terça-feira, 16 de março de 2010

Talento

— Ei!

— ...

— Pedro, porra!

— Que é?

— Porra, que demora!

— Se você não percebeu, estava tentando me concentrar aqui.

— Deixa de ser fresco e me diz a resposta da segunda.

— A segunda, eu não sei.

— E essa "concentração" toda era pra quê?

— Ah, vai se ferrar.

— Pergunta aí na frente.

— Porra, você quer que eu pergunte a quem?

— Qualquer pessoa, caramba. Aqui atrás só tem a Fabiana, que praticamente deita em cima da prova.

— Tenta olhar a de Carlos.

— Você não conhece a letra dele? Não dá pra decifrar nada daquele garrancho.

— Tá, eu vou ver o que posso fazer.


...


— E aí?

— Nada.

— Caramba, que povo burro!

— Claudinha estava dizendo que acha que tem a ver com aquela questão dos comprimentos de onda...

— Peraê, fala devagar. Com...pri...men...tos...de...on...da... O que mais?

— As faixas de luz invisível, ultravioleta, infravermelho...

— ... vermelho...

— Ei, não escreve o que eu estou dizendo, que eu não tenho certeza.

— Se daqui pro final a gente não descobrir, vai isso mesmo. E a terceira questão?

— Essa eu copiei de Roberta. Deu 9,7. Ou melhor, eu não sei se era 1 ou 7, mas parecia muito com 7 mesmo. Ela não coloca o tracinho, sabe?

— Tá. E a quarta?

— Letra c.

— Pegasse de quem?

— De Gabriela.

— É, então deve estar certo.

— Vê que sorte: consegui pegar o resto todinho dela, quando ela se levantou pra entregar.

— Perfeito, cara! Diz aí a sequência.

— B, d, d, c, d, a.

— "A"?

— Foi o que ela colocou.

— Mas eu jurava que era "b".

— Bom, eu vou deixar "a" mesmo.

— Ah, tanto faz. Vai ver era uma casca de banana.

— E a segunda questão?

— É mesmo... Vou ver se consigo pegar de Fabiana; ela se levantou de cima da prova pra pegar alguma coisa na bolsa e…


— DANIEL!

—... Sujou... SIM, professora?

— Por acaso o senhor está olhando para a prova da colega?

— Que é isso, professora? Só olhei pro lado para pensar.

— Sei, sei. Vocês acham que eu nasci ontem, mas eu estou vendo tudo daqui, sabia? Ainda bem que coloquei você e Pedro um em cada canto da sala, senão a fila ia rolar solta. Agora, vire para frente e olhe para a sua prova.

— Sim, senhora.


...


— E aí, conseguiu a segunda questão?

— É óbvio. Anota aí...


Conto baseado em fatos reais.

10 comentários:

Andréia Pires disse...

muito engraçado! :D

Bruno Portella disse...

Delícia. Curioso que o texto é totalmente regional, haha. Curti isso, você não deve ter feito propositadalmente, mas escreveu como fala e acabou ficando bem do Recife, achei demais!

Agora, não entendi muito bem como os dois estavam passando cola, se a professora colocou cada um em um canto.

Rebeca Amaral disse...

HEHE, pior que isso acontece demais, hein! Já passei por cada cilada por conta desse povo que fica pescando. Muito bom! Um beijo, flor

Mehazael disse...

Muito divertido. Gosto de histórias só em diálogo. São mais desafiadoras, é mais difícil de passar pro público, mas acho o resultado final ótimo quando dá certo. E se foi baseado em fatos reais, será que tu, Marina, não foi uma das participantes? hehehe
Como diz o ditado: quem não cola não sai da escola. Beijão!

Luciano A.Santos disse...

Me lembrei da faculdade, ah, que saudade! rsrs.

George Marques disse...

Excelente! Parece até um vórtice no tempo-espaço (nerd mode: on) do tipo: como ela não percebeu que eles colaram se estavam um em cada canto da sala (e ela não era surda)? Abre margens para muitas possibilidades. E ainda foi baseado em fatos reais. Sinistro xD

Eduardo Trindade disse...

Ficou muito bem escrito. E é interessante o que comentaram: tem uns detalhes bem regionais, e que ajudam a história a ficar mais fluida e coloquial.
Agora eu fiquei pensando foi no quanto esse tipo de "talento" existe mesmo, e não só nas salas de aula...
Abraços!

Dexter disse...

Isso me fez lembrar de mim mesmo na escola... rs!

Luciana L V Farias disse...

Isso me lembrou dois colegas meus colando em cantos diagonalmente opostos da sala, na prova de Filosofia, lá no segundo colegial, rsrsrsrsrs

C. Lisdália disse...

ótimo!!!!