quinta-feira, 24 de março de 2016

Novo amigo

— Oi.
— Oi. Quer brincar comigo?
— Quero, mas acho que não pode.
— Por quê?
— Minha mãe disse que não pode.
— Ah. É que estou aqui sozinho faz tanto tempo! Queria alguém para brincar comigo.
— Eu queria brincar com você. Você parece legal.
— Posso ser seu melhor amigo, se você deixar.
— Mesmo?
— Claro! Podemos brincar de várias coisas: de pega-pega, esconde-esconde... Também podemos brincar de jogar uma bola, eu vou buscar e devolvo para você.
— Parece divertido.
— É muito divertido! Podemos fazer isso todos os dias.
— Não sei... Não sei se minha mãe vai gostar.
— Pergunta a ela.
— Tá, espera.

O menino saiu saltitando pela rua, atrás da mãe, que já havia andado um pouco durante o tempo em que ele observava a caixinha no canto da calçada. O pedido à mãe foi breve; a resposta, mais breve ainda. Ele voltou a olhar a solitária caixa na calçada, agora tristemente, dizendo adeus ao amigo que não levaria para casa. O novo amigo, que havia prometido tanto sem dizer nada. Fitava-o apenas, com seu expressivo olhar de cachorro.
 
 
Texto postado em 2012
Imagem: Flickr - Creative Commons

domingo, 20 de março de 2016

Medo do escuro

Há três noites não durmo. Cai a noite, vêm as sombras. Se de manhã, as sombras são abrigo; à noite, são assustadoras. Acende lâmpada, vela, abajur, farol de carro; em busca da luz. Nada funciona. As luzes só fazem as sombras tomarem forma. A forma dos monstros. Eu olho as formas, vigiando seus movimentos. E, enquanto eu olho, elas não se mexem.

No escuro, os monstros viram reais. Todos aqueles monstros que habitavam somente a minha cabeça durante o dia saem de suas moradas nos giros cerebrais para caminharem à noite, no mundo real. Vivendo à noite, como corujas, ou vampiros. No escuro, as sombras se unem, tornando-se uma só. A escuridão torna-se real. E a realidade se confunde com o desconhecido.

Então, não durmo. Medo do escuro, ou do desconhecido, não importa. Apenas porque é melhor ficar alerta, para quando os monstros chegarem. E dormir somente ao nascer do sol, quando eles se não puderem mais esconder.

"Darkness turns and wakes imagination"

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Essa postagem faz parte do projeto "642 coisas sobre as quais escrever", com o tema:
176: Você, uma adulta crescida, tem medo do escuro. Explique por que isso é uma preocupação.

Imagem: Flickr - Creative Commons

terça-feira, 15 de março de 2016

Um presente para você

Há algum tempo, tenho pensado numa maneira de organizar as postagens aqui do blog. Sempre usei muito agendas, durante a minha vida inteira, principalmente porque minha memória não é lá essas coisas. Então sempre precisava de lembretes, lista de coisas a fazer, coisas para comprar. Como comecei a trabalhar andando para todo lado com um monte de materiais pesados, cheguei a um ponto que não conseguia mais carregar uma agenda. Para o blog, eu tinha uma pasta no computador com textos a serem publicados, até que passei a escrever direto no editor e desorganizou tudo. Começou a acumular rascunhos e eu não tinha ideia dos textos concluídos e nem um dia certo para postar.


Eis que tive a ideia do calendário. Comecei a procurar na internet organizadores mensais para fazer download. Só que nenhum me agradava. Não fosse o formato, o espaço, também não me agradava o design deles. Eu queria alguma coisa que tivesse algum espaço para escrever, mas que desse para imprimir e coubesse em uma folha A4. E fosse bonitinho. Acabei decidindo que teria que fazer um.

E terminei fazendo vários, com cores e desenhos diferentes.

Eles servem para qualquer mês, é só colocar a data no quadrinho. Com eles, eu passei a programar as minhas postagens, separar os estilos de cada uma, para não ficar repetitivo e deixar o blog mais equilibrado. Fora isso, também comecei a usá-los para planejar minhas leituras, listas de coisas a fazer, coisas do trabalho, compromissos. E era só dobrar e carregar na bolsa, que não pesava e nem fazia volume.

