Faz algum tempo que estou enrolando para escrever um texto sobre feminismo e sobre tudo que venho sentindo e aprendendo, nos últimos tempos. Eu sempre tive uma tendência feminista, mas aceitava o machismo como uma característica imutável da sociedade. Aceitava em mim, em algumas maneiras de pensar; aceitava nos outros, talvez porque não quisesse ser chata, extremista, ou porque não pensava muito nessas coisas. Mas então, um dia, você se depara com o julgamento que oprime, com as atitudes que invadem, com o machismo que mata. E você, sendo mulher, homem ou qualquer outra coisa, percebe que está apenas sendo conivente, apoiando tudo isso. E, sendo mulher, entende que poderia estar no lugar de qualquer uma dessas pessoas.
Há menos de um ano, eu aprendi uma palavra chamada sororidade, que é a mesma coisa que fraternidade, só que entre mulheres. Frater é irmão e sóror, irmã. São mulheres que se uniram em busca de um objetivo em comum. E nessa união, não falo só de agir como um time, mas como uma família. É comum a gente ouvir que "amizade entre mulheres é diferente, sempre existe competição" e isso é mais um absurdo que a sociedade enfiou na nossa cabeça e nós acabamos acreditando. A sociedade, as novelas, as músicas. Não sei você, mas as minhas amigas não competem entre si; elas têm orgulho umas das outras por suas conquistas, são sinceras, se apoiam e se amam. É esse amor que venho procurando na minha vida, hoje. Nunca falo em feminismo como uma luta contra os homens, mas contra a sociedade machista e em benefício de todos. Depois que você começa a reparar, passamos a encontrar o machismo em lugares que nunca pensamos encontrar. Aí você escuta que "mas você também vê machismo em tudo". Não sou eu que vejo; ele sempre esteve ali. Assim como a homofobia, ou o racismo. Eles existem, mas ninguém vê, porque é "normal". Porque eles sempre estiveram ali.
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Sororidade | | |
Aí você vê mulheres lutando pelo direito de poder sair na rua sem ser incomodada com uma cantada, sem ter medo de que invadam seu espaço e passem a mão, sem ter medo de ser confundida com um pedaço de carne que está ali para ser comido. E você desdenha. Você, mulher, alega que nada que elas façam vai mudar a sociedade. Hoje, você pode votar, você pode trabalhar, pode morar sozinha, mas continua dizendo que a sociedade não pode ser mudada. Aí você vê uma mulher usando roupa curta e desdenha. Você vê uma mulher gorda e desdenha. Você reclama que estão fazendo protesto contra os comerciais que objetificam o corpo da mulher. Você reclama que alguém não achou graça de uma piada que diz que mulher não sabe dirigir e você também pergunta a uma amiga por que ela veio dirigindo, se o namorado estava disponível. Você pergunta por que ela paga a conta, se o namorado pode pagar. Você tem pena de mulheres que estão solteiras, porque mulher sozinha é encalhada, é porque ninguém quer. Ou porque é "exigente demais". Você condena uma amiga porque ela não quer ter filho, mas condena também se ela tiver e não souber criar direito: "por que teve, então?". Você também condena o aborto, porque, se a mulher fez besteira, tem que arcar com as consequências. Você odeia as amigas do seu namorado: "são todas putas". Você odeia as ex-namoradas deles também. Se ele as traiu, foi culpa delas, nunca dele. Ele nunca faria isso com você, porque você é diferente. Você entende homens que traíram as namoradas, porque homens são assim mesmo, enquanto chama de puta as mulheres que traíram seus namorados. Homens são vítimas de seus instintos, mulheres apenas são fracas ou putas. Se você xinga uma mulher, chama de puta, porque liberdade sexual é condenável. Quando homens são imbecis, são filhos da puta, porque tem que o atingir xingando outra mulher. Ou chamando de "viado", comparando-o a uma mulher. Você chama feminista de "feminazi", comparando uma luta legítima, que
nunca matou ninguém (pelo contrário!), a uma ideologia em que pessoas
inocentes foram e ainda são assassinadas.
Amiga, você é machista. E não há nada mais triste que uma mulher machista, uma mulher que aceita obedientemente uma posição de inferioridade em relação aos homens. Mesmo que você não sinta essa inferioridade, que chame de outra coisa. O problema é que essa não é uma luta só sua; há pessoas que sofrem todos os dias com isso e você está prestando um desserviço a todas elas. É hora de repensar esses julgamentos, exercitar a nossa sororidade. Amemos mais as mulheres; nossas amigas, as amigas dos nossos amigos, as amigas dos nossos namorados. Até mulheres desconhecidas, na rua. Podemos nos ajudar a conquistar o nosso espaço. Aceitar os erros das outras, porque algum dia podem ser os nossos. Não é fácil, eu sei bem, porque vivemos numa sociedade que prega exatamente o contrário. Porque convivemos com pessoas que não pensam assim. Porque há até pessoas que dizem que machismo não existe, que você está exagerando. É um exercício diário. Mas podemos espalhar essa ideia e abraçar esse amor. O que temos a perder? Você vai ser mais crítica com o mundo, mas menos com as mulheres que a cerca. Você vai ganhar muitas amigas. Também vai encontrar apoio onde menos espera.
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Amiga, machismo mata, todos os dias. E você pode estar sendo cúmplice apenas por não se importar, ou dizer que ele não existe.
Imagens: Flickr - Creative Commons