quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Vigília [+QP]

Era só um trabalho. Desde que fui promovido, há três anos, saí do ofício de fiscal dos portões principais para me tornar responsável por algumas vidas. Não, não era tão emocionante quanto parecia. Basicamente, meu trabalho consistia na difícil tarefa de passar o dia sentado na frente de uma tela minúscula e só sair para evitar que pessoas fizessem tolices que custassem suas vidas. E elas costumavam fazer muita tolice. Depois de um tempo me aborrecendo com tanta estupidez, acabei entendendo um pouco como funcionava a cabeça dessas pessoas, suas intenções e seus propósitos. Acabei aprendendo sobre uma sensação estranha, que eles chamavam de amor.

Aconteceu naquele dia, quando uma garota, uma das minhas protegidas, foi abandonada num bar pelo cara que estava com ela. Namorado? Marido? Nunca sei a diferença. Curiosamente, em vez de ir embora, ela ficou lá ingerindo álcool. Isso me chamou a atenção porque ela era daquelas certinhas, que não me davam muito trabalho. Eu gostava dela por isso. E porque tinha um rosto delicado e modos sutis; era agradável de se observar. Naquele dia, vi-a entornar o oitavo copo de vodka pura, aquele veneno que eu estava certo de julgar ser produzido nas destilarias mais profundas do inferno. Não sabia por que ela estava fazendo aquilo. O cara era um babaca, ela devia estar aliviada.

Mais algumas doses como aquela e ela acabaria entrando em coma alcoólico. E eu que achava que o dia seria tranquilo. Ergui-me do sofá, chutando do chão algumas latas de cerveja, outro veneno que descobri depois que assumi essa função. Em minha defesa, meu corpo não era tão frágil quanto o deles e o trabalho aqui podia ser bem entediante.

Desci as escadas lentamente, estranhando sentir as palmas das minhas mãos suarem e a respiração faltar. Podia ser culpa do ar rarefeito, ali em cima. Mas vivi tantos anos ali, não era possível que estivesse sofrendo problemas de altitude agora, ou era? Ou seria porque ia vê-la? Aquele pensamento vindo do nada me confundiu. Que inferno, era só uma garota. E bastante mortal, naquele momento de ausência de senso de autopreservação.


Avistei o bar e entrei, batendo a porta atrás de mim e procurando-a no ambiente esfumaçado. Acabei localizando-a perto do balcão e estaquei, apreensivo. Era ainda mais linda pessoalmente; os cabelos suaves cobrindo parte de seu rosto. E havia algo na sua expressão dolorida que provocou um aperto em algum canto dentro do meu peito. Já estava sentindo tanta coisa bizarra que resolvi ignorar tudo.

Recuperei meus passos e fui até ela, sentando-me num banco ao seu lado, sem nada dizer. Minhas palavras haviam sumido. Seus olhos turvos e vermelhos ergueram-se da bebida e dirigiram-se para mim, olharam-me como se estivesse reconhecendo ou lembrando-se de algo. Então, a despeito das lágrimas, ela sorriu. E, naquele instante, eu só tive uma certeza: nem nos melhores dias, lá em cima, eu tinha visto algo tão lindo.

"You're the closest to heaven that I'll ever be"


Imagem: Flickr - Creative Commons


Essa postagem faz parte do Projeto Mais que Palavras.
Veja também: Caligrafando-te | Alesca Larissa

domingo, 24 de janeiro de 2016

Acordando acordes

Sempre que ouvia os primeiros acordes do violão, ela corria para a varanda. Morava ao lado, a uma parede de distância; não podia vê-lo. Mesmo assim, sentava-se no chão frio e acompanhava o dedilhar das notas, quase visualizando a figura sentada numa cadeira, braços em volta do violão, olhos fechados, o som produzido desenhando uma paz evidente em sua expressão.

Podia imaginar os dedos longos tocando cada corda com firmeza, sentindo a tensão de cada uma, como se fizessem amor. Parecia conhecer cada acorde, cada som, como se o violão fosse parte dele. Tocava cada compasso como se os dedicasse a alguém. E ela gostava de sonhar que era pra ela. Que cada declaração feita pela melodia era pra ela.

Declarações, mas nem sempre havia letra. Era como um exercício, que ele repetia vez após outra. Estava claro que queria memorizar a sequência, mas parecia que tinha intenção de fazer o ar da noite decorar também. Ela não era o ar da noite, mas sabia tudo de cor. E continuava ali, invisível. Só queria que ele soubesse...

E ele, abraçado ao seu violão, alheio ao fato de que povoava os pensamentos de alguém sentado muito próximo, cantava um sentimento que não conhecia. Não sonhava com esse amor eterno de que falava a canção, só queria encontrar alguém que entendesse sua música. 

