ao final do telefonema, ele sorriu e disse adeus, o sol lá fora, me pareceu um pouco pálido, de repente.

Não sei quanto tempo fiquei ali, do outro lado do balcão, enxugando o mesmo copo, enquanto contemplava aquela bela figura. Pareciam-me horas, ou talvez dias. Então ele levantou os olhos para mim, enquanto tirava alguns papéis de uma pasta, e eu fui obrigada a voltar o olhar para o copo.

— Com licença! Você poderia me servir um café?

Assustei-me com o som da voz dele. Depois percebi o quanto eu estava sendo estúpida; era óbvio que ele entrara na padaria para ser atendido.

— Certamente. Só um minuto, sim?

Ele não respondeu, nem eu esperava resposta. Abandonei a agradável distração e voltei ao trabalho. Peguei o pacote com o pó de café e comecei a despejar na cafeteira, enquanto passava distraidamente os olhos pelo balcão, à procura de uma xícara limpa. Arrumei a xícara e olhei o relógio, calculando quanto tempo faltava para sair a próxima fornada de biscoitos. Só mais alguns minutos. Os clientes costumavam gostar dos biscoitos de chocolate. Enquanto esperava, lembrei-me de que precisava comprar farinha para fazer mais biscoitos e providenciar…

— Por que tudo é tão complicado?

Desta vez, assustei-me com razão. Olhei para ele, com olhos arregalados e o pote de biscoitos quase vazio na mão, e não soube o que dizer. Devo ter feito uma verdadeira cara de idiota, pois ele apressou-se em se justificar.

— Desculpe. Você não tem nada a ver com isso. Eu estou um pouco aborrecido hoje.

— Não, tudo bem — apressei-me a dizer.

Ele me despertou uma ligeira curiosidade, agora de uma outra maneira. De repente, parecia ter algo mais por trás da beleza, dos olhos azuis e do terno escuro. E eu me vi esperando alguma explicação.

— Acho que estou enlouquecendo. Às vezes me pego falando sozinho. Agora mesmo, estou falando sozinho, pois não acredito que você esteja mesmo interessada ou que esteja prestando atenção ao que eu digo.

— Ora, eu estou, sim.

Ele me olhou e deu um meio sorriso.

— Você é muito gentil.

— Obrigada.

— Quer dizer que estava mesmo prestando atenção?

— Acho que você está se sentindo sob pressão. Talvez um café não seja uma boa idéia. Não prefere um chá?

— Não gosto de chá. Prefiro uma boa conversa enquanto tomo café. Mas eu aceito um biscoito.

— Como quiser.

— Você não acha a vida complicada?

— Eu não disse isso.

— É, acho que não.

Era um tom de desdém que, de alguma maneira, me pareceu sarcasmo. Será que ele me considerava uma tola que não tinha preocupações? Pela primeira vez, tomei coragem e olhei-o nos olhos:

— Que desilusão tão grande o fez desacreditar da vida dessa maneira?

Ele levantou as sobrancelhas por um momento, depois riu.

— Não é o que você está pensando.

— Como pode saber o que eu estou pensando?

— Você certamente está pensando que eu tenho problema com mulheres.

Imediatamente pensei na conversa que ele estivera tendo ao celular. É, ele sabia o que eu estava pensando.

— E não tem?

— Não. Bem, não nesse sentido.

— Ah… Está bem.

Não me convenceu. Bem, mas quem era eu para julgá-lo? Servi o café e outro cliente me chamou, do outro lado do balcão. Desculpei-me e fui atendê-lo. Quando desocupei outra vez, o cliente simpático já tinha ido embora. Suspirei e voltei ao trabalho.


Leia também a segunda parte do conto Café.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Preferência

— A agenda dele está lotada hoje.

— E amanhã?

— Também. Olha, nós temos outros dentistas que…

— Não, não. Eu já disse que só quero ser atendida por ele.

A secretária fez uma pausa, deu uma olhada na agenda e suspirou.

— Está bem, tem uma vaga no último horário hoje. Só que vai demorar.

— Não tem problema, eu espero.


...


— Doutor, tem uma paciente lá embaixo que só quer ser atendida pelo senhor. Acabou de ser marcada no último horário.

Ele se encheu de orgulho e, ensaiando um ar de desdém, comentou com o paciente que atendia:

— É assim mesmo. De vez em quando aparecem umas fãs por aqui… Que posso fazer, não é?

Deu de ombros e continuou o trabalho.

Quando, no último horário, ele mandou chamar a tal "fã", ninguém agüentou e começou a rir. A cara do meu irmão quando me viu foi simplesmente hilária.