quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O acordar


Que lugar é este? Onde está a minha cama, meu quarto, minha casa? Meu despertador, onde está meu despertador, que não me acordou? O sol já está quase a pino e nem sinal do barulhinho irritante. Céus, perdi a hora! Será que me esqueci de programá-lo para tocar? É bem possível, ando tão distraída ultimamente... Tenho que levantar para fazer o café do meu marido. Onde será que ele está? E que raios de lugar é este?

É bonito, sem dúvida, com todo este verde em volta e este céu azul. Parece cenário de sonho. Um pouco claro demais para o meu gosto; dá a impressão de que se está mais perto do sol. Mesmo assim, não é quente. Nem frio. É até bem agradável, bem mais do que aquele meu apartamento abafado e bolorento. Eu ia começar a pintar as paredes, qualquer dia desses; mas as costas doem tanto que ficava adiando, adiando... Curioso, não sinto mais dores nas costas. Poderia começar uma reforma inteira agora mesmo, se conseguisse descobrir em que direção fica a minha casa. Mas esse gramado todo, não sei; acho que deve ficar a uns bons quilômetros da cidade em que eu moro.

E essas pessoas todas me olhando? Deve ser por causa da minha gravidez avançada... Gravidez... Meu Deus, onde está a minha barriga? Meu bebê! Até ontem estava aqui! O que aconteceu? Eu o dei à luz e não me lembro? Parti e o abandonei lá, sem nem conhecê-lo? Como pude fazer isso? Não posso ficar aqui, ele precisa de mim! Quem vai cuidar dele, dar-lhe comida, trocar a fralda? Meu marido não vai conseguir dar conta de tudo sozinho. Não, não posso ficar aqui! Não, por favor! Alguém me leve de volta, eu preciso voltar! Preciso voltar!

Não posso chorar; a vista fica turva e eu preciso encontrar o caminho de volta. Cadê as estradas deste lugar, os ônibus, os carros? Há alguém a quem pedir carona? Ei, vocês! Por que estão todos sorrindo para mim? Não posso ficar aqui, não pertenço a este lugar. Tenho pessoas de quem cuidar, lá onde morava. Coisas... Várias coisas. Coisas importantes. Cuidar do meu bebê recém-nascido. Voltar para casa. Quero voltar. Para a minha casa...

... Estranho; olhando agora, sinto que conheço este lugar. Parece que já estive aqui, alguma vez, há muito tempo. Que sensação estranha. Parece... paz. Nunca senti isso antes. Talvez bem jovem, quando ainda não tinha tantos problemas... Não há mais problemas. Sem mais dores ou despertadores. Eu estou em paz. Egoísmo meu, estar em paz enquanto tantas pessoas sofrem com a minha partida. Eu sei, eles vão conseguir sobreviver, de alguma maneira. Eu sei. Eu... Só espero que fiquem bem.

Do meio da multidão que sorria para mim, um homem de olhar belo e terno aproximou-se e me abraçou. Com lágrimas nos olhos, reconheci aquela voz profunda, quando Ele falou:

— Seja bem-vinda, minha filha.


Imagem: stock.xchng


Texto para a Blogagem Coletiva de setembro proposta pelo blog Vou de Coletivo!, com o tema "Dormir aqui e amanhecer em outro lugar".

12 comentários:

Marina disse...

Marina
Muito bem escrita, bem encadeada a gente vai se afligindo com a personagem e deu uma boa solução para o final.
beijos

angela | Homepage | 09.17.09 - 1:55 am

Marina disse...

perfeito por um momento pensei que fosse verdade uma dia a gente dormi aqui no outro já não sabe mais onde está.Fascinate!

magna | Homepage | 09.17.09 - 8:59 am

Marina disse...

Marina,

Muito bem escrito, dá para sentir o desepero do não reconhecimento da personagem. Deve ser muito estranho acordar aqui e amanhecer em outro lugar.

Grande abraço.
Luciano A.Santos | Homepage | 09.17.09 - 10:55 am

Marina disse...

Que lindo, Má!!

Esse texto ficou muito bom. Adoro textos assim.

Apesar de triste, é lindo ^^

=*
Helo | Homepage | 09.17.09 - 1:26 pm

Marina disse...

Marina! Quanto tempo! Desculpe a ausência, estou beeem longe da minha terra, primeiros dias conturbados. Gostei do texto. Gostei mesmo. Como sempre simples e lindo. Um beijo!

Léo | Homepage | 09.17.09 - 6:16 pm

Marina disse...

Ai ai ai... chorei em pleno escritorio!

Gabi | Homepage | 09.17.09 - 8:07 pm

Marina disse...

Pois é, algumas vezes é assim mesmo. Pode ter certeza.
Beijos.
Magna

Magna | Homepage | 09.18.09 - 12:43 am

Marina disse...

Nossa, na primeira linha eu já tinha adivinhado onde estava. Só espero que não seja história real e sua! Mas pelo menos, se for verdade, já é bom saber que tem internet no céu, hehe (piada infame, rs)

Dalleck | Homepage | 09.18.09 - 3:33 pm

Marina disse...

Também adorei. Levou o conceito de "acordar em outro lugar" ao seu grau máximo. Criatividade é isso!

Muito obrigado por participar da blogagem!

Abração

Murilo
Murilo Abreu | Homepage | 09.21.09 - 10:15 am

Marina disse...

Também participei deste coletivo! E adorei o seu texto! Embora triste para quem continua sem esta que acordou em outro lugar!
Obrigada pela visita lá no Mais uma vez... Será sempe bem vinda! Gostei daqui, e sempre que pssivel retornarei!
Xerus
=**

Nay | Homepage | 09.21.09 - 3:45 pm

Marina disse...

Gostei bastante! Dá quase vontade de ir para lá, pelo menos por um pouquinho, só para relaxar...

Quanto ao concurso, me empresta o livro depois ;PPP
v.h. | Homepage | 09.23.09 - 5:40 pm

Marina disse...

Respondendo ao seu comentário lá no meu blog, realmente dirigir em recife requer técnicas especiais para desviar de buracos e assaltantes. Desviar de congestionamento é impossível! rsrs

Xerus
=***
Nay | Homepage | 09.23.09 - 10:16 pm