"Se, algum dia, eu vier ao clarão do luar
Cantando, e aos acordes de uma canção te acordar..."

Texto publicado em junho de 2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Projeto 121

Começo de ano. E aí você entra em um monte de projetos, promete mil coisas, faz metas de leitura, resoluções sobre perder peso e comer direito, entrar na academia, escrever um livro, plantar uma árvore e por aí vai. Como este ano eu estou bem mais contida que nos anteriores, com metas pessoais bem definidas e concentradas, aqui no blog só comecei um Desafio Literário e agora um projeto de posts. Fora minhas metas pessoais. Porque a gente ainda precisa viver e, afinal, existe vida fora da internet.


O Projeto 121 foi criado pelo grupo Blogs Up, um grupo de blogueiros escritores, e tem como objetivo produzir mais conteúdo para nossos blogs. Como eu já disse, é um projeto de postagens no blog. E é bem grande, com 121 temas. Ou seja, 121 postagens. Mas com o pequeno detalhe, aliviador de responsabilidade, de que não tem prazo para ser concluído. Então, não é um projeto para apenas este ano; eu posso terminar em um ano, ou dois, ou dez. Legal, né? Tudo fica mais fácil quando feito na tranquilidade. Algumas pessoas funcionam melhor sob pressão, mas, pessoalmente, não sei fazer nada com alguém fuçando no meu pescoço.

A lista do Projeto é bem longa, óbvio, e eu pensei várias vezes se postava na íntegra aqui e decidi que não. A lista terá uma página especial só para ela, senão este post vai ficar desnecessariamente longo, e ela servirá apenas como uma espécie de checklist sobre os itens que eu vou cumprindo.

Sobre projetos pessoais fora da internet, talvez eu faça um post sobre eles mais tarde.

E aí, vocês têm algum projeto?

sábado, 16 de janeiro de 2016

Mentiras

Era mentira, eu bem sabia. Quanto mais ele falava, mais eu tinha certeza. Começou com uma história frouxa sobre problemas no carro, depois seguiu com uma lembrança vaga de ter se esquecido de abastecer. Arrematou com a desculpa da chuva. Sempre a chuva. Coitada da chuva.

Eu olhava aqueles olhos, que não mais sequer desviavam dos meus ao inventar acontecimentos, e cogitava há quanto tempo vinham tentando me enganar. Nunca conseguiram. Conhecia-os desde sempre; reconhecia-os no menino travesso da minha infância, que mentia pra mãe, pro pai, pra avó, pra professora. Naquela época, já ensaiava as histórias que diria, encontrava provas para incrementar, testemunhas para comprovar. Naquele tempo, eu era cúmplice das histórias, ria com elas, ajudava a criar. Éramos amigos. Acabei gostando dele assim. Desse jeito, mentiroso, impossível. Não sabia que passaria de companheira de aventuras à pessoa feita de idiota.

E eu fui idiota, desde o começo. Jamais o imaginei diferente, apenas não pensei nas consequências. Quanto à mentira, não foi a primeira e não seria a última. E sempre que, ao fim de tudo, ele dizia "te amo", eu pensava "não ama". Mas sorria. Quem o podia culpar? 
 
"He can only be if you believe what he tells you"
Imagem: stock.xchng

Postado pela primeira vez em junho de 2010

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Cedo demais

Ele era um cara legal. Ela sabia bem disso. Era educado, inteligente, sensível e tudo o que uma garota poderia querer. Mas era cedo, muito cedo para se envolver com alguém ainda, apesar de sua melhor amiga viver dizendo que não era assim tão cedo. OK, já fazia quase um ano. Um longo ano, de sofrimento eterno, dor e frio. Mas o que era um ano, o que era uma década, ou mesmo um século, para curar a decepção de uma vida?

Ele ligara mais cedo e a chamara para sair. Ela tentara recusar, mas simplesmente não tinha mais desculpas. Não era como se não estivesse interessada; sabia que se interessaria bastante, em condições normais. Mas, naquele momento, não tinha vontade de sair com ninguém, não conseguia se animar com nada mais. Não tinha forças para perseguir nenhum sonho, nenhum ideal. Faltava ânimo para sair daquele buraco em que se tinha enterrado.

Mas, então, fizera um esforço e saíra com ele. Era o que todo mundo exigia: um esforço da parte dela, uma tentativa de melhorar. E ela foi lá e fez: jantaram, conversaram, riram e ele a deixara em casa, no final da noite. Ele era mesmo um cara legal. O esforço, porém, esvaíra o resto das suas energias e ela voltara para casa esgotada. Lágrimas silenciosas começaram a deslizar por seu rosto no exato momento em que, depois de dizer adeus, fechara a porta do carro dele. Não era a hora, ela dissera. Talvez nunca seria.

