segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Café


Já o tinha visto entrar e sentar-se ao balcão, do outro lado da padaria. Parecia bem ocupado e passou os últimos quinze minutos falando ao celular, alternando-se entre alterado e paciente, aborrecido e delicado. Às vezes, fazia gestos vagos com as mãos e andava um pouco pelo recinto, depois voltava para o banco em que estivera sentado. Inicialmente, tinha apenas me despertado a curiosidade; depois observá-lo passou a ser um passatempo, uma distração agradável, naquele começo de turno de trabalho.

Era moreno, alto, não muito magro nem gordo demais, mesmo que não desse pra perceber ao certo por baixo daquele terno. Possuía um nariz reto, onde se amparava um par de óculos por sobre dois expressivos olhos azuis. Os cabelos eram castanhos claros e estavam um pouco compridos e desalinhados, como alguém que acabara de acordar. Mesmo assim, era surpreendentemente bonito. E quando, ao final do telefonema, ele sorriu e disse adeus, o sol lá fora, me pareceu um pouco pálido, de repente.

Não sei quanto tempo fiquei ali, do outro lado do balcão, enxugando o mesmo copo, enquanto contemplava aquela bela figura. Pareciam-me horas, ou talvez dias. Então ele levantou os olhos para mim, enquanto tirava alguns papéis de uma pasta, e eu fui obrigada a voltar o olhar para o copo.

— Com licença! Você poderia me servir um café?

Assustei-me com o som da voz dele. Depois percebi o quanto eu estava sendo estúpida; era óbvio que ele entrara na padaria para ser atendido.

— Certamente. Só um minuto, sim?

Ele não respondeu, nem eu esperava resposta. Abandonei a agradável distração e voltei ao trabalho. Peguei o pacote com o pó de café e comecei a despejar na cafeteira, enquanto passava distraidamente os olhos pelo balcão, à procura de uma xícara limpa. Arrumei a xícara e olhei o relógio, calculando quanto tempo faltava para sair a próxima fornada de biscoitos. Só mais alguns minutos. Os clientes costumavam gostar dos biscoitos de chocolate. Enquanto esperava, lembrei-me de que precisava comprar farinha para fazer mais biscoitos e providenciar…

— Por que tudo é tão complicado?

Desta vez, assustei-me com razão. Olhei para ele, com olhos arregalados e o pote de biscoitos quase vazio na mão, e não soube o que dizer. Devo ter feito uma verdadeira cara de idiota, pois ele apressou-se em se justificar.

— Desculpe. Você não tem nada a ver com isso. Eu estou um pouco aborrecido hoje.

— Não, tudo bem — apressei-me a dizer.

Ele me despertou uma ligeira curiosidade, agora de uma outra maneira. De repente, parecia ter algo mais por trás da beleza, dos olhos azuis e do terno escuro. E eu me vi esperando alguma explicação.

— Acho que estou enlouquecendo. Às vezes me pego falando sozinho. Agora mesmo, estou falando sozinho, pois não acredito que você esteja mesmo interessada ou que esteja prestando atenção ao que eu digo.

— Ora, eu estou, sim.

Ele me olhou e deu um meio sorriso.

— Você é muito gentil.

— Obrigada.

— Quer dizer que estava mesmo prestando atenção?

— Acho que você está se sentindo sob pressão. Talvez um café não seja uma boa idéia. Não prefere um chá?

— Não gosto de chá. Prefiro uma boa conversa enquanto tomo café. Mas eu aceito um biscoito.

— Como quiser.

— Você não acha a vida complicada?

— Eu não disse isso.

— É, acho que não.

Era um tom de desdém que, de alguma maneira, me pareceu sarcasmo. Será que ele me considerava uma tola que não tinha preocupações? Pela primeira vez, tomei coragem e olhei-o nos olhos:

— Que desilusão tão grande o fez desacreditar da vida dessa maneira?

Ele levantou as sobrancelhas por um momento, depois riu.

— Não é o que você está pensando.

— Como pode saber o que eu estou pensando?

— Você certamente está pensando que eu tenho problema com mulheres.

Imediatamente pensei na conversa que ele estivera tendo ao celular. É, ele sabia o que eu estava pensando.

— E não tem?

— Não. Bem, não nesse sentido.

— Ah… Está bem.

Não me convenceu. Bem, mas quem era eu para julgá-lo? Servi o café e outro cliente me chamou, do outro lado do balcão. Desculpei-me e fui atendê-lo. Quando desocupei outra vez, o cliente simpático já tinha ido embora. Suspirei e voltei ao trabalho.


Leia também a segunda parte do conto Café.

9 comentários:

Marina disse...

Estou gostando da história! Se for como penso, espero a próxima parte.

E quanto à pergunta dele... sim, eu acho a vida complicada. E deve ser, não? Ora, se não fosse, qual seria a graça de viver? Ter as coisas na mão facilmente não é tão bom quanto conquistá-las.

Frondek | Homepage | 01.05.09 - 10:50 pm

Marina disse...

A coisa continua ou não????

Qualquer um pensaria que ele tem problemas com mulheres...
Tyler | Homepage | 01.06.09 - 2:09 am

Marina disse...

Qualquer um pensaria que ele tem problemas com mulheres, pois essa é a parte mais complicada da vida (e a melhor também).

Leonardo | Homepage | 01.06.09 - 10:24 am

Marina disse...

a vida é simples. a gente é que tem mania de complicá-la.

bj
tarcisio buenas | Homepage | 01.06.09 - 11:09 pm

Marina disse...

Mari, simplesmente bom!
Q ótima.

Fui ler pensando em uma coisa e foi uma surpresa o final!
Kami | 01.06.09 - 11:34 pm

Marina disse...

nem todos os problemas são com mulheres, mas a maior parte com certeza.
outras coisas que impedem se ter problemas com mulheres são mais problemáticos, já os problemas com mulheres, por serem mais complicados ou até mesmo impossíveis de resolver são mais saborosos. eu adoro problemas, e você? Que tédio uma vida sem problemas.
Beijos
Benno | Homepage | 01.07.09 - 9:40 am

Marina disse...

Oi, Mari. Qt tempo, hem?
Eu vi os teus comments no meu blog, e fiquei em tb chateado, pq o teu comentário sobre o meu texto não apareceu. hehehe
Mas eu, ao contrário do que tinha me proposto, já estou atrasado no blog. Não consegui me ater ao cronograma.
Tb, estava em viagem. Agora, na volta, ainda tenho aulas. E os professores, por estarmos em pleno janeiro, pensam que não temos mais nada pra fazer, aí tocam leitura pra cima da gente. To lendo acho q umas 100 paginas por dia pra manter o ritmo. Quem mandou fazer letras...

Bom, antes que eu me alongue demais e transforme o teu blog em terapia, queria dizer que a primeira parte me despertou uma certa curiosidade, mas tem mais cara de seriado do que de conto mesmo. Parece que esse "capítulo" encerrou, e que depois vem a continuação (se bem que, não sei ainda se serão só esses dois personagens ou tem mais gente chegando...).
Bom, fico no aguardo. hehehe
Bjs

Marcelo | Homepage | 01.07.09 - 3:25 pm

Marina disse...

queremos continuaçao :D
ândria halfen | Homepage | 01.07.09 - 11:08 pm

Marina disse...

Primeira vez que entro aqui e, apesar de raramente ler contos, gostei bastante deste! =)
Dalleck | Homepage | 01.09.09 - 11:14 pm