sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Um cAUso

Dizem que cachorros sentem as nossas emoções e agem de acordo com elas. Ouvi uma pessoa falar sobre isso hoje e lembrei de um episódio que aconteceu comigo, há alguns anos.

Fazia apenas alguns dias que Willy, meu yorkshire, tinha acabado de morrer. E eu fui visitar meu primo, que tinha um cachorro. Por acaso, ele também era um yorkshire e já tinha esbarrado com o meu em algumas ocasiões, na praia. Na mesma hora eu lembrei de Willy e fiquei bem triste. Existe uma espécie de vazio que um bichinho deixa na gente e não é facilmente preenchido.

Eu conhecia o cachorrinho do meu primo e sabia que ele tinha uma personalidade bem diferente de Willy, que era amigável com estranhos. O york dele era manso, mas não era de fazer festinha ou ser carinhoso com quem não era o dono.

Só que, neste dia, algo aconteceu. Eu estava sentada numa cadeira e o cachorro olhou para mim, que tentava fazer um carinho nele, já sabendo que seria ignorada. Então, ele pulou no meu colo. E suportou o carinho por algum tempo, até que desceu. Meu primo ficou confuso, dizendo que não era do feitio do cachorro. Mas ele foi o primeiro a entender:

- Cães sentem quando a gente está triste - ele disse. - Eles entendem.

E é verdade, ele entendeu. Entendeu o vazio que havia e que ele podia aliviar me dando um segundo do carinho dele.

E ele me deu.

Willy

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

O primeiro passo

Há algo de mórbido em se interessar por uma pessoa porque ela parece triste. Mas eu admito que me aproximei dela porque algo na expressão desamparada e nas lágrimas silenciosas me despertou a irresistível vontade de salvá-la. De ser seu protetor, abraçá-la, arrancar tudo o que se passava de ruim dentro dela e levar um sorriso àquele rosto.

Ela estava num bar, tomando o que parecia ser a sétima dose se tequila. Tequila era uma bebida conhecida por ser tomada em comemorações; quando alguém passava em um concurso, quando se formava na faculdade, quando seu melhor amigo anunciava que ia se casar. Mas eu sabia que ela não devia estar comemorando nada, era meio óbvio. Mesmo assim, por algum motivo, ela virou mais uma dose dos copos enfileirados à sua frente e enfiou um pedaço de limão na boca.

Seu olhar estava perdido nas garrafas da prateleira do bar, à sua frente. Não que ela as observasse; era como se o olhar sem cor passasse através dos rótulos amarelados. Ela estava ali e não estava. Talvez não quisesse estar. Mas eu queria. Queria que ela visse o que passava ao seu redor, queria que ela olhasse e realmente enxergasse alguma coisa. Queria chamá-la de volta à vida. Vida que ela estava perdendo nesses instantes de autopiedade.

Queria que ela me visse.

Não sei como consegui dar o primeiro passo, mas depois dele foi fácil chegar até ela. Aquele primeiro passo foi talvez o mais difícil da minha vida. Mas nunca me arrependi.
Imagem: Flickr - Creative Commons
"Don't you cry tonight"

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Essa é uma postagem do Projeto 642 coisas - 210. Eu não me arrependo.