Ele poderia ser o amor da sua vida. Poderia ser o companheiro ideal, o escolhido, o certo; mas era cedo demais. Ela não sabia quanto tempo levaria. E ele não esperaria para sempre.

"I'll be there as soon as I can
But I'm busy mending broken pieces
of the life I had before"

Imagem: Flickr - Creative Commons

sábado, 9 de janeiro de 2016

It was LEGEN... wait for it...



Então, eu terminei de assistir How I Met Your Mother. Sim, eu só terminei agora. Sim, eu sei que faz uns dois anos que a 9a temporada foi ao ar. Sim, eu sou uma grande fã. O que não quer dizer que eu precise ver tudo de uma vez, no meio da confusão do hype, tendo que baixar episódios toda semana, vendo um por um e tomando cuidado com spoilers. Fora que eu não ligo para spoilers, a menos que seja um livro/filme de suspense policial, em que a graça seja justa e somente saber quem é o assassino. Agora que eu fui ver, eu já sabia todos os spoilers, já tinha me acostumado com um monte de coisa com a qual eu não concordava e, no final das contas, foi bom. Vi que muita gente se decepcionou, ficou chateada com o desfecho, e eu não fui uma delas.


Depois que você pensa um pouco no final, depois de largar todos os preconceitos, você até entende que faz bastante sentido. Acho que foi meio isso que eu estava fazendo esse tempo todo: me acostumando com o final, antes de assistir. Isso não impediu que eu chorasse feito criança a temporada inteira, mesmo enquanto ria. Assim como todo mundo, eu adorei Tracy e achei que fez bastante sentido ela não ter aparecido até a 9a, embora você fique querendo ter visto mais episódios com ela. Você também não imaginava que a temporada inteira se passaria basicamente em uma semana. Que semana foi aquela, gente? Como eles mesmos disseram, "it's been a long week". De fato, ainda bem que aqui só se passaram dois dias. Uma temporada em dois dias.

Eu não estou querendo dar spoilers, embora ache que todo mundo, menos eu, já tinha visto. Então, vou dizer apenas três coisas: primeiro, me sinto oficialmente órfã. Desde 2010 que eu acompanho a série. Como eu vivo dizendo aos meus amigos, 2010 foi um bom ano e HIMYM foi quase um marco. Era como se fôssemos nós ali, no McLaren's, naquela mesma mesa, fazendo as mesmas piadas, os mesmos brindes, os mesmo high fives, as mesmas besteiras. O tempo passou, mas o carinho permaneceu, assim como a identificação.
 

Segundo: sério, eu nunca vi uma série tão bem amarrada e, no final das contas, são NOVE temporadas com tudo amarradinho. Eles pegavam referências de temporadas anteriores, detalhes que ninguém lembrava. Imagino o quanto não deve ser difícil fazer isso. Não apenas uma série de comédia qualquer, era como se as histórias fossem realmente parte de uma só, tinha ganchos em todo lugar. Numa namorada antiga, num presente de aniversário, numa fantasia de halloween. A gente só nunca vai saber de onde veio aquele abacaxi.
 

Terceiro: totally worth it cada segundo de espera. E, enfim, agora eu não preciso mais wait for it.


terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A Emparedada da Rua Nova

Este é um dos livros que estava na minha meta do ano passado e eu acabei terminando este ano. Como eu já disse, acabei não lendo metade do que eu gostaria em 2015; mas, então, acabei colocando os livros inacabados todos para as metas deste ano. E seguimos em frente.

A Emparedada da Rua Nova é um romance de Carneiro Vilela - escritor pernambucano e fundador da Academia Pernambucana de Letras - ambientado no Recife de 1864 e foi há uns dois anos usado como base de uma minissérie da Globo chamada "Amores Roubados". Não cheguei a assistir à série, porque nem sempre tenho muita paciência para acompanhar programas na televisão, mas ouvi falar muito bem. Inclusive, foi lendo uma resenha sobre ela que me despertou a vontade de ler o livro. Diferentemente do livro, a série se passa nos dias atuais, no sertão do Nordeste. Depois de ter acabado de ler, eu fiquei bem curiosa sobre como conseguiram adaptar para o presente as questões mais temporais da história. Qualquer dia, pretendo procurar e assistir de uma vez só.

