terça-feira, 2 de setembro de 2008

Vitrine

Ali, atravessando aquela vidraça, está tudo o que eu desejo. Um vestido azul-claro esvoaçante, ainda que fora de moda; sapatos cujos saltos me doem os pés, mesmo sem estarem calçados. Uma bolsa de tecido florido. Um cenário verde. Ampla iluminação.

O olhar jovem da manequim parecia zombar de mim, como se repetisse a ladainha: "eu tenho e você não tem". O sorriso era cruel e muito satisfeito, como se soubesse que estava sendo observada. E invejada. Amargamente invejada, por uma pessoa cuja juventude estava a quilômetros de distância. Eu sabia que não eram muitos os anos de diferença, mas pareciam uma eternidade. E foi nessa eternidade que a minha vida mudou radicalmente. E definitivamente.

Atravessando aquela vidraça, estava tudo o que eu mais desejava. E não mais teria. Não foi por distração que minha mão esbarrou no porta-retratos e ele espatifou-se, espalhando cacos de vidro pelo chão do meu quarto.



Os cacos nunca machucaram mais do que aquela lembrança.


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