quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Para você que não precisa do feminismo

Você acorda cedo todos os dias, se arruma, faz maquiagem, escolhe a roupa, sai para o trabalho. Pega seu carro ou o metrô, enfrenta o trânsito, lida com clientes ou chefe chato. Às vezes, lida também com assédio. De colegas, clientes, chefe, desconhecidos no elevador ou no caminho para o escritório. Nada de novo. Almoça em qualquer restaurante barato, volta para o escritório, trabalha mais um pouco. Sai do trabalho direto para a academia, come qualquer coisa antes da aula de pilates. Hora do anticoncepcional, não pode esquecer. Chega em casa, toma banho, tira a maquiagem, passa cremes no corpo, seca o cabelo, faz um lanche de baixas calorias. Fica em frente à televisão ou no computador, até o cansaço levar a melhor.

"Eu não preciso do feminismo por nenhuma razão"

Você é mulher. Brasileira, solteira, livre. Pagando suas contas ou não, sua vida não é fácil. Mas não é nem perto de ser tão difícil quanto era há cinquenta anos. Ou mesmo vinte. Ou, pasme, dez. Hoje, você pode trabalhar fora de casa, votar, dirigir. Talvez ninguém cobre que você saiba cozinhar ou passar roupa. Você pode discutir ideias. Pode não casar, muito menos com alguém que você não quer. Pode até sair sozinha. Só vai ouvir umas dez recomendações de alguém, antes disso. Ou, se não ouvir, vai sair assim mesmo, com o medo habitual de ser encurralada em algum beco escuro por algum estuprador. Com o medo de beber em algum bar e colocarem algo em sua bebida. Medo de dirigir e o carro quebrar no meio do caminho, deixando-a vulnerável. Medo de se relacionar com algum doido que seja violento. Medo de tirar fotos íntimas e elas vazarem. Medo de usar uma roupa mais curta e ficarem falando. Medo de ficar com vários caras e virar assunto na cidade. Mas você está acostumada com esses medos, não é?

Então, você conhece um cara legal e começa a namorar. Você não precisa ter mais medo, porque agora você sai acompanhada, ele não é violento e você confia nele. Um dia, ele resolve sair sozinho e você pergunta para onde e com quem, só de curiosidade. E ele a acusa de estar tentando controlar a vida dele. Você, para ser uma namorada legal, deixa a pergunta para lá. Aí ele começa a receber mensagens constantes de uma menina que você não conhece. Você acha estranho e pergunta quem é. Não é uma grande coisa perguntar. Ele diz que você está doida por estar desconfiando dele sem que ele nunca tenha feito nada. Mulher é sempre doida, desconfiada. Não é nele que não confia, é nas outras mulheres. Ele a acusa de ter amigos também e ele não fica no pé. Você começa a achar que está mesmo ficando doida. Você pede que ele avise quando chegar em casa, para você não ficar preocupada. Ele diz que não tem necessidade disso, que faz tudo por você e você só fica desconfiando, perguntando besteira e controlando os passos dele. Você começa a ficar com dificuldade de lembrar das vezes que foi livre e despreocupada e começa a se achar uma péssima namorada. E começa a perguntar menos, incomodar o mínimo, sorrir ao máximo. Mesmo sem motivos. Mas, ainda assim, ele sempre diz que você era mais legal no começo do namoro. Aí o namoro acaba e você não sabe onde errou. A gente nunca sabe, mas sabe que foi a gente. Até pensar direito e descobrir que esteve sofrendo lavagem cerebral. Na próxima vez, você não vai deixar isso acontecer.

Você vai a uma reunião de família, a tia pergunta por que você não tem namorado. Com certeza, você está sendo exigente ou tem algo errado com você. Não pode continuar solteira, ninguém é feliz sozinho. Você vai morrer sozinha, amargurada, sem filhos. A prima diz que vai apresentar um amigo muito legal a você. Você não pode mais se dar ao luxo de escolher muito, afinal já passou da idade. E mulher tem prazo de validade. Mas você nem queria muito; só queria alguém que fosse companheiro, soubesse conversar, tivesse o mínimo de coisas em comum, desse valor às suas opiniões. E, se não fosse muito machista também, seria bom. Mas isso é uma raridade, você não pode esperar isso de ninguém. Então, você fica só, eternamente procurando, tentando ou esperando; entre saídas com amigos, ficadas desinteressadas e maratonas de séries no Netflix.

Você não precisa do feminismo. Não mesmo. Você é uma mulher numa a sociedade machista, tem que se acostumar. E ela já foi mais machista; há países onde mulher nem pode trabalhar, escolher marido ou se vestir do jeito que quer. Aqui nem é tão ruim, você só precisa nadar a favor da corrente. Não dá para se revoltar contra tudo também. Você só vai ser uma chata, extremista, do contra. Para quê? Nenhum homem vai querer uma pessoa assim.

Sua vida realmente não é fácil. Verdade. Mas isso deve ser normal. Afinal, a vida de ninguém é fácil.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Choices and changes

Não é estranho quando você não encontra muitas coisas que você gostaria de fazer na vida. Quando você para e pensa que só há aquele caminho a seguir, que aquele é seu objetivo, seu destino. E não pensa em mais nada. Acho que esse é o curso natural das coisas, a maneira como todas as pessoas pensam ou sentem. Isso não é estranho. Estranho é quando você consegue pensar em pelo menos cinco coisas que você gostaria de fazer, cinco caminhos diferentes a percorrer. Todos lindos, todos diferentes, e você tem que escolher um. Cada um mais cheio de desafios que o outro.

Eis que você, finalmente, escolhe um. Porque, na vida, a gente precisa escolher e cada escolha é aquele famoso paradoxo: você escolhe uma coisa e deixa as outras irem. E a gente precisa ser feliz com o que escolhe. Exceto quando, depois de muito tentar, não consegue.

Então, sempre há tempo para voltar atrás. E acho que é isso: estou voltando.

"Turn and face the stranger"

domingo, 25 de outubro de 2015

Olhares e desencontros

Alguns olhares dizem mais que palavras e gestos. Foi o que ela sentiu, enquanto negava a si mesma o direito de deixar seus olhos fazerem o que tinham vontade. Mas por que não? Por que impedir e tolher esse direito que eles tinham, de olhar e procurar respostas? Foi algo que começou muitos anos atrás. Uma casa de campo, duas pessoas jovens demais para saberem lidar com o que quer que acontecesse. E nada aconteceu. Jovens demais, como eu já disse.

Mas olhares desencontrados continuaram acontecendo. Perturbando a paz e o equilíbrio. Um jantar, alguns shows, uma formatura, um casamento. Alguns esbarrões e vários desencontros. Ela solteira, ele noivo. Ele solteiro, ela namorando. Ela solteira, ele casado. Desencontros e olhares. Que ela não podia deixar se aprofundarem mais porque ele era agora casado. E não havia nada, afinal. Nada que lhe desse esperanças ou expectativas concretas. Eram apenas olhares.

E cada um seguia sua vida, nunca nem pensando em nada disso. Cada um para um lado; lados opostos da cidade, lados opostos da vida. Nunca lembravam de nada, um do outro. Apenas quando mais desencontros e olhares aconteciam. Nenhum toque, nenhuma palavra. Nenhum sorriso ou mesmo reconhecimento. Apenas olhares e a fuga deles. Então, algo acontecia, mas ninguém sabia exatamente o que era. Então, ela voltava a pensar: e se...?

