quinta-feira, 30 de abril de 2015

Resenha: A Hora da Estrela

Alguns comentarão "como assim você nunca leu A Hora da Estrela antes?" É verdade, eu li outros dois livros de Clarice Lispector, mas ainda não tinha lido este. Por nada, só não tinha encontrado para pegar emprestado e nunca lembrava de comprar. Fui adiando, como tantos outros livros na nossa vida. Eis que chegou a hora.

Várias pessoas me disseram que este talvez fosse o melhor livro dela. Certamente o mais famoso, adaptado para o cinema e tudo mais. Mas preciso dizer que não gostei. Esperei mais. A narrativa já era minha conhecida, a dos outros dois livros que eu li dela. Desta vez, quem conta a história é um narrador chamado Rodrigo S. M., narrador observador, que conta em terceira pessoa a história de Macabéa. A personagem principal é uma nordestina, alagoana, simples e que não tem muita coisa de especial. O narrador não faz parte da vida dela, é apenas um observador que resolveu por algum motivo contar a história dela.

Mais da metade do livro consiste em Rodrigo se explicando por que escreve e por que resolveu escrever justamente sobre Macabéa. Enquanto não escreve, ele demonstra o desdém típico da classe média carioca pela humilde imigrante nordestina. Eu entendi o motivo por trás disso, mas não torna o livro menos chato. Eu adoro a escrita de Clarice Lispector; mas, gente, é mais da metade do livro só, digamos, enrolando para não contar a história. Eu sei que a ideia era Macabéa só ser importante na hora certa e Rodrigo ser um personagem secundário, apesar de narrador, com sua história e caráter a serem descritos. Mesmo assim, nada disso me ajudou a gostar do livro. Para mim, ele só para de se arrastar da metade pro final.

Depois de ler obras lindas como Perto do Coração Selvagem e Laços de Família, eu confesso que fiquei decepcionada. Mas eu tive que ler para saber disso. É um livro curto, pelo menos. E nunca é desperdício ler as belas palavras de Clarice.

"Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isso é ser uma pessoa?"

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Essa é uma resenha para o mês de abril do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro escrito por uma mulher. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Resenha: A Droga da Amizade

Anos depois de lançar a série de livros dos Karas, Pedro Bandeira resolveu escrever mais um livro sobre os heróis da minha infância: A Droga da Amizade. Como o autor terminou vindo à minha cidade para promover o livro, eu aproveitei e consegui um autógrafo e uma foto com ele. Enquanto o via divagar sobre o livro e responder perguntas, várias vezes senti um nó na garganta, de nostalgia pura. É isso que é essa série inteira para mim: nostalgia. Olhos enchendo de lágrimas ao lembrar do tempo em que eu li pela primeira vez cada um desses livros.

Ele conta a história de como os Karas estão agora: adultos, com filhos. Esperando para fazer um discurso importante, Miguel relembra como surgiu o grupo e nos conta também alguns acontecimentos curtos passados, que não foram narrados nos outros livros. São como contos. É interessante, feito especialmente para fãs. Mas, se você espera uma história como as outras, vai se frustrar bastante. Eu não esperava nada, porque já tinha lido várias sinopses e ouvi Pedro Bandeira contando sobre o processo de desenvolvimento do livro. Então, eu sabia bem o que esperar. Terminei de ler em poucas horas, visto que a linguagem é aquela de sempre, escrita para crianças.

O livro termina com duas surpresas, que obviamente não vou contar. Só vou dizer que uma me surpreendeu e a outra não. Mas as duas me trouxeram lágrimas de nostalgia. Deu vontade de ler tudo de novo; esquecer que tenho 29, e não 9, anos de idade e amar de novo esse grupo, que também é meu e de todos aqueles que cresceram junto com ele. Visitar de novo os meus amigos em suas aventuras contra a máfia, contra os nazistas, contra drogas imbecilizantes. Decifrar os códigos, solucionar mistérios, usar disfarces.

Não me entendam mal; não estou indicando o livro para ninguém ler. É um livro sobre lembranças. Ninguém que não tenha essas lembranças vai dar algum valor a ele. Mas, se você as tem, vale ler o livro. Não vai ser a melhor coisa que você vai ler no ano, mas em duas horinhas você termina. E vai descobrir o que se tornaram nossos amigos de infância, agora adultos.

