Da música nasci e da música morreria.
Foi em um quartinho dos fundos de uma escola de música que eu fui concebido. Meu pai era professor de piano e minha mãe uma das faxineiras do local. Cresci envolvido em música e fiz dela minha vida. Gostava particularmente de Bach, por suas notas mais dramáticas. Suas peças tinham algo de melancólico que me encantavam desde criança. Sempre achei que havia algo de belo na tragédia.
Com onze anos, já era o melhor da minha turma de violino. Com vinte e um, tocava em concertos e em um restaurante chique na parte alta da cidade. Se antes era um prodígio, a vida adulta me fez perceber que eu era só mais um entre tantos, todos vivendo em busca do pagamento no fim do mês. Mas ainda amava o que fazia e isso me trazia algum consolo.
Casei-me, tive filhos, me separei. Meus pais morreram de tuberculose. Comecei a tocar em um navio porque o salário era razoável e a comida era boa. Ao fim de cada viagem, seguia para casa sozinho. Cheguei a um ponto da vida em que ninguém mais esperava por mim no porto, quando atracava. Isso era bom e era ruim, porque não deixava saudades. Todos viviam suas vidas sem mim e sem mim continuariam vivendo.
E, com aquele sentimento agridoce, de não saber se me sentia feliz ou triste, observei o chão inclinar-se e a água começar a invadir os meus sapatos de verniz. Enquanto o navio afundava e eu tocava a minha última peça de Bach, eu só consegui pensar nisso:
Não deixaria saudades.
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Essa é uma postagem do Projeto 642 coisas: 228. A orquestra do Titanic continuou tocando enquanto o navio
afundou.
7 comentários:
CACETE de texto lindo.
Pessoas que elogiam com palavrões, melhores pessoas <3
Obrigada PRA CARALHO.
Lindíssimo! Deu até um arrepio a verdade dessas palavras.
Muito bom
:)
Chorei! coisa marlinda! <3
Manu, Fred e Maria: obrigada, gente <3
Texto emocionante. Você sempre me emociona com seus textos. Fico sem acreditar que foi você que escreveu essa maravilha.
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