Mas, então, o momento passava e as vidas seguiam. O mundo voltava ao eixo, às coisas reais e que fazem sentido. Nada nunca havia acontecido.



Imagem: Flickr - Creative Commons

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Resenha: As Vantagens de ser invisível

Num dia qualquer, no ano passado, assisti ao filme referente a esse livro (inclusive comentei em um post, um tempo atrás) e agora, por acaso, o livro caiu nas minhas mãos. Assim que comecei, só consegui achar que o livro ia ser meio bobo. O protagonista, Charlie, é mais infantil e mais inocente do que aparenta no filme e me dava uma espécie de vergonha alheia, por ficar chorando pelo colégio, em pleno High School. Depois, você termina entendendo a personalidade dele e, afinal de contas, é bom que ele chore. Significa que, naquele momento, não vai explodir de outra maneira.

A história é contada através de cartas, enviadas por Charlie. É como um diário, só que ele envia as narrativas para alguém. No começo, ele fala do único amigo que tinha e morreu e de como está nervoso em começar as aulas no High School, porque tem dificuldade de fazer amigos. Então, ele conhece Sam e Patrick, dois meios-irmãos, e se torna parte do grupo deles. E, como são pessoas de mentes abertas, fora dos padrões, bem diferentes do que ele costumava lidar, Charlie termina vivendo experiências que normalmente não viveria. Ele também acaba ficando amigo de seu professor de inglês, Bill, que passa o ano inteiro emprestando livros para ele ler. E, nesse ano letivo, Charlie vai amadurecendo, aprendendo coisas sobre si, sobre como lidar com pessoas e descobrindo coisas novas.

O livro tinha tudo para ser meio bobo, mas então, à medida que Charlie vai crescendo e se abrindo mais, a gente vai entendendo que as coisas na vida dele, e na cabeça dele, são mais inesperadas do que a gente achava. Uma das coisas que mais me chamou a atenção, nesse livro, foi como as personalidades são mais complexas do que parecem à primeira vista. A segunda coisa que chama a atenção é a delicadeza com a qual o autor escreve coisas, digamos, não muito delicadas. O livro inteiro é de uma delicadeza incrível.

Não é um livro cru, um livro que não usa meias-palavras; ainda assim, é um livro sincero e sem muito rebuscamento. Talvez por isso seja suave, mesmo quando fala sobre problemas grandes; porque não diz diretamente o que a gente quer saber, ao mesmo tempo em que tenta nos mostrar essas coisas. É um livro de descobertas. A gente se descobre, enquanto descobre mais sobre Charlie. Bill termina sendo um mestre e um amigo para todos nós, fazendo com que a gente pense muito nas suas palavras. Sam também tem grandes momentos. É um livro que nos faz pensar sobre amizade, sobre experiências, sobre nós mesmos e em como temos lidado com nossa vida; em como temos deixado nossas experiências nos transformar. Em como temos agido movidos por coisas que nós passamos e se isso é o certo a ser feito.

Pessoalmente, não achei um livro incrível, como já vi muita gente falando. Mas é um livro lindo. Realmente lindo. Ganhou meu respeito.

"Eu sei que tem pessoas que dizem que essas coisas não acontecem, e que isso serão apenas histórias um dia. Mas agora nós estamos vivos. E nesse momento, eu juro. Nós somos infinitos."


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Essa é uma resenha para o mês de outubro do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro que virou filme. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Good vibes

Estava lendo um texto sobre pessoas que trazem más vibrações. Ao longo da vida, mudei várias vezes meu pensamento sobre a maneira de encarar pessoas ao meu redor. Há muito tempo, eu achava que a gente tinha que se dar bem com todo mundo, não dizer "não" à companhia de ninguém e perdoar tudo e todos. Ou pelo menos, tentar. Depois de um tempo nessa filosofia, senti que ela se virava contra si mesma, enquanto eu acabava atraindo e me esforçando mais pela companhia de pessoas difíceis que pelas fáceis. E virava refém delas. E, de repente, coisas avulsas na minha vida que tinham tudo para dar certo, acabam dando errado. Porque, a gente não percebe, mas algumas pessoas podem sugar toda a sua energia, sua alegria e força de vontade, e realmente nos trazer para baixo. Não são de todo pessoas ruins, são apenas "vibes" com as quais você nem sempre consegue lidar.

Ao deixar para trás todas essas pessoas, percebi que voltei a aceitar as coisas de uma maneira mais simples e tudo começou a ficar mais fácil. Não a vida, mas o modo de lidar com ela. É válido, sim, ter boa vontade e bom humor e tentar olhar as pessoas de maneira menos crítica, sem o impulso de encontrar defeitos em todos. O que não é válido é deixar pessoas que nos fazem mal reinarem em nossas vidas e continuarem por perto fazendo estragos. Então, bem-vindos ao meio termo: olhar tudo sem o olhar crítico, mas apenas se aproximar de pessoas que nos fazem bem, que nos fazem crescer. Você não vai guardar rancor de ninguém, só não é obrigado a lidar com todo mundo. E não será uma pessoa ruim por isso.

A maior lição que eu tirei disso tudo nem foi essa, a de me afastar de pessoas que me fazem mal. Foi que tudo que eu não quero da vida é ser uma dessas pessoas, um sugador de energia, um dementador. O que eu quero são pessoas que têm orgulho de mim e das minhas conquistas, não pessoas que duvidam e digam que eu não sou capaz. E eu também quero ser a pessoa que apoia as escolhas dos meus amigos, a pessoa que vibra e propõe um brinde, no final. A pessoa com muitos defeitos e chatices, mas que eles querem por perto, porque traz algo bom. Eu quero ser essa pessoa.

Aí você me diz que pessoas felizes são chatas. Antes de tudo, vale dizer que há pessoas que fingem ser felizes e fáceis, mas não são. Assim como há as pessoas que estão quietas e sérias, mas que estão em paz. Não demora muito para saber a diferença entre elas. Então, a todos aqueles que, mesmo assim, desprezam as pessoas felizes, só posso dizer que lamento. Vocês não fazem nenhuma falta da minha vida.

"Imagine there's no heaven"

Imagem: Flickr - Creative Commons

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Primeiras palavras

Escrevo histórias. Invento personagens e situações. Às vezes, coloco ali minhas experiências, no papel, na tela do computador. É fácil escrever sobre o que se entende, mas é muito complicado entender-se o suficiente para escrever sobre si. Então, na maioria das vezes, apenas quero me desvencilhar de mim mesma e ser outra pessoa. Se possível, bem diferente; por mais que me entenda, hoje, muito mais do que um dia me entendi. Lendo um livro, a gente pode conseguir essa viagem, de ser várias pessoas ao mesmo tempo. Agora, imagina poder escrever nossos próprios livros, com tudo aquilo que queremos ler. Esse é o meu propósito, meu objetivo.

Há algum tempo, comecei a escrever meu primeiro livro. Na verdade, sempre começo vários primeiros livros, mas pela primeira vez estou terminando um. Provavelmente, ele nunca será publicado; nenhum deles. Se é que vou terminar os outros. Mas a sensação de realização que acompanha o desenrolar de uma narrativa é única.

