sexta-feira, 29 de abril de 2011

Teorias

A teoria é a seguinte: se você não tem medo de rã, uma rã nunca grudará na sua coxa ou nas suas panturrilhas; Se você não tem medo de lagartixa, uma nunca passará por cima do seu pé; Se você não tem medo de barata, uma nunca subirá pela sua perna, entrará na sua roupa ou passeará em cima de você quando você estiver dormindo. Eu tenho medo de barata. Sim, uma já subiu pela minha perna. Sim, uma já sapateou em cima de mim enquanto eu dormia. E tantos eventos felizes mais.

Esses episódios aconteceram na época em que eu morava em uma casa e, além do fato de ser menos seguro que um apartamento, este é um dos principais motivos pelos quais eu não tenho a mínima vontade de voltar a morar em uma casa, com jardim, quintal, árvores e insetos.

O primeiro episódio foi quando eu saía do banho. O banheiro era famoso por servir de morada para uma família particularmente numerosa de baratas, mas eu pensei que a cosquinha na perna era um fio solto da toalha. Só que ele estava subindo, subindo...

O segundo episódio foi numa época em que o mosquito da dengue estava bombando e minha mãe terminou colocando cortinado (mosquiteiro, como dizem alguns) em todas as camas da casa. Eu me sentia muito segura usando aquela cápsula contra insetos, até o dia em que, de alguma maneira, uma barata conseguiu entrar. Acordei no meio da madrugada me coçando. Quando acendi a luz, ela estava lá, bela e cascuda, passeando pelos buraquinhos, do lado de dentro do cortinado. Saí da cama muda, rápida e o mais discretamente possível para não assustar a nojenta e ela não pular de novo em cima de mim, e fui acordar meu irmão. Exigi a morte dela. Se fosse uma lagartixa ou uma rã, eu ia pedir somente pra ele jogar no quintal. Mas barata tem que ser esmagada (descarregar o tubo de Raid em cima dela não funciona, ela fica com as patinhas asquerosas pro ar se mexendo) para eu poder voltar a ser feliz de novo. Menos uma no mundo. Eu teria tomado um banho antes de voltar dormir, mas, como eu disse anteriormente, o banheiro era o reino das baratas e eu estava traumatizada. Acho que não dormi o resto da noite.

Hoje, eu vi uma barata albina e manca. E você? Você aí, que nunca teve medo de barata, já viu uma barata albina e manca? Não, né?

Imagem: GettyImages

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Sem brilho

E nos seus olhos, o vazio. Era viva, porém morta. Viva, pois andava, ria, falava, dormia. Morta, pois tinha perdido todo o brilho de antes. Ria, sim, ria. Mas o sorriso não alcançava os olhos. Ria, mas era apenas um amontoado de músculos contraídos, que virariam rugas. Os olhos não tinham rugas. Não sorriam.

Era seu brilho que costumava aproximar as pessoas. Havia sempre pessoas em volta, como mariposas encantadas com a luz. Mas como toda luz, precisava de energia e esta foi se rarefazendo, se extinguindo, até não restar nada. Nem faísca para acender uma vela. E as mariposas foram sumindo, à procura de calor.

E nela, sem brilho, restou só o vazio. Desistiu.

"Once upon a time, there was light in my life
(Turn around, bright eyes)
"*

terça-feira, 12 de abril de 2011

Now


— Tell me you love me! Tell me you love me now!
— I love you now.

*Trecho do filme Encontro Marcado.

sábado, 2 de abril de 2011

Do outro lado

— Moça! Moça! Pelo amor de Deus, moça, você está bem?

Não, ela não estava. As dores que sentia pelo corpo todo eram pouco além de insuportáveis. Apagaria tão logo tivesse forças para fechar os olhos. Sim, só mais alguns milímetros...

— Moça? Espera, não dorme. Você precisa ficar acordada.

Não dormir... Mas dormir seria tão fácil. Talvez as dores sumissem, talvez voltasse para casa... Casa... Tinha uma casa. Uma casa da qual ela cuidava, pessoas das quais ela cuidava. Não um lar; mas, ainda assim, uma casa. Queria dormir e voltar para casa.

— Moça, está me ouvindo? Qual o seu nome? Responde, moça.

Nome? Lembrava de uma vida, mas não de um nome. Lembrava de pessoas, da casa, do trabalho... Lembrava de um rosto pequeno, sorrindo para ela, e de vários rostos idosos em camas de hospital. Mas apenas o rosto pequeno insistia em permanecer na sua cabeça, como se pedisse que não o esquecesse. Alguém que precisava dela. Talvez a vida estivesse mais impregnada nela que o nome, do qual não se lembrava.

— O que foi que houve com ela?
— Não tive culpa! O sinal estava aberto. Ela estava atravessando a rua distraída e não viu meu carro. A cabeça dela está sangrando e ela não responde.

Pela fresta dos olhos, conseguia ver os dois rostos apreensivos observando-a. Alguém verificava suas vias aéreas superiores. Lembrava das etapas de primeiros socorros e a segunda pessoa aparentemente sabia o que estava fazendo. Devia ter formação médica. E ele chegou rápido; deviam estar próximos ao hospital. A outra pessoa era um homem e parecia perdido. Como ela.

— Ela vai ficar bem?

Não se lembrava, em toda a sua existência, de alguém se preocupar com ela. O socorrista lutava por sua vida, mas aquele homem a olhava com dolorosa preocupação, como se ele se importasse. Era um pensamento confortante: ter alguém que cuidasse dela, para variar. Os pais nunca foram muito atenciosos. O pai de seu filho a abandonara tão logo soube da gravidez. E o pequeno não tinha idade de cuidar de ninguém. A vida dela era cuidar de pessoas: o filho, doentes, idosos... Devia estar justamente saindo do plantão antes do acidente, cansada e sonolenta. Nunca esteve do outro lado. Adorou a sensação.

— Ela não parece bem. Melhor levá-la logo para a emergência. Vai entrar na cirurgia.
— Ela vai viver?

Ela sabia responder essa. Não sentia mais dor, a não ser o aperto no peito ao lembrar-se do rosto de seu filho. Segurou a mão do homem desconhecido, antes de ser erguida do chão. Queria se desculpar, mas só conseguiu sussurrar, com o pouco de forças que lhe restava:

— Artur... Cuide... dele.

Fechou os olhos.


"As folhas, quando caem,
nascem outras no lugar."*
Imagem: GettyImages
*Música: Folhas de outono