quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Menininha

— Oi.

Com o susto, os olhos úmidos da menina se arregalaram e procuraram nervosamente a origem da voz. Vinha do outro lado da cerca, de onde aparecia somente a cabeça de um menino de cabelos lisos despenteados e olhos cinzentos. Ela não gostava de chorar na frente das pessoas e ficou com vergonha do seu espectador.

— Quem é você?

— Sou seu vizinho. Meu nome é Lucas.

Ela não disse nada. Com os olhos, procurou sua babá, que havia desaparecido, antes do surgimento da cabeça inconveniente por cima da cerca-viva.

— Qual é o seu nome?

Ela voltou a olhar para ele, sentindo-se um pouco contrariada, tanto pela insistência do garoto, quando pelo sumiço da babá.

— Cecília.

— Seu irmão está doente, não é?

Os olhos de Cecília encheram-se de água e ela mordeu o lábio, fazendo força para não chorar.

— Não, ele está bem — ela disse, com grosseria.

Lucas ficou confuso.

— Não foi o que a minha mãe disse.

— Ele só está dormindo — Cecília apressou-se a explicar. — Ele vai acordar logo.

E com a escassa sabedoria de sua pouca idade, Lucas entendeu. E teve pena.

— Claro que vai.

— Ele sempre dorme muito, é normal.

— Ele deve gostar muito de você.

— Não sei, ele gosta de esconder minhas bonecas.

— Ah, aposto que é só de brincadeira. Pode perguntar à sua mãe, ela vai dizer.

O bico que Cecília fazia para não chorar ficou maior.

— Minha mãe não fala.

Lucas inclinou a cabeça pro lado.

— Ela é muda?

— Ela não fala nada desde que Nathan começou a dormir.


"Menininha, você e eu sabemos

Que as tristezas vêm e vão e só as cicatrizes ficam

Você voltará a dançar outra vez

E a dor terá fim."


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