terça-feira, 11 de agosto de 2009

Flores


Naquela manhã, foram tulipas. Tulipas brancas, frescas e totalmente fora de estação. Elisa não entendia tanta coisa ali que o fato de alguém ter encontrado tulipas num dia como aquele chegava a ser irrelevante. O que realmente a deixava admirada e confusa era esse alguém saber que ela adorava tulipas brancas mais que qualquer outra coisa.

Precisas como um relógio, as flores sempre chegavam pontualmente às sete. E, desde que começaram, nunca pulavam um dia. Ontem, vieram rosas brancas; anteontem, vermelhas. Sempre foram rosas, até aquele dia. Se ela se esforçasse, poderia até pensar em um punhado de pessoas que lhe pudesse ter feito aquele agrado, mas terminava sem se decidir por nenhuma. E essa era sua grande frustração: era incapaz de determinar com clareza quem poderia ser esse seu admirador.

— Mais flores, hein? — perguntou-lhe o seu vizinho de porta, ao chegar carregado de compras e vê-la parada no corredor, o ramalhete nas mãos.

— Sim, tulipas.

— Estou vendo. São iguais àquelas de plástico que ficam em cima da sua mesa.

Não lhe havia ocorrido tal semelhança. O vizinho encontrou as chaves da própria casa no bolso e enfiou na fechadura.

— Então, ainda não descobriu quem mandou?

— Não. É impossível. Pensei em todas as pessoas que conheço, mas nenhuma delas demonstra nenhuma atenção especial comigo.

— Nenhuma?

— Nenhuma.

— Bom, com certeza você está deixando escapar alguém.

— Talvez. Quem sabe eu sequer conheça essa pessoa.

— Você acha?

— Acho. Não sei. Bom, preciso entrar agora.

— OK. Qualquer coisa, sabe que é só chamar.

— Sei, sim, obrigada. Você é um amigão. Não sei o que faria sem você.

Disse isso e entrou.

A partir daquele dia, Elisa não recebeu mais flores.


Imagem: © Corbis

16 comentários:

Marina disse...

Há momentos nos quais uma palavra - aqui "amigão" - é fatal.

Já deixei de mandar flores por conta disso, também.
Álisson da Hora | Homepage | 08.11.09 - 11:36 pm

Marina disse...

Ai,Mari. tenho medo de viver assim também. Só enxergando quem anseio e não percebendo quem me rodeia.
Kami | 08.12.09 - 12:13 am

Marina disse...

Inspirada no seu texto, que achei muito bom, acabei relembrando de uma história da minha vida e postando no meu blog.
Lu Motta | Homepage | 08.12.09 - 5:26 pm

Marina disse...

Eu sei que talvez não deveria, mas não consegui deixar de achar graça. Uma situação meio tragicômica (pra mim, mais cômica do que trágica). hehehe
Mas muito legal mesmo como deu pra perceber todo o contexto e todo o subtexto sem uma linha "fora do lugar", por assim dizer. Tudo fica a cargo do leitor. O narrador, nesse caso, só sugere. Acho esses textos os mais legais. Quem sabe tu não escreve um romance depois pra nos presentear?
hehehe
Beijão!
Marcelo | Homepage | 08.12.09 - 7:38 pm

Marina disse...

Existem os que chamam atenção e os que dão atenção. Os primeiros são "atendidos", mas os últimos muitas vezes não são retribuídos. Faz parte da esquisitice dos sapientes...

Como alternativo ao romance, que tal um livro de contos, hein ?

Fica bem.
Fabio Machado | Homepage | 08.13.09 - 11:04 am

Marina disse...

Oi, Marina,

Pois é! Sempre olhamos para além do que os nossos olhos alcançam.

Beijo,
Inês
Dois Rios | Homepage | 08.13.09 - 11:21 am

Marina disse...

A felicidade as vezes mora ao lado e não enxergamos pela vontade de estar sempre além.

Conto muito inteligente Marina.
E adoro tulipas *.*

Grande Beijo.
Gaby | Homepage | 08.13.09 - 12:15 pm

Marina disse...

lembrei direto do filme Mulher Invisível, que vi não faz muito, então acho que a minha leitura do teu texto foi superinfluenciada... senti em relação a tua protagonista o mesmo que em relação ao selton melo. que vontade de gritar daqui: olha o vizinho!!! adorei, marina.

PS: ainda não enviei o que prometi, porque as aulas não recomeçaram em função da gripe. Assim que chegar na escola, recolho da parede e te mando. bjo, bjo.
andréia alves pires | Homepage | 08.13.09 - 6:12 pm

Marina disse...

Encantador este teu conto, guria! Simples e belo, deixa o leitor parado, pensando, pensando...
Quantas coisas podemos ver, quanto podemos fazer da nossa própria vida!...
Abraços!
Eduardo Trindade | Homepage | 08.13.09 - 8:20 pm

Marina disse...

É, o óbvio é sempre a última coisa que pensamos. E no amor não é diferente.
George Marques | Homepage | 08.13.09 - 11:59 pm

Marina disse...

Hahaha, é incrível como às vezes somos distraídas.
Camila Maria | Homepage | 08.15.09 - 11:07 am

Marina disse...

Poxa, à primeira vista, parece algo bobo. Mas achei bem triste.
v.h. | Homepage | 08.15.09 - 1:14 pm

Marina disse...

As vezes a gente encontra pessoas que são certas demais pra gente, as vezes a gente encontra e até não vê. As vezes a gente diz coisas que machucam sem perceber, as vezes ouvimos coisas que machucam e só nós mesmos percebemos que machucou.
Acho que a verdade é que vivemos sem perceber, talvez.
Rômulo | Homepage | 08.15.09 - 1:57 pm

Marina disse...

P.S. Andei meio sumido, como sempre sem tempo. Tentando me redimir, comentei também nos últimos textos aqui pra trás.
Rômulo | Homepage | 08.15.09 - 2:09 pm

Marina disse...

Muito bom! =D
Não sei quem é o mais coitado nessa história...
Dalleck | Homepage | 08.17.09 - 4:06 am

Marina disse...

marina,

mandei um buquê de rosas vermelhas uma vez e até hoje espero o agradecimento!

foda.

bj
tarcísio buenas | Homepage | 08.18.09 - 3:31 pm