Acho que nunca estive num momento mais produtivo. Deve ser por isso que este blog anda meio abandonado. Peço perdão. Mas está valendo a pena. Quem sabe, um dia, vocês me leiam por aí. Vamos torcer.

https://www.flickr.com/photos/pedrojesusfotografia/13414753665/




Imagem: Flickr - Creative Commons

domingo, 16 de agosto de 2015

Página em branco*

O que antes me inspirava, hoje me causa medo: a página em branco, o papel que não será preenchido com nada. Torna cada vez mais real o vazio, a ausência de vida dentro de um corpo. A página de vida em branco. Pavor de parar em frente a um papel e me perder na ausência de linhas, na necessidade vã de expressão, nas minhas próprias ideias. Volta, inspiração. Não me deixa aqui sozinha, sem pensamentos bonitos, ou mesmo feios; sem sentimentos felizes ou miseráveis. Sem sentir. Sem palavras.

Saudade de escrever em qualquer pedaço de papel, no guardanapo do bar, no post it do escritório. Saudade de julgar-me livre. De compor uma letra de música sem muito esforço, sem parar para sentir, ou me perceber sentindo. Saudade de não precisar sentir, mas sentir tudo intensamente e deixar transparecer sem saber, em cada letra desenhada. Saudade de ter palavras na ponta da língua. Do lápis. Dos dedos. Do coração.

Saudade dele. Do causador da página em branco.




"Saudade... Quero arrancar essa página da minha vida."

Imagem: GettyImages


*Texto escrito em novembro de 2010

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Às mulheres que não amam as mulheres

Faz algum tempo que estou enrolando para escrever um texto sobre feminismo e sobre tudo que venho sentindo e aprendendo, nos últimos tempos. Eu sempre tive uma tendência feminista, mas aceitava o machismo como uma característica imutável da sociedade. Aceitava em mim, em algumas maneiras de pensar; aceitava nos outros, talvez porque não quisesse ser chata, extremista, ou porque não pensava muito nessas coisas. Mas então, um dia, você se depara com o julgamento que oprime, com as atitudes que invadem, com o machismo que mata. E você, sendo mulher, homem ou qualquer outra coisa, percebe que está apenas sendo conivente, apoiando tudo isso. E, sendo mulher, entende que poderia estar no lugar de qualquer uma dessas pessoas.

Há menos de um ano, eu aprendi uma palavra chamada sororidade, que é a mesma coisa que fraternidade, só que entre mulheres. Frater é irmão e sóror, irmã. São mulheres que se uniram em busca de um objetivo em comum. E nessa união, não falo só de agir como um time, mas como uma família. É comum a gente ouvir que "amizade entre mulheres é diferente, sempre existe competição" e isso é mais um absurdo que a sociedade enfiou na nossa cabeça e nós acabamos acreditando. A sociedade, as novelas, as músicas. Não sei você, mas as minhas amigas não competem entre si; elas têm orgulho umas das outras por suas conquistas, são sinceras, se apoiam e se amam. É esse amor que venho procurando na minha vida, hoje. Nunca falo em feminismo como uma luta contra os homens, mas contra a sociedade machista e em benefício de todos. Depois que você começa a reparar, passamos a encontrar o machismo em lugares que nunca pensamos encontrar. Aí você escuta que "mas você também vê machismo em tudo". Não sou eu que vejo; ele sempre esteve ali. Assim como a homofobia, ou o racismo. Eles existem, mas ninguém vê, porque é "normal". Porque eles sempre estiveram ali.

Sororidade

Aí você vê mulheres lutando pelo direito de poder sair na rua sem ser incomodada com uma cantada, sem ter medo de que invadam seu espaço e passem a mão, sem ter medo de ser confundida com um pedaço de carne que está ali para ser comido. E você desdenha. Você, mulher, alega que nada que elas façam vai mudar a sociedade. Hoje, você pode votar, você pode trabalhar, pode morar sozinha, mas continua dizendo que a sociedade não pode ser mudada. Aí você vê uma mulher usando roupa curta e desdenha. Você vê uma mulher gorda e desdenha. Você reclama que estão fazendo protesto contra os comerciais que objetificam o corpo da mulher. Você reclama que alguém não achou graça de uma piada que diz que mulher não sabe dirigir e você também pergunta a uma amiga por que ela veio dirigindo, se o namorado estava disponível. Você pergunta por que ela paga a conta, se o namorado pode pagar. Você tem pena de mulheres que estão solteiras, porque mulher sozinha é encalhada, é porque ninguém quer. Ou porque é "exigente demais". Você condena uma amiga porque ela não quer ter filho, mas condena também se ela tiver e não souber criar direito: "por que teve, então?". Você também condena o aborto, porque, se a mulher fez besteira, tem que arcar com as consequências. Você odeia as amigas do seu namorado: "são todas putas". Você odeia as ex-namoradas deles também. Se ele as traiu, foi culpa delas, nunca dele. Ele nunca faria isso com você, porque você é diferente. Você entende homens que traíram as namoradas, porque homens são assim mesmo, enquanto chama de puta as mulheres que traíram seus namorados. Homens são vítimas de seus instintos, mulheres apenas são fracas ou putas. Se você xinga uma mulher, chama de puta, porque  liberdade sexual é condenável. Quando homens são imbecis, são filhos da puta, porque tem que o atingir xingando outra mulher. Ou chamando de "viado", comparando-o a uma mulher. Você chama feminista de "feminazi", comparando uma luta legítima, que nunca matou ninguém (pelo contrário!), a uma ideologia em que pessoas inocentes foram e ainda são assassinadas.

Amiga, você é machista. E não há nada mais triste que uma mulher machista, uma mulher que aceita obedientemente uma posição de inferioridade em relação aos homens. Mesmo que você não sinta essa inferioridade, que chame de outra coisa. O problema é que essa não é uma luta só sua; há pessoas que sofrem todos os dias com isso e você está prestando um desserviço a todas elas. É hora de repensar esses julgamentos, exercitar a nossa sororidade. Amemos mais as mulheres; nossas amigas, as amigas dos nossos amigos, as amigas dos nossos namorados. Até mulheres desconhecidas, na rua. Podemos nos ajudar a conquistar o nosso espaço. Aceitar os erros das outras, porque algum dia podem ser os nossos. Não é fácil, eu sei bem, porque vivemos numa sociedade que prega exatamente o contrário. Porque convivemos com pessoas que não pensam assim. Porque há até pessoas que dizem que machismo não existe, que você está exagerando. É um exercício diário. Mas podemos espalhar essa ideia e abraçar esse amor. O que temos a perder? Você vai ser mais crítica com o mundo, mas menos com as mulheres que a cerca. Você vai ganhar muitas amigas. Também vai encontrar apoio onde menos espera.


Amiga, machismo mata, todos os dias. E você pode estar sendo cúmplice apenas por não se importar, ou dizer que ele não existe.

Imagens: Flickr - Creative Commons

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Café*

Já o tinha visto entrar e sentar-se ao balcão, do outro lado do café. Parecia bem ocupado e passou os últimos quinze minutos falando ao celular, alternando-se entre alterado e paciente, aborrecido e delicado. Às vezes, fazia gestos vagos com as mãos e andava um pouco pelo recinto, depois voltava para o banco em que estivera sentado. Inicialmente, tinha apenas me despertado a curiosidade; depois observá-lo passou a ser um passatempo, uma distração agradável, naquele começo de dia de trabalho.