Mas voltando ao livro: Trata-se de uma trama meio mórbida, mas extremamente bem escrita, em que Carneiro Vilela (dei muito mais valor por ser meu conterrâneo e nós, recifenses, somos extremamente bairristas) conversa a hora toda com o leitor, confessando ter pego algumas lendas urbanas locais, alguns costumes esquisitos, um pouco de sarcasmo, adicionou uma história metade verídica, metade vinda de boatos, e construiu seu romance assim, como uma colcha de retalhos, sem respeitar nenhuma ordem cronológica. A história começa com o caso quase todo resolvido: com a manchete no Diário de Pernambuco sobre a descoberta do cadáver de um homem num engenho, no município de Jaboatão. Seguem-se acontecimentos que tiveram parte um pouco antes desse fato; depois a história vai voltando e sendo contada de trás para frente. Começam a se apresentar personagens e, só depois, acabamos sabendo quem é o tal cadáver e como se deu a morte dele. Depois disso, desenrola-se um epílogo e só nas últimas páginas dessa última parte é que se acaba deixando tudo claro.

Com o evidente objetivo de fazer uma grande crítica, ou várias, à sociedade falsa moralista da época, os personagens são todos construídos com grandes falhas de caráter e com muito apego pelas aparências e pelo dinheiro. OK, até aí, nada de novo; nessas horas é que se percebe o quão pouco evoluímos nesse aspecto. Mas havia coisas bem específicas, como a educação religiosa das mulheres em colégios católicos e na opinião do autor sobre a pouca ou nenhuma condição desses colégios em educar propriamente essas mulheres, questão bastante frisada no livro. Para não falar muito mais, o livro pintou um quadro sobre o Recife no século XIX, suas paisagens, suas festas, seus costumes: a parte mais bela nessa história tão macabra.

É preciso dizer que houve uma coisa que me irritou muito: a maneira como o autor lida com as reações das mulheres às situações traumáticas. Eu não vivi em 1864, mas, por favor, que bando de mulher mole pra desmaiar por nada era aquela? Fora a outra, que levou um susto e acabou tendo febre e delirando durante uns três dias. Será que a síndrome vasovagal, presente na minha família, está assim tão presente nos genes das famílias recifenses, ao ponto de virar história? Ou é somente Carneiro Vilela sendo sarcástico sobre a fragilidade das mulheres superprotegidas da alta sociedade? Porque as caboclas e as escravas, nenhuma delas sofreu nada parecido.

Dito isso, só preciso dizer que é um livro excelente, principalmente para quem está procurando bons livros de literatura brasileira, literatura recifense, com temas locais. Para aqueles que nunca dão chance aos autores brasileiros, só posso dizer que estão perdendo de admirar a língua portuguesa brasileira em sua plena majestade, com suas belas expressões regionais e sem passar por traduções. Sério, é de chorar de orgulho. Ou talvez eu seja somente uma recifense muito bairrista.


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Resenha para o Desafio Literário de 2016, com o tema: "de autor brasileiro". Para saber mais sobre o Desafio, clique aqui e participe.

sábado, 2 de janeiro de 2016

Desafio Literário 2016

Antes de tudo, preciso dizer que não cumpri nenhum dos desafios literários dos anos anteriores. Não faço a mínima ideia de se este ano será diferente, mas as resoluções e a intenção de tentar está sempre presente nos inícios de ano, não é mesmo? Este ano não poderia ser diferente, então começo com a confiança de que vou terminar este desafio. Mesmo porque será com metade do número de livros do ano passado.

Este é o Desafio de 2016 do Do Fundo do Mar; um desafio que eu mesma lancei, para todos que quiserem participar e para mim mesma. Depois de apenas seguir desafios de outros blogs, resolvi fazer um só nosso, um mais simples e objetivo. Fiz isso porque saí procurando na internet e só achei desafios grandes, de mais de 30 livros, e até uns mais exigentes, do tipo "um livro que tenha uma vela na capa". Fora um que, entre os itens, tinha "um livro que você não entendeu o final". Bem, como eu vou saber que não vou entender o final, se eu ainda não li? Como vou escolher esse livro para ler, SE EU AINDA NÃO LI?

Então, diante das dificuldades, resolvi eu mesma promover um desafio. Vamos à nossa lista:


Como participar?

  • Comece divulgando a imagem do Desafio em seu blog, Instagram, Facebook, Twitter, Skoob, vinculando a esta postagem, para que outras pessoas também possam participar.
  • Ler um livro correspondente a cada item.
  • Não valem releituras, o livro tem que ser lido pela primeira vez. O Desafio tem o objetivo principal de aumentar a nossa quantidade de livros lidos.
  • Fazer uma resenha sobre cada livro, ou apenas postar uma foto, ou dar uma opinião.
  • Não esqueça da hashtag #DLdofundodomar, ou de fazer um comentário aqui no blog, ou de me marcar ou marcar a Fanpage de alguma maneira, para que eu possa saber da sua participação.  
  • Se não quiser resenhar, ou postar em alguma rede social, apenas comente aqui ou em outro post sua opinião. Se não quiser participar, apenas leia. Leia sempre.

E aqui começamos mais um ano literário. O que acharam dos temas? Convido todos a participarem. E um feliz 2016!

Outra imagem: