quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Página em branco

O que antes me inspirava, hoje me causa medo: a página em branco, o papel que não será preenchido com nada. Torna cada vez mais real o vazio, a ausência de vida dentro de um corpo. A página de vida em branco. Pavor de parar em frente a um papel e me perder na ausência de linhas, na necessidade vã de expressão, nas minhas próprias ideias. Volta, inspiração. Não me deixa aqui sozinha, sem pensamentos bonitos, ou mesmo feios; sem sentimentos felizes ou tristes. Sem sentir. Sem palavras.

Saudade de escrever em qualquer pedaço de papel, no guardanapo do bar, no post it do escritório. Saudade de julgar-me livre. De compor uma letra de música sem muito esforço, sem parar para sentir, ou me perceber sentindo. Sim, saudade de não precisar sentir, mas sentir tudo intensamente e deixar transparecer sem saber, em cada letra desenhada. Saudade de ter palavras na ponta da língua. Do lápis. Dos dedos. Do coração.


Saudade dele. Do causador da página em branco.


"Saudade... Quero arrancar essa página da minha vida."

Imagem: GettyImages

terça-feira, 9 de novembro de 2010

But still...

Injusto é ter procurado tantas maneiras de viver, mudar de atitude, mudar o modo de pensar, ver o mundo girar tantas vezes e descobrir que esteve apenas sobrevivendo. Injusto voltar ao mesmo caminho e partir outra vez do início. Como se nada tivesse valido a pena. Apenas voltar ao mesmo caminho, só que com mais cicatrizes. No mínimo, injusto.


"But still they lead me back
to the long winding road..."

Imagem: stock.xchng

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

No coração do Brasil


Eu não deveria, mas vou dizer algumas palavras sobre essa onda xenofóbica que acometeu o país desde que "os nordestinos" elegeram a primeira presidenta do Brasil. Já formulei milhares de argumentos para ridicularizar essa afirmação, mas não pretendo entrar na questão da política do Nordeste aqui, tampouco vou sair discutindo as questões que levaram o Brasil a eleger Dilma Rousseff.

O fato é que, depois de voltar do feriado, abri o twitter e me deparei com inúmeros comentários absurdos em relação aos nordestinos. Vou dizer uma coisa a vocês: nunca neste Brasil alguém vai chegar ao Recife com um sotaque diferente e ser ridicularizado por este motivo. Ou pior, ser agredido fisicamente. É porque os cariocas, os paulistas, os gaúchos são melhores que a gente? Desde pequena eu aprendi que ninguém é melhor que ninguém, seja branco, preto, azul, gay, mulher, alemão, soropositivo. É estranho crescer e perceber que, na vida real, não é bem assim. É triste pensar que nasci neste país e que poderia ser maltratada numa das suas muitas cidades simplesmente por me julgarem menos do que eu sou. Depois perguntam por que nordestino é tão orgulhoso. É o preconceito alheio, que faz com que procuremos força em nós mesmos contra o resto do mundo.

Está além da minha capacidade entender por que, num mesmo país, se acostumou a separar pessoas ao invés de unir. Logo hoje, nesta geração globalizada, em que importamos cultura até mesmo de outros países. Quer dizer que receber estrangeiros na sua cidade perfeita está ótimo, mas aturar "cabeças-chatas" é trabalho demais?

Menos do que raiva, sinto pena dessas pessoas limitadas. São pessoas que nunca vão conhecer o carnaval do Recife ou o de Salvador com o coração aberto das pessoas livres. Nunca vão aprender a apreciar a simplicidade das músicas de Luiz Gonzaga e Dominguinhos, ler um livro de Ariano Suassuna, ou entender um filme como Lisbela e o Prisioneiro. Nunca vão conhecer as praias de Pipa, ou de Porto de Galinhas. Nunca, mas nunca, vão admirar as peculiaridades da diversidade cultural brasileira, que tantos já cantaram. E nunca vão entender um nordestino que foi capaz de cantar tão bem as belezas de uma terra que não era sua.

Imagino que seja cansativo conviver com todas essas restrições e esse coração pesado por toda a vida. Prefiro viver em paz, livre dessas coisas que, no final, não tem valor nenhum.


"Sem lenço e sem documento
O peito cheio de amores vãos.
Eu vou, por que não?"

Imagem: GettyImages


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