Era moreno, alto, não muito magro nem gordo demais, mesmo que não desse pra perceber ao certo por baixo daquele terno. Possuía um nariz reto, onde se amparava um par de óculos por sobre dois expressivos olhos azuis. Os cabelos eram castanhos claros e estavam um pouco compridos e desalinhados, como alguém que acabara de acordar. Mesmo assim, era surpreendentemente bonito. E quando, ao final do telefonema, ele sorriu e disse adeus, o sol lá fora me pareceu um pouco pálido, de repente.

Não sei quanto tempo fiquei ali, do outro lado do balcão, enxugando o mesmo copo, enquanto contemplava aquela bela figura. Pareciam-me horas, talvez dias. Então, ele levantou os olhos para mim, enquanto tirava alguns papéis de uma pasta, e eu fui obrigada a voltar o olhar para o copo.

— Com licença! Você poderia me servir um café?

Assustei-me com o som da voz dele. Depois percebi o quanto eu estava sendo estúpida; era óbvio que ele entrara no café para ser atendido.

— Certamente. Só um minuto, sim?

Ele não respondeu, nem eu esperava resposta. Abandonei a agradável distração e voltei ao trabalho. Peguei o pacote com o pó de café e comecei a despejar na cafeteira, enquanto passava distraidamente os olhos pelo balcão, à procura de uma xícara limpa. Arrumei a xícara e olhei o relógio, calculando quanto tempo faltava para sair a próxima fornada de biscoitos. Só mais alguns minutos. Os clientes costumavam gostar dos biscoitos. Enquanto esperava, lembrei-me de que precisava comprar farinha para fazer mais e providenciar...

— Por que tudo é tão complicado?

Desta vez, assustei-me com razão. Olhei para ele, com olhos arregalados, o pote de biscoitos quase vazio na mão, e não soube o que dizer. Devo ter feito uma verdadeira cara de idiota, pois ele apressou-se em se justificar.

— Desculpe. Você não tem nada a ver com isso. Eu estou um pouco aborrecido hoje.

— Não, tudo bem — apressei-me a dizer.

Ele me despertou uma ligeira curiosidade, agora de uma outra maneira. De repente, parecia ter algo mais por trás da beleza, dos olhos azuis e do terno escuro. E eu me vi esperando alguma explicação.

— Acho que estou enlouquecendo. Às vezes me pego falando sozinho. Agora mesmo, estou falando sozinho, pois não acredito que você esteja mesmo interessada ou prestando alguma atenção ao que eu digo.

— Ora, eu estou, sim.

Ele me olhou e deu um meio sorriso.

— Você é muito gentil.

— Obrigada.

— Quer dizer que estava mesmo prestando atenção?

— Acho que você está se sentindo sob pressão. Talvez um café não seja uma boa ideia. Não prefere um chá?

— Não gosto de chá. Mas aceito companhia enquanto tomo meu café. E um biscoito.

— Como quiser.

— Você não acha a vida complicada?

— Eu não disse isso.

— É, acho que não.

Era um tom de desdém que, de alguma maneira, me pareceu sarcasmo. Será que ele me considerava uma tola que não tinha preocupações? Pela primeira vez, tomei coragem e olhei-o nos olhos.

— Que desilusão tão grande o fez se revoltar com a vida dessa maneira?

Ele levantou as sobrancelhas por um momento, depois riu.

— Não é o que você está pensando.

— Não pode saber o que eu estou pensando.

— Você certamente está pensando que eu tenho algum problema com mulheres.

Imediatamente pensei na conversa que ele estivera tendo ao celular. É, ele sabia o que eu estava pensando.

— E não tem?

— Não. Bem, não nesse sentido.

— Ah... Está bem.

Não me convenceu. Bem, mas quem era eu para julgá-lo? Servi o café e outro cliente me chamou, do outro lado do balcão. Desculpei-me e fui atendê-lo. Quando desocupei outra vez, o cliente simpático já tinha ido embora. Suspirei e voltei ao trabalho.
 

* Texto escrito em 2009
 Imagem: Flickr - Creative Commons

sexta-feira, 5 de junho de 2015

E, no final de tudo, acabamos sozinhos. Passamos a vida inteira procurando pessoas para aglomerar à nossa volta, pessoas com quem nos relacionar, pessoas com quem casar, tendo filhos, mantendo relações... Isso tudo para ter alguma companhia em todos os momentos. Mas sábio é quem consegue entender a delícia de se bastar. Não digo fugir da convivência do mundo, mas poder se sentir bem em sua própria companhia. Amar-se e entender-se o suficiente para se sentir bem com os próprios pensamentos. E só então encontrar pessoas com quem dividir esses pensamentos.

Porque, no final de tudo, acabamos sozinhos. O que só entendemos nessa hora é que, por menos que estejamos sós, o fato é que nós sempre estivemos.

"É a certeza da eterna presença
da vida que foi, da vida que vai"

Imagem: GettyImages

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Resenha: A Hora da Estrela

Alguns comentarão "como assim você nunca leu A Hora da Estrela antes?" É verdade, eu li outros dois livros de Clarice Lispector, mas ainda não tinha lido este. Por nada, só não tinha encontrado para pegar emprestado e nunca lembrava de comprar. Fui adiando, como tantos outros livros na nossa vida. Eis que chegou a hora.

Várias pessoas me disseram que este talvez fosse o melhor livro dela. Certamente o mais famoso, adaptado para o cinema e tudo mais. Mas preciso dizer que não gostei. Esperei mais. A narrativa já era minha conhecida, a dos outros dois livros que eu li dela. Desta vez, quem conta a história é um narrador chamado Rodrigo S. M., narrador observador, que conta em terceira pessoa a história de Macabéa. A personagem principal é uma nordestina, alagoana, simples e que não tem muita coisa de especial. O narrador não faz parte da vida dela, é apenas um observador que resolveu por algum motivo contar a história dela.

Mais da metade do livro consiste em Rodrigo se explicando por que escreve e por que resolveu escrever justamente sobre Macabéa. Enquanto não escreve, ele demonstra o desdém típico da classe média carioca pela humilde imigrante nordestina. Eu entendi o motivo por trás disso, mas não torna o livro menos chato. Eu adoro a escrita de Clarice Lispector; mas, gente, é mais da metade do livro só, digamos, enrolando para não contar a história. Eu sei que a ideia era Macabéa só ser importante na hora certa e Rodrigo ser um personagem secundário, apesar de narrador, com sua história e caráter a serem descritos. Mesmo assim, nada disso me ajudou a gostar do livro. Para mim, ele só para de se arrastar da metade pro final.

Depois de ler obras lindas como Perto do Coração Selvagem e Laços de Família, eu confesso que fiquei decepcionada. Mas eu tive que ler para saber disso. É um livro curto, pelo menos. E nunca é desperdício ler as belas palavras de Clarice.

"Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isso é ser uma pessoa?"

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Essa é uma resenha para o mês de abril do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro escrito por uma mulher. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Resenha: A Droga da Amizade

Anos depois de lançar a série de livros dos Karas, Pedro Bandeira resolveu escrever mais um livro sobre os heróis da minha infância: A Droga da Amizade. Como o autor terminou vindo à minha cidade para promover o livro, eu aproveitei e consegui um autógrafo e uma foto com ele. Enquanto o via divagar sobre o livro e responder perguntas, várias vezes senti um nó na garganta, de nostalgia pura. É isso que é essa série inteira para mim: nostalgia. Olhos enchendo de lágrimas ao lembrar do tempo em que eu li pela primeira vez cada um desses livros.