'Fanzices' à parte, preciso dizer que não gostei das capas dessas novas edições. Sério, vejam que linda essa edição antiga da Droga do Amor.


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Essa é uma resenha para o mês de abril do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro com a capa feia. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

domingo, 12 de abril de 2015

Resenha: O Elevador Ersatz

As desgraças na vida de Violet, Klaus e Sunny Baudelaire começam quando eles perdem os pais em um incêndio e são obrigados a mudar de lar várias vezes por causa de um homem horrível chamado Conde Olaf, que quer tomar a fortuna deles. Neste volume, eles se mudam para o apartamento de cobertura do casal Esmé e Jerome Squalor, um pessoal preocupado demais com as aparências. É claro que o Conde Olaf aparece para estragar o que já não eram as mil maravilhas do mundo.

O Elevador Ersatz é o sexto livro do Desventuras em Série, de Lemony Snicket (pseudônimo de Daniel Handler), cujos treze volumes contam a triste história dos órfãos Baudelaire. Os três primeiros volumes foram adaptados em um filme, com algumas modificações no enredo, mas uma das poucas adaptações de que eu gosto. Inclusive, conta com um elenco impecável, com Meryl Streep, Jude Law, Jim Carrey. O filme manteve bem o tom dos livros: melancólico, meio sarcástico, meio escrito para crianças. O que mata é a atuação exagerada de Jim Carrey, que achei desnecessária.

Há quem diga que não gosta da escrita desses livros porque parece infantil demais. Eu discordo. Acho que Daniel Handler conseguiu um equilíbrio interessante entre uma narrativa escrita para crianças e um vocabulário rebuscado, mesmo que ele sempre acabe explicando as palavras mais complicadas logo depois de usá-las. Mas a escrita é bem peculiar e eu gosto de autores que conseguem fazer uma coisa diferente, que conseguem colocar sua marca naquilo que escreve. Daniel Handler fez mais que isso e, sob o pseudônimo de Lemony Snicket, virou personagem em seus próprios livros, se colocando como narrador-personagem que conheceu pessoalmente os órfãos Baudelaire, testemunhou suas infelicidades e sofreu suas próprias perdas na história.

Segundo eu li, o pseudônimo surgiu como um nome que Handler utilizava numa lista de correio de organizações de extrema direita que ele pesquisava para um de seus livros. Depois, virou uma brincadeira entre os amigos, que começaram a pedir pizza com o nome. Então ele virou narrador das histórias dos Baudelaire (assim como de dois outros livros e também escreveu a introdução de um livro de contos), das quais ele também faz parte, assim como Beatrice, a mulher que ele amava e, aparentemente, não se encontra mais entre nós.

Apesar dessas coisas legais todas, depois de ler seis livros dessa série, confesso que enjoei um pouco do enredo. Porque é quase sempre o mesmo: (spoiler alert)* os órfãos chegam a um novo lar, às vezes bom, às vezes péssimo; então vem o Conde Olaf, com um disfarce doido que convence todo mundo, menos as três crianças, e eles terminam bolando um plano para acabar com o disfarce e prender o vilão, mas ele consegue escapar. Com algumas pequenas mudanças em cada livro. Dá agonia também de como nenhum dos tutores acredita nos órfãos; parece uma coisa meio sem sentido para mim. Como se todos os adultos fizessem pouco caso do que as crianças dizem. Acho que havia outras maneiras de fazer isso ficar aceitável. (/spoiler alert) Mas, de modo geral - pesando os prós e os contras - eu gosto bastante da série.


"... a tabela dos elementos não contém um dos elementos mais poderosos que
formam o nosso mundo, e este é o elemento surpresa."



*Se você nunca leu nenhum livro da série e não gostar de spoilers, melhor não ler o trecho em cinza.

Update: Quis reescrever essa resenha inteira depois de ler este artigo aqui, mas não o fiz porque pretendo ler outro livro da série e corrigir minha injustiça na próxima resenha.


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Essa é uma resenha para o mês de abril do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro com a capa alaranjada. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Distração*

No balcão do bar, ela chorava e ninguém entendia o que se passava. Fora largada ali mesmo por causa do seu mais insistente defeito. Mais incômodo.

