A bebida tinha um gosto amargo. Não tanto pelo alto teor alcoólico; a profundidade da minha tristeza fazia amargar até o mais doce pudim de leite. Como aquele que minha avó fazia. Doce e macio, muito melhor que aquela bebida dourada com gosto de remédio. Mas pudim não resolvia a importante questão que o uísque conseguia. Esquecer. Ao menos por alguns instantes.
Por isso, ele foi o escolhido da noite. O estômago protestava; mas ainda não muito alto, de modo que eu continuava a beber. A cabeça girava de modo agradável, tornando o pensamento turvo, com sensação de irrealidade. Irreal era bom. Nublava as últimas horas; aquelas que me roubaram anos na minha vida, tornando-os uma mentira. Com apenas mais alguns goles, eu apagava totalmente aquelas horas e conseguia fingir que não havia vivido um conto de fada.
Pedi mais uma dose ao garçom, que me olhou com desconfiança. Esbocei a minha melhor expressão de sóbria, prendendo o riso e o choro, que quase ousavam me entregar. Ele deu de ombros e me serviu mais uma. Afinal, era o trabalho dele e eu era maior de idade.
Conto de fada. Quando eu o vi pela primeira vez, há tantos anos, ele era o próprio príncipe encantado, com cavalo branco, canções de amor e passeios no bosque. Sem dúvida, os últimos anos foram exatamente como um conto de fada.
Duas gotas escorreram dos meus olhos, enquanto sorvia mais um gole. A mente estava confusa, mas a língua lembrou aos olhos que eles estavam secos demais. O nó da garganta também encontrou um pouco de alívio, que a bebida não trouxera. Enxuguei-os com as costas das mãos, chateada pela traição do meu corpo.
As lágrimas vieram primeiro. Logo após foi o riso. E, mesmo com lágrimas ainda derramando verdadeiros córregos pela minha face, comecei a rir. Era tudo tão óbvio que era ridículo.
Estive todo esse tempo vivendo um conto de fada. No sentido de que contos de fada não existem.
"I'm busy mending broken pieces
of the life I had before" |
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