segunda-feira, 6 de abril de 2015

Distração*

No balcão do bar, ela chorava e ninguém entendia o que se passava. Fora largada ali mesmo por causa do seu mais insistente defeito. Mais incômodo.

Era recorrente: de repente, no meio de uma conversa qualquer, ela simplesmente se distraía com o som de um passarinho, ou de uma melodia ambiente. Era estranha a relação que ela tinha com a música. Nunca aprendera nenhum instrumento. Nunca teve talento para canto. Ela apenas tinha um apreço pela música que era acima do normal. E estaria tudo bem, se não interferisse na sua vida.

O problema era que, às vezes, estava realmente fazendo coisas importantes, quando se distraía com algum acorde. Às vezes, estava ouvindo uma ordem de seu chefe e o celular de alguém começava a tocar. Música. Perdia o resto da explicação. Terminava cometendo um punhado de erros, sem nem perceber. Agora, tinha sido o namorado, que começara uma briga quando, enquanto contava algo de seu dia, percebeu que ela não mais prestava atenção. E foi embora, deixando-a sozinha.

Ela sofria, enquanto considerava. Os namoros nunca duravam. Agora, no bar, uma ou duas doses de whisky depois, ela chorava a recente decepção. Então ouviu o som, o mesmo que a distraíra momentos antes. Não era mais música; naquele seu nível de tristeza, parecia mais que isso. Era lindo. À medida que as notas prosseguiam, sua tristeza ia diminuindo. E ela soube: havia um motivo pelo qual a música a distraía tanto. Nunca encontrara nada tão lindo quanto ela; nem a voz do chefe, nem o ex-namorado. Nem a dor era tão linda. Esqueceu-os.

"We've been together for such a long time now
Music and me"

Imagem: Be Quiet

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*Texto publicado pela primeira vez em fevereiro de 2011

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