Ele conta a história de como os Karas estão agora: adultos, com filhos. Esperando para fazer um discurso importante, Miguel relembra como surgiu o grupo e nos conta também alguns acontecimentos curtos passados, que não foram narrados nos outros livros. São como contos. É interessante, feito especialmente para fãs. Mas, se você espera uma história como as outras, vai se frustrar bastante. Eu não esperava nada, porque já tinha lido várias sinopses e ouvi Pedro Bandeira contando sobre o processo de desenvolvimento do livro. Então, eu sabia bem o que esperar. Terminei de ler em poucas horas, visto que a linguagem é aquela de sempre, escrita para crianças.

O livro termina com duas surpresas, que obviamente não vou contar. Só vou dizer que uma me surpreendeu e a outra não. Mas as duas me trouxeram lágrimas de nostalgia. Deu vontade de ler tudo de novo; esquecer que tenho 29, e não 9, anos de idade e amar de novo esse grupo, que também é meu e de todos aqueles que cresceram junto com ele. Visitar de novo os meus amigos em suas aventuras contra a máfia, contra os nazistas, contra drogas imbecilizantes. Decifrar os códigos, solucionar mistérios, usar disfarces.

Não me entendam mal; não estou indicando o livro para ninguém ler. É um livro sobre lembranças. Ninguém que não tenha essas lembranças vai dar algum valor a ele. Mas, se você as tem, vale ler o livro. Não vai ser a melhor coisa que você vai ler no ano, mas em duas horinhas você termina. E vai descobrir o que se tornaram nossos amigos de infância, agora adultos.

'Fanzices' à parte, preciso dizer que não gostei das capas dessas novas edições. Sério, vejam que linda essa edição antiga da Droga do Amor.


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Essa é uma resenha para o mês de abril do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro com a capa feia. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

domingo, 12 de abril de 2015

Resenha: O Elevador Ersatz

As desgraças na vida de Violet, Klaus e Sunny Baudelaire começam quando eles perdem os pais em um incêndio e são obrigados a mudar de lar várias vezes por causa de um homem horrível chamado Conde Olaf, que quer tomar a fortuna deles. Neste volume, eles se mudam para o apartamento de cobertura do casal Esmé e Jerome Squalor, um pessoal preocupado demais com as aparências. É claro que o Conde Olaf aparece para estragar o que já não eram as mil maravilhas do mundo.

O Elevador Ersatz é o sexto livro do Desventuras em Série, de Lemony Snicket (pseudônimo de Daniel Handler), cujos treze volumes contam a triste história dos órfãos Baudelaire. Os três primeiros volumes foram adaptados em um filme, com algumas modificações no enredo, mas uma das poucas adaptações de que eu gosto. Inclusive, conta com um elenco impecável, com Meryl Streep, Jude Law, Jim Carrey. O filme manteve bem o tom dos livros: melancólico, meio sarcástico, meio escrito para crianças. O que mata é a atuação exagerada de Jim Carrey, que achei desnecessária.

Há quem diga que não gosta da escrita desses livros porque parece infantil demais. Eu discordo. Acho que Daniel Handler conseguiu um equilíbrio interessante entre uma narrativa escrita para crianças e um vocabulário rebuscado, mesmo que ele sempre acabe explicando as palavras mais complicadas logo depois de usá-las. Mas a escrita é bem peculiar e eu gosto de autores que conseguem fazer uma coisa diferente, que conseguem colocar sua marca naquilo que escreve. Daniel Handler fez mais que isso e, sob o pseudônimo de Lemony Snicket, virou personagem em seus próprios livros, se colocando como narrador-personagem que conheceu pessoalmente os órfãos Baudelaire, testemunhou suas infelicidades e sofreu suas próprias perdas na história.

Segundo eu li, o pseudônimo surgiu como um nome que Handler utilizava numa lista de correio de organizações de extrema direita que ele pesquisava para um de seus livros. Depois, virou uma brincadeira entre os amigos, que começaram a pedir pizza com o nome. Então ele virou narrador das histórias dos Baudelaire (assim como de dois outros livros e também escreveu a introdução de um livro de contos), das quais ele também faz parte, assim como Beatrice, a mulher que ele amava e, aparentemente, não se encontra mais entre nós.

Apesar dessas coisas legais todas, depois de ler seis livros dessa série, confesso que enjoei um pouco do enredo. Porque é quase sempre o mesmo: (spoiler alert)* os órfãos chegam a um novo lar, às vezes bom, às vezes péssimo; então vem o Conde Olaf, com um disfarce doido que convence todo mundo, menos as três crianças, e eles terminam bolando um plano para acabar com o disfarce e prender o vilão, mas ele consegue escapar. Com algumas pequenas mudanças em cada livro. Dá agonia também de como nenhum dos tutores acredita nos órfãos; parece uma coisa meio sem sentido para mim. Como se todos os adultos fizessem pouco caso do que as crianças dizem. Acho que havia outras maneiras de fazer isso ficar aceitável. (/spoiler alert) Mas, de modo geral - pesando os prós e os contras - eu gosto bastante da série.


"... a tabela dos elementos não contém um dos elementos mais poderosos que
formam o nosso mundo, e este é o elemento surpresa."



*Se você nunca leu nenhum livro da série e não gostar de spoilers, melhor não ler o trecho em cinza.

Update: Quis reescrever essa resenha inteira depois de ler este artigo aqui, mas não o fiz porque pretendo ler outro livro da série e corrigir minha injustiça na próxima resenha.


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Essa é uma resenha para o mês de abril do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro com a capa alaranjada. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Distração*

No balcão do bar, ela chorava e ninguém entendia o que se passava. Fora largada ali mesmo por causa do seu mais insistente defeito. Mais incômodo.

Era recorrente: de repente, no meio de uma conversa qualquer, ela simplesmente se distraía com o som de um passarinho, ou de uma melodia ambiente. Era estranha a relação que ela tinha com a música. Nunca aprendera nenhum instrumento. Nunca teve talento para canto. Ela apenas tinha um apreço pela música que era acima do normal. E estaria tudo bem, se não interferisse na sua vida.

O problema era que, às vezes, estava realmente fazendo coisas importantes, quando se distraía com algum acorde. Às vezes, estava ouvindo uma ordem de seu chefe e o celular de alguém começava a tocar. Música. Perdia o resto da explicação. Terminava cometendo um punhado de erros, sem nem perceber. Agora, tinha sido o namorado, que começara uma briga quando, enquanto contava algo de seu dia, percebeu que ela não mais prestava atenção. E foi embora, deixando-a sozinha.

Ela sofria, enquanto considerava. Os namoros nunca duravam. Agora, no bar, uma ou duas doses de whisky depois, ela chorava a recente decepção. Então ouviu o som, o mesmo que a distraíra momentos antes. Não era mais música; naquele seu nível de tristeza, parecia mais que isso. Era lindo. À medida que as notas prosseguiam, sua tristeza ia diminuindo. E ela soube: havia um motivo pelo qual a música a distraía tanto. Nunca encontrara nada tão lindo quanto ela; nem a voz do chefe, nem o ex-namorado. Nem a dor era tão linda. Esqueceu-os.