Era recorrente: de repente, no meio de uma conversa qualquer, ela simplesmente se distraía com o som de um passarinho, ou de uma melodia ambiente. Era estranha a relação que ela tinha com a música. Nunca aprendera nenhum instrumento. Nunca teve talento para canto. Ela apenas tinha um apreço pela música que era acima do normal. E estaria tudo bem, se não interferisse na sua vida.

O problema era que, às vezes, estava realmente fazendo coisas importantes, quando se distraía com algum acorde. Às vezes, estava ouvindo uma ordem de seu chefe e o celular de alguém começava a tocar. Música. Perdia o resto da explicação. Terminava cometendo um punhado de erros, sem nem perceber. Agora, tinha sido o namorado, que começara uma briga quando, enquanto contava algo de seu dia, percebeu que ela não mais prestava atenção. E foi embora, deixando-a sozinha.

Ela sofria, enquanto considerava. Os namoros nunca duravam. Agora, no bar, uma ou duas doses de whisky depois, ela chorava a recente decepção. Então ouviu o som, o mesmo que a distraíra momentos antes. Não era mais música; naquele seu nível de tristeza, parecia mais que isso. Era lindo. À medida que as notas prosseguiam, sua tristeza ia diminuindo. E ela soube: havia um motivo pelo qual a música a distraía tanto. Nunca encontrara nada tão lindo quanto ela; nem a voz do chefe, nem o ex-namorado. Nem a dor era tão linda. Esqueceu-os.

"We've been together for such a long time now
Music and me"

Imagem: Be Quiet

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*Texto publicado pela primeira vez em fevereiro de 2011

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Resenha: Erêndira

O título completo do livro é "A incrível e triste história da Cândida Erêndira e sua avó desalmada". Peguei esse livro para ler porque adoro Gabriel García Márquez e porque minha amiga Gaby me emprestou. Eu sabia apenas que era um livro de contos. Mas claro que ia ser bom, afinal era Gabriel García Márquez.

São sete contos, cada um com poucas páginas; apenas o último, o que dá nome ao livro, que é maiorzinho, com umas 50 páginas. Eu confesso que não gosto muito de livros de contos e olha... Eu adorei vários livros dele, acho que amo todos que eu li até agora, mas esse aqui é uma das coisas mais lindas que eu já li na vida. Os cenários são aqueles de sempre: algum lugar numa cidadezinha qualquer pobre e quente da América Latina. Alguns tinham praia, alguns eram só deserto; mas todos ilustravam uma realidade dura, miserável, com o seu povo pobre e triste. Alguns contos são perversos, outros engraçados, outros românticos, sarcásticos. Mas o que me fez ficar encantada com o livro é aquela coisa de sempre de Gabriel, só que melhor: o realismo fantástico quando aparece em forma de coisas belas, em meio a toda aquela pobreza e gente triste, sem esperança. É o cheiro de rosas no meio de uma cidade que cheirava mal; as flores que flutuavam no mar; um navio fantasma; um homem com asas; um defunto que era mais bonito que todos os vivos da cidade.

O meu conto preferido foi "O Mar do Tempo Perdido". Eu li e reli umas duas vezes no mesmo dia, uma atrás da outra. Mas todos têm suas peculiaridades, que fazem você sentir um carinho imenso pelo livro, daqueles que dá vontade de abraçar. Acho que só tinha sentido algo assim pelo Oceano no fim do caminho, de Gaiman. É um estilo bem diferente, não me entendam mal; mas os dois têm aquela parte de fantasia, a parte bonita que faz você sentir carinho pelo livro. Aquela parte que corta a realidade fria e transforma tudo em algo agradável de imaginar. E as palavras de Gabriel encantam demais; você fica querendo ler a mesma frase várias vezes, para não perder nada. É lindo demais. Só lendo para saber.

"No fundo do mar, há um povoado de casinhas brancas com milhões de flores nos terraços."

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Essa é uma resenha para o mês de abril do Desafio Literário do Tigre de 2015, do blog da Tadsh: um livro emprestado. Para saber mais sobre o desafio, entre na fanpage ou saiba mais no blog.