Até um dia desses, eu estava mantendo os organizadores só para mim. Aí percebi que talvez existissem algumas pessoas que, assim como eu, estavam à procura de um organizador para postagens de blog, tarefas pessoais, calendário de estudos, leituras, listas. Enfim, para a vida. Foi quando decidi compartilhar.

Estão disponibilizados dois deles aqui para vocês. Se gostarem, é só falar que posso colocar os outros depois. Para baixar, é só clicar na imagem e salvar, quando ela abrir no tamanho original. Espero que seja útil.

Enjoy!


sábado, 12 de março de 2016

Investigação

Com todas essas evidências, não há mais dúvidas de que minhas suspeitas tinham mesmo fundamento. Esta investigação é inteiramente sigilosa e ninguém pode sequer desconfiar da natureza dos meus questionamentos, ao entrevistar os suspeitos ou conseguir mais pistas. Portanto, terei que continuar procedendo com todo o cuidado possível ou terei sérios problemas.

Ontem, adquiri a prova decisiva: a certeza do fato consumado. Interceptei uma chamada entre a principal suspeita e seu cúmplice, em que confessavam sua participação no caso. Resta agora saber onde o bagulho está escondido. Mas isso é apenas questão de tempo, pois já tenho uma vaga ideia do local onde o meliante costuma guardar seus ganhos.

Lupa em mãos, encontrei pegadas de lama no chão de madeira. O tamanho e o tipo do calçado condizem com o do suspeito. Há impressões digitais por todo o lugar, então procurei não me preocupar com elas. Apenas segui as pegadas, que terminaram num aposento acarpetado, mal iluminado. Entrei, olhando para os lados. Um barulho de água corrente veio de um banheiro anexo; sem dúvida o suspeito limpando evidências de seu corpo. Segui em direção ao móvel escuro, do lado oposto ao banheiro.

Eu tinha que ser rápido; arrastei uma cadeira, tentando não provocar nenhum som alto demais, e subi. Tinha que estar em algum lugar por ali. Pus a mão em cima do armário e toquei em algo liso. Meu toque fez ruído no pacote. Agarrei-o com ambas as mãos e conferi, afastando um pouco o papel que o cobria. Sim, era ele mesmo. Eu estava certo. Havia solucionado o caso. Coloquei-o de volta no lugar, guardei a cadeira e saí correndo do quarto.

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— Querido, aposto que você vai adorar o seu presente de aniversário!
O menino olhou pra mãe, a carinha sorridente esbanjando orgulho.
— O jogo Scotland Yard? Claro que vou adorar!
— Hein? — A mãe arregalava os olhos, incrédula. — Mas será possível? Como você sempre descobre o que vai ganhar?
O dar de ombros dele foi exageradamente arrogante:
— Elementar, cara mamãe.


Texto publicado pela primeira vez em 2009.

Imagem: Flickr - Creative Commons

terça-feira, 8 de março de 2016

10 mulheres fortes no mundo literário


E neste nosso dia Internacional, eu queria homenagear todas as mulheres fortes do mundo. Só que, como são tantas, resolvi fazer uma busca no meu pequeno mundo literário e citar, não as autoras que eu admiro, mas algumas personagens mulheres que merecem destaque, de todos os livros que eu já li.

Como vocês vão ver abaixo, várias delas são somente coadjuvantes da trama, mas acabaram, muitas vezes, roubando a cena e poderiam facilmente ser as protagonistas, porque são personagens maravilhosas. E essas mulheres deram mais vida a todas as histórias.

Claro que este texto não conseguiria não ter alguns spoilers, então fica por sua conta ler ou não.
  1. Hermione Granger
  2. Melhor amiga de Harry Potter, acho que todo mundo sabe quem ela é. No final das contas, ela é quem faz boa parte do trabalho da trama. É ela quem sabe todos os feitiços importantes, é ela quem dá todas as informações necessárias, é ela quem faz a poção polissuco. Na prática, Harry poderia ter sobrevivido sem Rony, mas nunca sem Hermione. Até ele mesmo sabe disso e, importante, ele não se ressente. Porque no maravilhoso mundo de J. K. Rowling, mulheres são tratadas como iguais. Dessa série, ainda poderia citar a mãe de Harry, Lilian, como uma mulher forte, além de Molly Weasley, Minerva McGonnagal, Gina Weasley, Luna Lovegood. O livro está cheio de belas referências; J. K. Rowling herself é uma mulher extremamente forte, basta conhecer sua história.

