sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Déjà vu

Num dia de domingo, eu estava em casa, obviamente vadiando, quando meu irmão ligou. Ele estava na locadora, procurando um DVD pra levar pra casa:

— Olha, eu tô levando o filme "Déjà vu".

— Eu já vi.

— Afe, porre.

E desligou. Eu logo pensei que ele ficou impaciente porque, sempre que ele vai alugar filme, é um processo para achar um que eu ainda não vi. Pouco tempo depois, ele chega em casa com o bendito filme e eu nem me dei ao trabalho de largar meu livro e ir pra sala. Então ele veio ao meu quarto, estranhando:

— Que foi, não vai ver o filme?

— Eu já vi, rapaz! Já não falei?

Foi quando ele começou a rir:

— Eu pensei que você tava me corrigindo, dizendo "não é deja vuuu, é deja viiii".

Olha, eu devo ser uma pessoa muito chata mesmo. Até minha mãe concordou que é o tipo de comentário que eu faria. Injustiça.


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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Acorda!

Não durmas. Não agora. Há coisas tão importantes a serem ouvidas. Há coisas que precisas entender, que precisas saber. Há assuntos muito urgentes em questão; não podes vacilar dessa maneira. Como poderás seguir em frente depois de teres perdido tudo o que se passou? Tens consciência de que serás uma pessoa medíocre, limitada? Não percas essa chance, pois não haverá outra.

Vejo tudo passar na tua frente como uma vida não vivida, como oportunidades perdidas. Vejo-te perdendo a chance de ser um profissional exemplar, o máximo que poderias esperar para ti mesmo. E… Nada. Tu continuas do mesmo jeito, meio caído, esparramado nessa cadeira, sem prestar o mínimo de atenção ao que passa à tua frente.

Não durmas. Só mais essa aula e eu prometo que irás para casa.


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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Uma última canção


Como um pássaro preso na gaiola, um coração encolheu-se em seu ninho e esqueceu-se de viver. Aprisionado num sentimento único, que lhe cortou as asas e calou-lhe a voz. Impossibilitado de fugir, ele aprendeu a ser digno apenas de seu frio cárcere e acomodou-se em seu canto; incapaz de cantar.

Quem o visse antes, não o reconheceria então. Era livre, era alegre. Tinha a vida de uma andorinha, que acorda a cantar e dorme satisfeita com o belo dia em que viveu. Tinha o sorriso iluminado, como o sol que o despertava ou a lua que lhe acalentava o sono. Dormia como uma criança protegida. Sonhava como uma mulher apaixonada. E assim acordava novamente, para viver mais um lindo dia. Mas não para sempre, pois nada dura para sempre.

Ele não morreu. Antes preferisse morrer, porém não tivera essa sorte. Foi num certo dia alegre, como qualquer outro, em que ele acordou feliz e dormiu ainda mais feliz. Porém aquela felicidade lhe era estranha; quem sabe não lhe pertencesse. E tiraram-lhe a tal felicidade. Descobriu, depois, que uma felicidade tirada não levava apenas aquela parte excedente; roubava-lhe a vida. Não pôde mais cantar. Não conseguiu mais emitir uma nota que não destoasse ou semitonasse. Daquele dia em diante, até a brisa do mar desafinava. E sem música, ele se viu inutilizado, apenas sobrevivendo, numa vida que não era mais a sua.

E, enfim, flutuando sobre águas cristalinas, sinto lágrimas caírem. Como um riacho correndo para o mar, as gotas perturbam a água, fazendo pequenas ondas e ruídos que acabam por me acalmar. Meus lábios ressecados sentem um gosto salgado; não sei se das lágrimas ou do mar. Sinto-o sossegar um pouco. Estranho; parece que o sinto mais leve. Fecho os olhos, respiro o ar salgado. E sinto meus dedos acariciarem as cordas douradas uma por uma, fazendo-as vibrarem, num som transparente e claro, como jamais antes ouvido por mim. E, inspirada pelo novo som da vida, eu abro os olhos para o mundo. E canto uma canção. A última dessa tristeza que teve fim.


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domingo, 14 de setembro de 2008

Nosso último verão

Hoje me vieram à memória os verões da minha infância. Lembranças de dias sob o sol, dentro do mar, entre castelos de areia. Pisando na lama, catando peixinhos, montando a vara de pescar de bambu. Muitos amigos e a trilha de bicicleta no meio do mato. À tarde, gostávamos de ir à sorveteria; as noites eram recheadas de brincadeiras e histórias de terror.

As lembranças apareceram como se as tivesse vivido ontem. Hoje, nossos verões são passados na cidade, cada um para o seu lado. Nossa amizade ainda vive, mas o contato é mínimo e raro. Apenas o último verão ainda permanece, como promessa de nos reunirmos mais uma vez, como adultos, na nossa praia, em um novo verão.

E eu prometo: ainda voltarei lá.


"Our last summer, memories that remain"

(Our last summer - ABBA)


* Para quem gosta de ABBA, não perca o filme Mamma Mia, em cartaz no cinema.


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sábado, 6 de setembro de 2008

Veredicto


Então, ele me disse "adeus".
A idéia foi minha, mas a culpa foi toda dele.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Vitrine

Ali, atravessando aquela vidraça, está tudo o que eu desejo. Um vestido azul-claro esvoaçante, ainda que fora de moda; sapatos cujos saltos me doem os pés, mesmo sem estarem calçados. Uma bolsa de tecido florido. Um cenário verde. Ampla iluminação.

O olhar jovem da manequim parecia zombar de mim, como se repetisse a ladainha: "eu tenho e você não tem". O sorriso era cruel e muito satisfeito, como se soubesse que estava sendo observada. E invejada. Amargamente invejada, por uma pessoa cuja juventude estava a quilômetros de distância. Eu sabia que não eram muitos os anos de diferença, mas pareciam uma eternidade. E foi nessa eternidade que a minha vida mudou radicalmente. E definitivamente.

Atravessando aquela vidraça, estava tudo o que eu mais desejava. E não mais teria. Não foi por distração que minha mão esbarrou no porta-retratos e ele espatifou-se, espalhando cacos de vidro pelo chão do meu quarto.



Os cacos nunca machucaram mais do que aquela lembrança.


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