terça-feira, 27 de outubro de 2009

O pequeno

Quem escolheu seu nome foi meu irmão mais velho. Eu escolheria, se fosse menina. Sempre quis uma menina para brincar, mas veio ele. No início, eu não gostei, mas acabei acostumando. Só bem depois, percebi que gostava dele assim mesmo. Ou até porque não fosse menina e, por isso, a gente nunca brigasse muito. Nunca me dei muito bem com meninas mimadas; ninguém gosta de lidar com os próprios defeitos.

Era tão pequeno, mesmo quando eu também era bem pequena. Eu vivia com medo de que alguém não o segurasse direito e ele se quebrasse, então ficava sempre por perto. Nunca quebrou. Mas eu não tirava os olhos vigilantes dele, pensando que podia chorar a qualquer momento. Chorava pouco. Sempre foi mais forte que eu.

Enquanto crescia, tagarelava demais, mas trocava letras. Se dependesse da minha mãe, ele nunca falaria certo; ela achava lindo aquele vocabulário estilo Cebolinha. Eu fui sua professora, quando precisou de ajuda em português. Também fui eu quem lhe dei o primeiro livro. Se ele gosta de ler, um pouco (bem pouco) que seja, é por minha causa. E eu devo ter alguma culpa por ele ter passado tão bem no primeiro vestibular.

Hoje, ele faz 20 anos de idade. Está maior que eu, mas ainda insisto em chamá-lo de "meu irmão pequeno". Algumas coisas nunca mudam.


"Faça um sinal, cante uma canção
Do alto coração
Mais alto coração..."

