— Moça! Moça! Pelo amor de Deus, moça, você está bem?
Não, ela não estava. As dores que sentia pelo corpo todo eram pouco além de insuportáveis. Apagaria tão logo tivesse forças para fechar os olhos. Sim, só mais alguns milímetros...
— Moça? Espera, não dorme. Você precisa ficar acordada.
Não dormir... Mas dormir seria tão fácil. Talvez as dores sumissem, talvez voltasse para casa... Casa... Tinha uma casa. Uma casa da qual ela cuidava, pessoas das quais ela cuidava. Não um lar; mas, ainda assim, uma casa. Queria dormir e voltar para casa.
— Moça, está me ouvindo? Qual o seu nome? Responde, moça.
Nome? Lembrava de uma vida, mas não de um nome. Lembrava de pessoas, da casa, do trabalho... Lembrava de um rosto pequeno, sorrindo para ela, e de vários rostos idosos em camas de hospital. Mas apenas o rosto pequeno insistia em permanecer na sua cabeça, como se pedisse que não o esquecesse. Alguém que precisava dela. Talvez a vida estivesse mais impregnada nela que o nome, do qual não se lembrava.
— O que foi que houve com ela?
— Não tive culpa! O sinal estava aberto. Ela estava atravessando a rua distraída e não viu meu carro. A cabeça dela está sangrando e ela não responde.
Pela fresta dos olhos, conseguia ver os dois rostos apreensivos observando-a. Alguém verificava suas vias aéreas superiores. Lembrava das etapas de primeiros socorros e a segunda pessoa aparentemente sabia o que estava fazendo. Devia ter formação médica. E ele chegou rápido; deviam estar próximos ao hospital. A outra pessoa era um homem e parecia perdido. Como ela.
— Ela vai ficar bem?
Não se lembrava, em toda a sua existência, de alguém se preocupar com ela. O socorrista lutava por sua vida, mas aquele homem a olhava com dolorosa preocupação, como se ele se importasse. Era um pensamento confortante: ter alguém que cuidasse dela, para variar. Os pais nunca foram muito atenciosos. O pai de seu filho a abandonara tão logo soube da gravidez. E o pequeno não tinha idade de cuidar de ninguém. A vida dela era cuidar de pessoas: o filho, doentes, idosos... Devia estar justamente saindo do plantão antes do acidente, cansada e sonolenta. Nunca esteve do outro lado. Adorou a sensação.

— Ela não parece bem. Melhor levá-la logo para a emergência. Vai entrar na cirurgia.
— Ela vai viver?
Ela sabia responder essa. Não sentia mais dor, a não ser o aperto no peito ao lembrar-se do rosto de seu filho. Segurou a mão do homem desconhecido, antes de ser erguida do chão. Queria se desculpar, mas só conseguiu sussurrar, com o pouco de forças que lhe restava:
— Artur... Cuide... dele.
Fechou os olhos.
"As folhas, quando caem,
nascem outras no lugar."*