Quase me envergonho de ter
demorado tanto tempo para acabar de ler este livro: ele tem só 90 páginas. Fora que é aquele tipo de livro sem capítulos, escrito num fluxo incessante de
pensamentos, que torna difícil retomar a leitura, depois de interrompida, mesmo
que por apenas alguns minutos. O problema é que essas interrupções aconteceram
com bastante freqüência, esses dias. Coisas da vida.
A história é sobre Hillé, ou
senhora D. D de “derrelição”, ou abandono, solidão. É uma mulher de 60 e tantos
anos que perdeu o marido e — não se sabe se por isso ou pela própria
personalidade dela — começou a apresentar sinais de insanidade, chegando a
assustar os vizinhos. E a senhora D passa o livro divagando, fazendo
questionamentos e considerações sobre a vida; às vezes bem malucos, mas bastante interessantes. Uma mulher incomum para a época, uma mulher que pensava
e, mesmo quando ainda era jovem e sã, acabava por afastar as pessoas, por causa
das suas incômodas perguntas sobre o sentido da vida.
A maior dificuldade na leitura era descobrir quem diabos estava falando, naquele momento; se a senhora
D, o marido dela, o pai, os vizinhos, Deus... Os vizinhos eram os mais fáceis;
eles não eram adeptos de grandes filosofias, ao contrário do resto. Como bem
disse a pessoa que fez a sinopse da edição que eu li, há uma grande economia de
recursos na escrita. O que eu devia odiar, visto que adoro textos bem
redondinhos, parágrafos, travessões, parênteses. Mas terminou que eu achei uma
das grandes sacadas. Não apenas ficou um formato interessante — uma coisa meio
“poesia em prosa” —, como também ilustrou a loucura da personagem principal.
Como se tudo se passasse dentro da cabeça dela, numa confusão que só faz
aumentar ao longo do livro. A narrativa e o livro inteiro terminam sendo tão
loucos quanto ela.
Então, você inicia o livro meio
tonto e sem entender nada de nada. E talvez passe boa parte do livro assim. E
vai embarcando nas loucuras e bizarrices da senhora D, rindo dos palavrões,
achando graça dos sustos que levavam os vizinhos, nas vezes que ela abre a
janela. Até perceber que é uma história bem triste. Sobre derrelição, ou
abandono, solidão.
Essa foi a minha primeira
experiência com
Hilda Hilst e eu só fiquei pensando se os outros livros dela
são tão tristes e loucos quanto este. Pelo sim ou pelo não, pretendo procurar
outros dela, porque achei fantástico.
* A todos aqueles que acham que o Brasil não tem escritores excelentes, vale lembrar que ela é brasileira.