Imagem:
stock.xchng

sábado, 17 de outubro de 2009

Ao telefone

— Alô?
— Alô.
— Quem fala?
— Eu.
— Com quem quer falar, por gentileza?
— Com você.
— Comigo? Quem fala?
— Eu falo. Você fala também.
— Ora, eu tenho mais o que fazer! Com licença...
— Não, não desligue, por favor!
— ...
— Está aí ainda?
— Estou. O que você quer?
— Apenas conversar. Você se importa?
— Claro que me importo. Você não tem amigos?
— Até tenho. Mas eles não me entenderiam. Só tenho uma amiga que entenderia, mas ela não fala mais comigo. E eu preciso mesmo conversar com alguém.
— Por que eu?
— Sei lá, destino, acho. Você está ocupada?
— Estava estudando. Tenho prova amanhã.
— Eu tenho também. Mas não estou me importando.
— Acontece que eu estou me importando. Você pode até ser um irresponsável, mas eu não sou.
— Não pode parar apenas por uns minutos?
— Sobre o que você quer conversar?
— Problemas.
— Isso é óbvio. Já ouviu falar em alguém desesperado para conversar banalidades com alguém?
— Ora, não seja rabugenta.
— Então pare de enrolar e diga logo o que você quer!
— Se for escutar nessa má vontade, eu não quero mais.
— Ótimo! Adeus!
— Não! Não desligue! Está bem, eu falo. Mas prometa que não vai ser muito dura comigo.
— Não prometo nada.
— Puxa, você não cede um milímetro, hein?
— Ainda estou aqui, não estou? Então reclame menos e comece de uma vez essa história.
— Está bem! É o seguinte...
— ... Então?
— Calma. Estou pensando como começar.
— Ai, céus!
— Você está sentada?
— Não.
— Então sente, que a história é longa.
— Você quer testar mesmo minha paciência, não?
— Sentou? Então. Eu conheci uma garota...
— Logo vi.
— Hein? Como assim?
— Problemas com mulheres. Típico. Vocês homens são todos iguais mesmo.
— Quer que eu continue ou não?
— Eu não interrompi.
— Ah, não?
— Você fez uma pausa. Julguei que quisesse um comentário meu.
— Quando eu quiser um comentário, eu peço.
— Não precisa ficar nervosinho!
— Você que veio com o papo de que homens são todos iguais.
— É a verdade!
— Ah, não vou discutir isso com você agora.
— Então pare de besteira e continue logo essa história.
— Continuar… Você nem me deixou começar ainda! Nem sei mais onde estava...
— Eu ajudo. Você havia dito: “eu conheci uma garota”.
— Eu sei o que disse.
— Então por que perguntou?
— Eu perguntei?
— Claro que perguntou!
— Ah, não importa. Eu conheci uma garota…
— Você já disse isso.
— Dá para ficar calada?
— Não me mande ficar calada! Eu estou aqui fazendo um favor.
— Se você ficar quieta, mais cedo terminamos e mais cedo você volta aos seus livros.
— Ok. Vá em frente.
— Eu conheci uma gar...
— Tá, e daí?
— Faz algum tempo.
— Alguns meses?
— Alguns anos.
— Nossa! Esse tempo todo de amor platônico?
— Quem falou em amor?
— Sei lá, eu pensei...
— Não pense. Mulheres não foram feitas para isso.
— Olhe aqui...
— É brincadeira! É brincadeira!
— Se essa garota deixou você, posso entender por quê. Você é um machista!
— Já disse que estava brincando.
— Eu não tenho tempo nem paciência para brincadeiras.
— Tá, mal humorada! Essa garota tornou-se uma grande amiga. Mais que isso; ela se tornou minha melhor amiga.
— Ah! É aquela que não fala mais com você? Posso entender por quê, também.
— Vou ignorar seu comentário. É ela mesma. Minha melhor amiga.
— Quer dizer que aquela que ouviria seu problema, caso você não estivesse brigado com ela, é exatamente o problema?
— É, mais ou menos isso.
— Está vendo que eu sei pensar?
— Nossa, estou admirado!
— Sem ironias, por favor. Por que ela não fala mais com você?
— É um pouco complicado...
— Com certeza a culpa é sua.
— Vocês mulheres sempre se defendem.
— Afinal, o que houve?
— Bem... Eu tinha uma namorada...
— Tinha?
— Sim, tinha. Acabou.
— Ah, certo.
— E essa amiga não gostava dela.
— Assim, sem motivo?
— Eu achava que sim.
— E não era?
— Ela me traía.
— E sua amiga sabia?
— Ela que me disse.
— E você não acreditou.
— Eu gostava muito dela! Tive que vê-la com outro para cair a ficha. Foi terrível, se quer saber.
— Você é um idiota.
— Também não precisa humilhar!
— E você quer que eu diga que você está certo? Pensei que quisesse alguém que lhe dissesse a verdade. Além do mais, eu não sei agir de outra forma. Já deve ter muita gente passando a mão na sua cabeça por ter sido tão cruelmente traído.
— É verdade. Não sei onde estava com a cabeça, quando liguei para você.
— E, no final, a culpa foi sua mesmo, como eu pensava.
— Eu realmente não deveria ter ligado para você.
— Concordo plenamente. Mas já que ligou, o que quer de mim?
— Compreensão. Ajude-me.
— Em relação a quê?
— A tudo. A qualquer coisa.
— Em outras palavras, você quer uma amiga.
— Isso.
— E você quer uma amiga mal humorada?
— Sim.
— E sincera ao extremo, para apontar cada um dos seus erros?
— Não quero nada menos que isso.
— E vai aceitá-la assim, do jeito que ela é?
— De qualquer jeito.
— E não vai dar mancada com ela?
— Farei o impossível.
— Então admite, pelo menos uma vez na vida, que estava errado?
— Você não vai sossegar mesmo, não é?
— Admite?
— Admito.
— Então você tem uma amiga, Edu.
— Que alívio, Cris! Não sabe como é bom tê-la de volta.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sem resposta


Todos os dias, no trabalho, gastava alguns bons minutos olhando para ele. Alguns pela manhã, alguns na hora do almoço, à tarde... Sempre que passava por ele, sentia que meus olhos eram incapazes de se desviar de tamanha beleza e carisma. Senti-me encantada desde a primeira vez em que o vi. Era... puramente lindo. Perfeito. E ele me olhava de volta, mas nunca dizia nada. Nem eu; acho que me sentiria meio boba.

Assim, sempre que nossos olhares se encontravam, temendo me sentir ainda mais ridícula, apenas murmurava um “bom dia” constrangido, quase para mim mesma. Ele não respondia, claro, pois era impossível poder ouvir. Mas eu ficava satisfeita, mesmo corando violentamente. Pelo menos ninguém testemunharia o quanto eu era idiota. Afinal, passar o dia sonhando com o impossível era mesmo idiota.

Até que, um dia, depois de uns bons meses de troca de olhares, tomei coragem e fui em direção a ele. Olhei ao redor e constatei que ninguém me observava. O mais rápido que pude, arranquei o cartaz do quadro de avisos, enrolei e enfiei embaixo do braço, voltando quase correndo para a minha mesa. Quando chegasse em casa, penduraria na porta do meu guarda-roupa e curtiria sozinha a minha loucura. Meu ridículo amor platônico.


"I know that you saw me
'cos I looked up to see your face"