"We've been together for such a long time now
Music and me"

Imagem: Be Quiet

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*Texto publicado pela primeira vez em fevereiro de 2011

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Resenha: Erêndira

O título completo do livro é "A incrível e triste história da Cândida Erêndira e sua avó desalmada". Peguei esse livro para ler porque adoro Gabriel García Márquez e porque minha amiga Gaby me emprestou. Eu sabia apenas que era um livro de contos. Mas claro que ia ser bom, afinal era Gabriel García Márquez.

São sete contos, cada um com poucas páginas; apenas o último, o que dá nome ao livro, que é maiorzinho, com umas 50 páginas. Eu confesso que não gosto muito de livros de contos e olha... Eu adorei vários livros dele, acho que amo todos que eu li até agora, mas esse aqui é uma das coisas mais lindas que eu já li na vida. Os cenários são aqueles de sempre: algum lugar numa cidadezinha qualquer pobre e quente da América Latina. Alguns tinham praia, alguns eram só deserto; mas todos ilustravam uma realidade dura, miserável, com o seu povo pobre e triste. Alguns contos são perversos, outros engraçados, outros românticos, sarcásticos. Mas o que me fez ficar encantada com o livro é aquela coisa de sempre de Gabriel, só que melhor: o realismo fantástico quando aparece em forma de coisas belas, em meio a toda aquela pobreza e gente triste, sem esperança. É o cheiro de rosas no meio de uma cidade que cheirava mal; as flores que flutuavam no mar; um navio fantasma; um homem com asas; um defunto que era mais bonito que todos os vivos da cidade.

O meu conto preferido foi "O Mar do Tempo Perdido". Eu li e reli umas duas vezes no mesmo dia, uma atrás da outra. Mas todos têm suas peculiaridades, que fazem você sentir um carinho imenso pelo livro, daqueles que dá vontade de abraçar. Acho que só tinha sentido algo assim pelo Oceano no fim do caminho, de Gaiman. É um estilo bem diferente, não me entendam mal; mas os dois têm aquela parte de fantasia, a parte bonita que faz você sentir carinho pelo livro. Aquela parte que corta a realidade fria e transforma tudo em algo agradável de imaginar. E as palavras de Gabriel encantam demais; você fica querendo ler a mesma frase várias vezes, para não perder nada. É lindo demais. Só lendo para saber.

"No fundo do mar, há um povoado de casinhas brancas com milhões de flores nos terraços."

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Essa é uma resenha para o mês de abril do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro emprestado. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

sábado, 14 de março de 2015

Resenha: After - Depois da Verdade

Achei que não iria completar a tag "Lançado no mês" do Desafio, porque não sou muito atenta a lançamentos. Acontece que encontrei um aplicativo no celular chamado Wattpad e, nele, uma fanfiction chamada After. A fanfic virou uma série de livros e o segundo volume foi lançado este mês. E eu acabei de ler os dois primeiros volumes.

After começou como uma fanfic da boyband One Direction, da qual eu conhecia bem pouco, para não dizer nada. Agora, sei quem são os componentes e sei que eles saíram do reality show The X Factor. Para publicar o livro, a autora mudou os nomes do pessoal da banda. Pessoalmente, acho que deveria também ter diminuído a quantidade de confusões, mas OK.

A história é sobre um tumultuado romance entre Tessa e Hardin (personagem inspirado em Harry Styles). Bem, talvez tumultuado seja o eufemismo do século. De modo geral, achei o livro muito semelhante a 50 tons de cinza e à série Crepúsculo, talvez porque seja uma espécie de fanfic desses dois também. Ou seja, é um romance, é fácil de ler, flui com facilidade, prende a atenção, mas não é nem de longe bom. Não tem um enredo, apenas um conjunto de coisas acontecendo a toda hora, sem descanso, e os personagens são extremistas em tudo que fazem. E não é lá essas coisas na escrita também; não que eu pudesse exigir muito, ou mesmo que tivesse a impressão de que seria algo grande. Foi apenas uma ótima distração nos meus momentos de folga do trabalho, mesmo que muitas vezes me deixasse com muita raiva.

Um dia desses, eu li um artigo em que uma autora criticava a relação abusiva narrada no livro "50 tons de cinza" e eu achei exagero. Primeiro porque, na ficção, pode-se narrar até estupros e assassinatos e não é por isso que todo mundo vai sair reproduzindo na vida real. E, até mesmo pelo público-alvo, mulheres adultas, não achei que influenciaria muita gente a sonhar com um homem controlador, machista e doente. Hoje, eu critico a relação de After. Ao contrário de 50 tons, After foi escrito para fãs de One Direction, ou seja: adolescentes. Mais especificamente: mulheres adolescentes. Fora que a relação deles é mil vezes mais abusiva - eu diria até assustadora - que a de 50 tons. Enquanto lia no Wattpad, vi vários comentários de meninas sonhando com o bad boy Hardin e xingando a Tessa, quando ela achava ruim as situações absurdas pelas quais passava e queria deixá-lo. Eu me vi torcendo para que ela fosse embora para sempre e procurasse algo saudável para a vida dela, mesmo sabendo que não ia acontecer. Não sou a favor de se tirar lições de obras de ficção - até mesmo porque quem mais lê livros junks sou eu -, mas como posso aguentar ver meninas que nunca tiveram uma relação de verdade na vida defendendo absurdos como esses? Posso vê-las, no futuro, aguentando um monte de merda dos companheiros e achando lindo, esperando fazer o outro mudar por elas, porque o amor vence tudo. Como já dizia House: "people don't change".

Tive raiva dessas coisas, mas não abandonei a leitura, porque as partes de romance são bem bonitinhas e fazem você querer saber como vai acabar. Mas sempre tinha algo mais que Hardin fazia e muitas das coisas me deram náuseas. Muitas vezes, esperei que ele fosse preso, morresse ou algo assim. Muitas vezes, joguei o meu kobo longe. Não, gente, não é normal. Gostaria muito de dizer isso para as meninas que estavam achando tudo lindo. A vida já é complicada o suficiente para ainda ter que lidar com merdas desse tipo. A gente precisa de pessoas boas e relações saudáveis à nossa volta, para aguentar tudo. Não de pessoas destrutivas que vivem exaurindo a nossa energia.

Acredito que a autora quis fazer um paralelo com Wuthering Heights e o romance doentio de Cathy e Heathcliff. Para mim, o final é perfeito; mas duvido que aconteça algo assim no final da série After. Uma pena. Ou não. Vamos aguardar o terceiro volume.

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Essa é uma resenha para o mês de março do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro lançado no mês. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Resenha: Pornô

Desde que comprei meu e-reader, vi muita utilidade nele. Entre elas: não carregar livros pesados para todo lado; não comprar muitos livros físicos e, finalmente: não ter que ficar respondendo a mil perguntas sobre tal livro de título ou capa estranha. No caso de Pornô, de Irvine Welsh, eu tive que respirar fundo toda vez que alguém lançava um olhar mais agudo para o título ou a capa: "Não, não é um livro erótico". Desejei várias vezes ter comprado a versão em e-book, para não ter que carregar peso, nem responder a essas perguntas.

A história é a continuação de Trainspotting, um livro que fala basicamente da vida de alguns jovens escoceses viciados em heroína. Inclusive, Trainspotting virou um filme muito interessante com Ewan McGregor e um elenco competente. Costumo brincar dizendo que juntaram Obi-Wan jovem, Sherlock Holmes (de Elementary), Rumpelstiltskin (de Once Upon a Time) e Poseidon (de Percy Jackson)* para fazer o filme.