  3. Annabeth Chase
    Da série Percy Jackson e os Olimpianos, assim como a série Heróis do Olimpo e uma participação em Magnus Chase, de Rick Riordan. Annabeth é filha de Atena, deusa grega da sabedoria e da guerra. Apesar do meu personagem favorito ser Percy, Annabeth é meio a Hermione da história, com a diferença de que não fica sendo só amiga do protagonista. E ela sabe lutar. Como eu já disse numa resenha, as mulheres de Riordan são sempre fortes. Dou muito valor.

  4. Morte
    Mas qual Morte, não é? Essa de que eu falo é a irmã de Sandman, de Neil Gaiman. A Morte é um dos Perpétuos, ou Endless, um grupo de criaturas poderosas que influenciam vários aspectos do universo. A Morte é uma personagem sábia, que usa roupas góticas e ajuda Sonho, em várias eras pelas quais eles passam, a entender os humanos e os aspectos da vida.

  5. Eskarina Smith
    Da série Discworld, de Terry Pratchett, aparecendo pela primeira vez no livro Equal Rites. Esk é uma maga de 9 anos que precisa entrar na Universidade Invisível para aprender a lidar com a magia que lhe foi passada ao nascer. Só que Esk não é aceita por ser mulher num mundo em que mulheres só podem ser bruxas e precisa provar seu valor. O livro também conta com uma personagem fantástica, também feminina, a Vovó Cera do Tempo.

  6. Violet Baudelaire
    Uma das protagonistas da série Desventuras em Série, de Lemony Snicket (pseudônimo de Daniel Handler). Violet é a irmã inventora. Em cada livro da série, ela é forçada a inventar alguma coisa para tirar os irmãos do poder do Conde Olaf, o vilão que quer roubar a fortuna deles.

  7. Lettie Hempstock
    Do livro O Oceano no Fim do Caminho, de Gaiman. Lettie é a melhor e única amiga do menino, o protagonista, e pra onde ele corre quando está triste ou com medo. Numa interpretação minha bastante pessoal, o menino acredita que Lettie e seu oceano são capazes de salvá-lo dos seus piores monstros, reais e psicológicos, e ele volta sempre em busca dela, mesmo quando cresce e os problemas se tornam maiores. Muita gente interpreta este livro de maneiras diversas e talvez essa seja a coisa mais linda sobre esse livro. É certamente um grande favorito meu.

  8. Lyra Belacqua
    Outra protagonista, da série Fronteiras do Universo, de Philip Pullman. Como eu sempre digo, esqueçam a adaptação da Bússola Dourada para o cinema. Dito isso, comecemos: Lyra é uma menina insuportável, no início da série. Criada num lugar cheio de adultos que não lhe dão atenção, ela acaba se tornando selvagem e malcriada, com ideias e ideais próprios e sem muitos laços que a prendam em um só lugar. O sonho dela é ir para o Norte, ver as luzes no céu. Até ela descobre algo que estão fazendo e com o qual não concorda e precisa fugir dessas pessoas. Então, sua jornada se torna uma busca por mundos diferentes e pela salvação do universo.

  9. Úrsula Iguarán
    Em Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, nascem vários Aurelianos e Josés Arcádios, mas só existe uma Úrsula. Gabriel fez de Úrsula o coração de Macondo, cidade fictícia onde a história se passa, e também a pessoa que suporta todas as provações, todas as loucuras e todas as perdas. Sem fraquejar, nem mesmo quando fica debilitada fisicamente. A história da cidade começa quando Úrsula chega lá e, enquanto todos vivem e morrem, Úrsula permanece, assim como a tradição da família.

  10. Galadriel
    Elfa mais poderosa do Senhor dos Anéis, de Tolkien. Galadriel possui um dos três anéis poderosos dos elfos, sendo assim uma grande feiticeira, e consegue resistir ao poder do Um anel, quando Frodo o oferece a ela. Ela entende que aquele poder acabaria com ela e com a Terra Média e prefere lutar para que o anel seja destruído.
    "Em vez de um senhor das trevas, você teria uma rainha..."

