segunda-feira, 30 de agosto de 2010

De pressa

É engraçado espiar nossa própria vida naqueles raros momentos em que nos damos conta de que não temos pensado muito nela ultimamente. Pensar na vida dá preguiça; implica descobrir coisas erradas e que precisam ser mudadas. E mudar dá trabalho, gasta um tempo que nem sempre possuímos. Ou um tempo que está sendo economizado pelo próprio problema. Hoje, percebi que ando vítima da pressa.

Mas não é um problema só meu e, talvez por isso mesmo, seja um problema meu também. Quero dizer, você acaba ficando vulnerável ao meio que frequenta. É como quando você está caminhando, andando na sua marcha normal, então olha em volta e vê todo mundo correndo. Você termina acelerando um pouco, sem perceber e, quando percebe, está desembestado na correria também. Se estiver de carro, se vê buzinando pro veículo à frente poucos milésimos de segundo depois do sinal ficar verde. Se estiver andando na calçada ou no shopping, se encontra impaciente atrás de uma velhinha ou de um casal de namorados que se arrasta pra chegar ao cinema.

É meio cansativo estar sempre correndo. Não falo nem só de correr de verdade; mas da ideia de se pensar em estar sempre perdendo tempo por fazer algo aparentemente inútil: relendo um livro divertido, lendo gibi, jogando videogame ou bebendo e conversando besteira com amigos. Enquanto se poderia estar lendo algo que vá render trocas de ideias interessantes, nos mesmos encontros com amigos, ou estudando, ou trabalhando. Convenhamos, é muito cansativo.

O pior é que, nesse caso, perceber o problema não vai necessariamente me fazer tomar alguma atitude. Pressa é uma mania e, como toda, precisa de um bom motivo para se lutar contra. Mesmo porque ela é quase útil, nesse mundo em que as notícias chegam a nós quase antes do acontecimento em si. Mas seria bom um pouco de paz e diversão, para variar. Preciso desacelerar.

"Pra que tanta pressa de chegar, se eu sei o jeito e o lugar?"

Imagem: fotolia

sábado, 21 de agosto de 2010

Nostalgia

Anos depois, nos encontramos. Eu o avistei primeiro, conversando e rindo com um punhado de amigos, do outro lado da calçada. Fazia tempo, então demorei um pouco reconhecendo os traços, analisando a postura, a risada familiar. Era o mesmo som claro e descontraído de que eu me lembrava. Mas eu só tive certeza quando nossos olhares se cruzaram.
Nesse instante, senti tudo voltar. Tudo; nossos planos, nossos sonhos, as noites em claro falando ao telefone. Começávamos sussurrando, para não acordar nossos pais. Levando bronca deles a cada gargalhada alta que saía sem querer. Nunca fomos muito silenciosos, nenhum dos dois. Competíamos pela hora de falar, cada um querendo contar as novidades do dia, mesmo querendo saber do outro. E, na disputa sem sentido, acabávamos aumentando o volume da voz sem perceber. Daqui a pouco, estávamos berrando e gargalhando em plena madrugada.
Nunca fomos discretos. Éramos impossíveis, assim diziam no colégio. Achamos divertido, na época. Nossos sonhos combinavam, assim como nossos temperamentos. Adorávamos a vida, a aventura. Acreditávamos plenamente na felicidade que conquistaríamos juntos. E conquistamos, por algum tempo.
Vi você sorrir tantas vezes, naqueles dias, e vi você sorrir agora, anos depois. Era o mesmo sorriso, embora melancólico agora. Era também o mesmo sorriso que eu sabia tomar forma em meus lábios. Sorrisos de quem tem muita história e nenhum assunto. Foi recíproco, não tentamos nos falar. Apenas nos olhamos, nos reconhecemos e fomos embora. Cada um pensando em como teria sido.

"Já faz tempo, eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida
Essa lembrança é o quadro que dói mais"*
Imagem: GettyImages

domingo, 15 de agosto de 2010

Figura de linguagem

Numa conversa no MSN com ZeH, sobre figuras de linguagem (não me perguntem como chegamos a falar sobre isso; só o histórico do messenger sabe), começamos a discutir sobre as figuras de que lembrávamos e procurar outras mais malucas. Dos resultados da pesquisa, as melhores foram "epizêuxis", "matiazite", "lítotes" e "zeugma". E, como em toda pesquisa inútil, nem me lembro mais pra que servem. A única lição que tiramos dessa história foi que, de acordo com figuras como o "barbarismo" e o "idiotismo" não mais se comete erros de português, faz-se uso de figuras de linguagem.

Em algum ponto da conversa, saímos do tema e passamos a reclamar da vida, como de praxe:

— Agora é moda se sentir deslocado. Um estranho na terra.

— É. A pessoa olha pro seu próprio umbigo, olha pro mundo e pensa: "esse mundo tá errado".

— Se antes a ideia era se adequar, agora cool é ser diferente, único.

— Chama-se "umbiguismo".

— É. Só mais uma figura de linguagem.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Insanidade

Difícil mesmo é decifrar vontades e diferenciá-las daquelas obrigações que se faz tanto que se termina achando que se gosta. Somos mais felizes ou infelizes sem saber? Os pensamentos que ora rondam a minha cabeça não fazem muito sentido. E, mesmo com toda a lógica das palavras, nem mesmo o que eu falo ou escrevo faz o menor sentido.
Às vezes, me sinto um louco que foi privado do manicômio. Ou que foi privado da própria loucura, seu maior vício.

"Deixa a minha insanidade, é tudo que me resta
Só na minha voz não mexa, eu mesmo silencio"

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Em um baile qualquer...

— Quem é ele?

— Um amigo.

— Só amigo? Do jeito que vocês dançavam, parecia muito mais.

— Ora, francamente...

— Sabia que o cara tem namorada?

— Eu sei. E já disse que somos amigos.

— Vi o jeito que você olhava para ele.

— Não tenho que dar explicações a você. Não sou mais sua namorada.

— Estou falando como amigo. Não queria ver você sofrer.

Ela suspirou e baixou a guarda.

— Desculpa. Mas é sério, não tenho nada com ele.

— Ele faz seu tipo.

— Não faz. Ele é bonito demais.

— Está querendo dizer que eu não sou bonito?

Ela riu.

— Você não tem jeito, sabia?

Ele riu também.

— Sabia. Então, dança a próxima comigo?



"Afogar as miragens de um amor
que a gente tenta, em vão, tocar"


Imagem: GettyImages