Nesta continuação, da qual também estão gravando um filme, as drogas são meio deixadas de lado e o assunto do momento é a produção de filmes pornográficos. Dez anos se passaram e os personagens agora estão diversificando seus interesses. Não mais jovens inconsequentes, agora eles precisam pagar contas e pensão de filhos. Além dos protagonistas que já conhecemos - Sick Boy, Renton, Spud e Frank -, somos apresentados a Nikki, uma universitária britânica, que está estudando cinema na Escócia e trabalha numa casa de massagem para conseguir pagar suas contas. Termina que eles são envolvidos na produção de um filme pornográfico, produzido por Sick Boy.

Assim como em Trainspotting, ninguém avisa quem está narrando a história, mas a gente termina descobrindo pela narrativa. Para mim, essa é a mágica da série: a habilidade de Irvine Welsh de escrever várias narrativas diferentes, de maneira que faça o leitor perceber quem está narrando. E o final, claro, o final. Tem sempre alguma coisa incrível no final dos livros dele. Mal posso esperar para ler o terceiro, Skagboys, que se passa antes de Trainspotting

Pornô é um livro genial, recomendo a qualquer um que goste do estilo. Inclusive, ele poderia figurar em várias categorias do Desafio, mas acabou que coloquei na categoria "com mais de 300 páginas", porque não sei se vou conseguir ler muitos livros longos este ano.

* Eu não assisto Grey's Anatomy, mas, antes que os fãs da série me xinguem, vou adicionar a nota: Poseidon também pode ser o médico Owen Hunt.


Essa é uma resenha para o mês de fevereiro do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro com mais de 300 páginas. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Coisas que eu fiz nesse carnaval

- Fui direto de Olinda pro Recife Antigo.
- Dancei frevo até ter cãibra.
- Comi salsichão de almoço.
- Tirei selfie com dois Spider Men e um Superman
- Passei mal de calor.
- Abri uma roda de ciranda gigante no meio da Praça do Arsenal.
- Abri uma roda menor dentro dessa roda gigante com duas menininhas, para elas não serem pisoteadas.
- Fiz xixi só duas vezes em um dia só, mesmo bebendo cerveja o dia todo. Desidratei ou não?
- Construí um dispositivo para fazer xixi em pé.
- Caí de uma escada.
- Arrumei vários hematomas e só me lembro desse da escada.
- Dancei um ritmo de música que até hoje não sei o que é.
- Tomei Heineken em Olinda.
- Tomei duduroskas de tangerina, maçã verde e limão.
- Dancei brega.
- Tomei picolé/paleta mexicana de kiwi.
- Quase bati num idiota que quis me beijar à força.
- Encontrei na ladeira um amigo de Fortaleza que eu nem sabia que estava aqui.
- Fiquei bêbada.
- Escorreguei numa ladeira, mas não caí.
- Conheci gente muito massa.
- Comi escondidinho de charque.
- Dancei com uma amiga que estava de muleta.
- Fiquei presa na multidão do Marco Zero.
- Quase tive que entrar no meio de uma briga, para segurar um amigo.
- Segurei vela.
- Seguraram vela.
- Fui pro carnaval com um grupo e voltei com outro.
- Me perdi do grupo.
- Tomei milk shake.
- Tive dores em músculos da perna que nem sabia que eram capazes de doer.
- Comi churrasco.
- Comi vinagrete agridoce.
- Vi um arco-íris.
- Falei besteira.
- Tomei chuva.
- Gargalhei.
- Cortei o pé.
- Não me lembro de como voltei pra casa.
- Estive com as melhores pessoas do mundo. As minhas pessoas. E é disso que o carnaval é feito. Das melhores pessoas. Não importa o lugar, o calor, a chuva, a multidão, os idiotas. Só as pessoas.

"A gente ri, a gente chora e joga fora o que passou"

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Um pouco de confiança

Aí você faz um comentário e é criticada. OK, estamos em uma sociedade, temos regras, temos o politicamente correto, estamos susceptíveis a críticas. Mas é um saco quando isso ocorre entre os seus. Penso que, entre os seus, você pode ser quem você quiser. Falar mal de alguém, ser chata de manhã quando acorda, reclamar dos pais e reclamar da vida, que talvez nem seja tão ruim assim. Mas você está entre os seus, você sabe que vão entender seus motivos, suas reclamações, sua situação. Mas quando não é bem assim, a crítica vem e é pior que qualquer outra. Porque você se importa.

Todo mundo tem problemas e a gente sempre tenta fazer o melhor. Mas nem sempre a gente consegue; nem sempre a gente pode lidar com todas as situações da melhor maneira. Nem sempre a gente precisa. Tem hora que a vontade é de chutar o primeiro balde que aparecer e mandar tudo pra merda. É aceitável até. Ninguém precisa suportar tudo sendo uma lady. Ninguém é santo. E, mesmo que você queira fazer o certo, nem sempre você sabe com o que ele se parece.

O que eu sempre espero é um pouco de confiança. Ninguém precisa agir como você gostaria, você só espera que sim. Acontece que as pessoas têm outras vivências, outros valores, outros objetivos. Elas não lhe prometeram nada, você que teceu expectativas demais. Você tem que esperar apenas que elas façam o melhor que podem, que deem o melhor delas. E você precisa confiar, não julgar. Nem mostrar como faz. Nem interferir, achando que só você sabe o que é bom. Confiar.

Confiança está em falta. Mesmo entre os seus.

Imagem: Flickr - Creative Commons

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Relato de um assassino*

É preciso ter sangue frio. Ser calculista e, acima de tudo, não se deixar abalar por sentimentalismos inúteis. As emoções não devem existir; pena, compaixão, arrependimento. A única coisa que se permite sentir pela vítima é desprezo. Talvez um prazer insano durante o ato, típico daqueles que estão acostumados a tirar vidas.

É o que sinto agora, enquanto corto cada parte de seu corpo, separando os pedaços, retalhando. É mais interessante quando é violento, sangrento. Você agoniza, mas não morre. Ainda. A lâmina afiada torna a investir contra o seu corpo, repetidamente, com força, com insistência. Minha expressão continua impassível, mesmo quando cravo os dentes na pele, estraçalhando a carne. O sangue continua a jorrar e se espalha pelo chão, manchando tudo em volta com um curioso tom de vermelho-berrante.

Um sorriso amargo surge em meu rosto. Sei que está morrendo. Quero que esteja; preciso que esteja. Apesar disso, sinto ainda o pulsar da vida dentro do corpo frágil. Cerro os dentes. Não sei mais o que fazer.

Matar você dentro de mim tem sido uma tortura. Dói mais em mim que em você.

"I've learned to live half alive"

*Texto publicado pela primeira vez em 2008 

sábado, 24 de janeiro de 2015

Coisas para fazer em 2015

Desde que escrevi a retrospectiva de 2014 que eu venho pensando nas coisas que pretendo fazer em 2015. Como o final de 2014 foi uma época de muitas mudanças, penso que 2015 será mais um ano de "estabilização" dessas mudanças, não de mais mudanças, como todo mundo vem falando. É um paralelo que eu faço com meus tratamentos ortodônticos (sou ortodontista na "vida real"): de fazer uma movimentação em um mês e no outro apenas estabilizar, para as raízes dos dentes acostumarem com a agressão e não sofrerem muito, falando de maneira bem grosseira. Tem dado certo. Mas isso é só uma impressão; não é como se a gente pudesse viver planejando a vida como planeja um tratamento ortodôntico.