  11. Isabel
    Eu poderia falar de Magrí, a personagem feminina dos Karas, e eu já tinha começado a escrever sobre ela, só que parei. Porque lembrei de Isabel. Isabel é a protagonista do livro A Marca de uma Lágrima, outro dos meus livros preferidos da infância escrito por Pedro Bandeira, mesmo autor dos Karas. Apesar de Magrí ser aparentemente mais forte, porque é atleta e faz parte de um grupo peculiar que investiga crimes e tem códigos secretos, Isabel é forte à sua maneira. Escolhi homenageá-la porque ela é uma menina de 14 anos como todas nós fomos, com problemas de autoestima, uma mente brilhante e um amor não correspondido. E, no final, ela também desvenda um crime.

Essas são minhas mulheres fortes literárias favoritas. Aos poucos, nós vamos virando protagonistas das nossas histórias. Coisa que sempre fomos, mas quase nunca é escrito dessa maneira. E é para isso que nós, escritoras, escrevemos. Para dar vida a essas mulheres, que sempre estiveram ali, só que invisíveis. Para superarmos o protagonismo masculino do mundo e contarmos essas histórias.

"É apenas isto: se você vai ser humano, tem um monte de coisas no pacote. Olhos, um coração, dias e vida. Mas são os momentos que iluminam tudo.  O tempo que você não nota que está passando, é isso que faz o resto valer."  – Morte.

Essa é uma postagem para os "Rejeitados" da blogagem coletiva de março do grupo Blogs Up, um grupo de interação entre blogueiros. A ideia é que possamos trocar informações, realizar projetos juntos, responder tags e etc.

sábado, 5 de março de 2016

A janela

Aqui, do outro lado do mundo, trancado num cubículo frio e úmido, meu olhar se mantém fixo na única luz presente — uma janela acesa, no meio da escuridão. O único ruído audível é o dos meus dedos alcançando as teclas de um piano sem som. Apenas palavras são possíveis naquele angustiante contato; palavras silenciosas. Mas quase sinto a textura das suas mãos, quase sinto tocar seu rosto e ouvir seu riso fácil. E através daquela janela iluminada, posso ver seus olhos, numa foto tirada recentemente.

Levanto-me, abro um livro. Está escuro demais para ler. Olho o violão, mas desisto. Faltam-lhe duas cordas. Volto à janela e encaro seus olhos outra vez. Faço-lhe uma pergunta, mas a resposta não vem. Espero, assim como você sempre me esperou. Como anda sua vida? Seus amigos ainda devem insistir que não temos futuro; você deve estar cansada disso. Será que ainda espera? Você sabe que foi a necessidade que nos manteve separados, todo esse tempo, com tanto mar entre nós. As pessoas dizem para desistir, que a saudade tende a diminuir com o tempo. Bem, não a minha. Mas nada posso dizer quanto a sua.

A resposta não chegou. Talvez a rede tenha caído. Se eu tivesse outra coisa para fazer, talvez a angústia não me invadisse daquela maneira. Angústia e dúvida. Esperarei você voltar. E, um dia, atravessarei esse tanto de mar só para vê-la, apenas mais uma vez. Mesmo que você não queira mais me ver. 





"Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar…
Sei também quanto é preciso
Navegar, navegar…"







Texto publicado pela primeira vez em 2009

terça-feira, 1 de março de 2016

Conselhos

— Quem é ele?
— Um amigo.
— Só amigo? Do jeito que vocês dançavam, parecia muito mais.
— Ora, francamente...
— Sabia que o cara tem namorada?
— Sabia. E já disse que somos amigos.
— Vi o jeito que você olhava para ele.
— Não tenho que dar explicações a você. Não sou mais sua namorada.
— Estou falando como amigo. Não queria ver você sofrer.
Ela suspirou e baixou a guarda.
— Desculpa. Mas é sério, não tenho nada com ele.
— Ele faz seu tipo.
— Não faz. Ele é bonito demais.
— Está querendo dizer que eu não sou bonito?
Ela riu.
— Você não tem jeito, sabia?
Ele riu também.
— Sabia. Então, dança a próxima comigo?

Imagem: Flickr - Creative Commons

Texto publicado em 2010