Das coisas que pretendo fazer em 2015, grande parte delas é "manter", mas também existem algumas mudanças:

1. Fazer um Desafio Literário
Que já comecei, o Desafio Literário do Tigre de 2015. O desafio mesmo é cumprir ele todo.

2. Colocar aparelho de novo
Sabe como é, dentista é perfeccionista demais e, além disso, eu estou planejando colocar o aparelho de safira desde que soube que existia, antes mesmo de terminar a especialização. Não devo passar muito tempo de aparelho de novo, porém. Acho que menos de um ano.

3. Estudar
Quando você começa a trabalhar, às vezes esquece que tem que viver se atualizando. Fora que já soube de uns dois concursos para dentista que vão sair este ano e tenho que revisar um monte de assunto.

4. Modificar o layout do blog
Nem que seja só ajustar tamanhos. Mas queria também mudar a imagem do banner, que já está aí há muito tempo. Cansei.

5. Tirar sempre pelo menos uma foto por evento
Antigamente, eu vivia fotografando tudo na vida. Desde que me formei, parei de fotografar, porque não tinha muito o que fazer com as fotos. Mas termina que você sente falta de ter alguns registros. Então, me comprometi a fotografar pelo menos sempre que encontrar amigos ou fizer alguma coisa diferente. Talvez faça um álbum no final do ano.

6. Fazer festa de 30 anos
Pois é, já vou fazer 30 e essa data não pode passar em branco. Não que eu esteja feliz; capaz de entrar na conhecida crise dos 30. Aguardemos.

7. Continuar fazendo ballet
Uma das alegrias da minha vida; tive que parar por um tempo, no final do ano passado. Mas este ano, não pretendo parar, nem faltar. E, se conseguir, quero voltar a dançar em espetáculos, coisa que não faço desde 2012.

8. Começar a escrever um livro
É uma resolução que vivo fazendo e descumprindo. Mas nunca se perdem as esperanças, quando começa mais um ano. Na verdade, já formulei mais ou menos a ideia do que pretendo escrever. Vamos ver no que pode dar.

9. Investir
Estive lendo alguns livros sobre investimento e me animei.

10. Manter a frequência de postagens no blog
Termina que, quando eu começo uma coisa, eu largo todo o resto. Quando estou no "mode" de leitura, eu esqueço de escrever; quando estou no espírito de estudos e trabalho, eu esqueço de ler. Já fiz tantas resoluções de escrever e ler que tenho que evitar ao máximo esquecer o blog.

11. Não deixar de encontrar os amigos 
Como falei na minha retrospectiva, o melhor de 2014 foram os grandes amigos que hoje eu tenho. Independente do que aconteça, independente do que o ano me reserve, gostaria de nunca perder nenhum deles, de não deixar de encontrar sempre, de não os esquecer em um canto qualquer. Aprendi que são as melhores coisas que a gente pode levar da vida: as pessoas que a gente tem.

12. Falar menos
Meu pai sempre disse: fale menos, ouça mais.

13. Trabalhar mais
A resolução não é exatamente "trabalhar mais", é continuar animada com o trabalho. Sempre surgem aqueles dias em que você não aguenta mais o trabalho e o desafio é conseguir se manter no mesmo ritmo do início do ano. Quando acaba o ânimo, acaba a vontade de ir atrás, de insistir. Várias vezes quase desisti de tudo e fui procurar outra coisa. Mas existem maneiras de voltar a construir e conseguir mais ânimo. É o que tenho feito. É o que tenho que continuar fazendo.

14. Perdoar
Os outros, a mim mesma, tudo. Eu sempre tento fazer o que acho certo. O fato é que nem sempre dá certo, nem sempre depende só da gente, nem sempre a gente percebe que está fazendo errado. E é a coisa mais frustrante, passo dias me odiando por não conseguir. A maior dificuldade é conseguir me perdoar, aceitar o que eu sou, o que eu fiz. Corrigir meus erros, aprender com eles, erguer a cabeça e, por fim, me perdoar.

15. Não levar essa lista muito a sério
O mal de quem pensa demais é fantasiar demais. Vejo o meu futuro muito incerto ainda (OK, o futuro de todo mundo é incerto, mas falo de modo geral) e gostaria de não ficar sempre ansiosa por isso. A resolução é de levar a vida mais levemente, sem muitas exigências quanto ao futuro. E, complementando os itens anteriores, gostaria de não exigir demais de mim, este ano. A gente está sempre prometendo coisas e eu percebi que não cumprir essas coisas não é um grande erro. Apenas acontece. Eu realmente gostaria de cumprir todas as resoluções, mas preciso saber que não preciso fazer tudo. Ninguém precisa se exigir demais. Apenas tentar ser uma boa pessoa e fazer tudo dar certo já é um bom começo.

Essa postagem faz parte do Meme "15 coisas para fazer em 2015" do Rotaroots, um grupo de blogueiros que pretende resgatar os bons tempos do mundo dos blogs. Faça parte do grupo do Facebook e se inscreva no Rotation.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Frio

Nas crenças mais comuns, o inferno é definido como um lugar abafado, com altas fogueiras e insuportavelmente quente;  fogo, lava e essas coisas todas que queimam. O inferno, como o lugar para onde as pessoas ruins vão quando morrem, lugar de punição, tristeza e dor. Quando o dia está muito quente, as pessoas o comparam ao inferno. Em cidades quentes, o calor é quase odiado; as pessoas não conhecem o frio insuportável. E apenas o calor é dos infernos.

Eu, mesmo morando a vida toda numa cidade quente, penso que o inferno deve ser um lugar escuro e frio. Um frio congelante, que imobiliza os ossos e nos impede de pensar em qualquer coisa que não seja na dor. Porque a dor é fria, a solidão é escura. Se você já sentiu dor e tristeza profundas na vida, deve ter percebido que não se experimenta nenhuma forma de calor, de nenhuma maneira. Não receber uma resposta esperada, atenção de alguém esperado, é chamado "gelo". Uma pessoa sem emoções boas é fria. A fome extrema provoca o frio. A tristeza é fria. Independente do clima lá fora, dentro é frio, cruelmente frio, profundamente frio. Você treme, se cobre, toma banho escaldante, se abraça com a bolsa de água quente e o frio continua lá, inalterado. Profundo. Isso é o inferno. O frio que não vai embora, que faz doer. A dor que traz mais frio.

Dias claros, ensolarados, calorentos também não são os meus preferidos, pelo contrário. Ir à praia não é uma grande coisa; tomar sol não é uma das minhas prioridades na vida. Prefiro sempre dias chuvosos e aconchegantes, em que se fique deitado lendo e vendo filmes. Calor irrita, traz mosquitos, faz suar e querer distância das pessoas. Mas calor não é triste.

Frio é triste. A dor é escura e congelante. O sofrimento machuca como uma pedra de gelo em contato com a pele. A morte é fria. Uma pessoa quente ainda tem vida. Culturalmente, o inferno vai continuar sendo um lugar quente, abafado, claro, fogueiras e piscinas de lava. Mas meu inferno particular sempre será frio. O frio que oprime e não vai embora. O frio dos infernos.

"You better hide for her freezing hell"