quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Às mulheres que não amam as mulheres

Faz algum tempo que estou enrolando para escrever um texto sobre feminismo e sobre tudo que venho sentindo e aprendendo, nos últimos tempos. Eu sempre tive uma tendência feminista, mas aceitava o machismo como uma característica imutável da sociedade. Aceitava em mim, em algumas maneiras de pensar; aceitava nos outros, talvez porque não quisesse ser chata, extremista, ou porque não pensava muito nessas coisas. Mas então, um dia, você se depara com o julgamento que oprime, com as atitudes que invadem, com o machismo que mata. E você, sendo mulher, homem ou qualquer outra coisa, percebe que está apenas sendo conivente, apoiando tudo isso. E, sendo mulher, entende que poderia estar no lugar de qualquer uma dessas pessoas.

Há menos de um ano, eu aprendi uma palavra chamada sororidade, que é a mesma coisa que fraternidade, só que entre mulheres. Frater é irmão e sóror, irmã. São mulheres que se uniram em busca de um objetivo em comum. E nessa união, não falo só de agir como um time, mas como uma família. É comum a gente ouvir que "amizade entre mulheres é diferente, sempre existe competição" e isso é mais um absurdo que a sociedade enfiou na nossa cabeça e nós acabamos acreditando. A sociedade, as novelas, as músicas. Não sei você, mas as minhas amigas não competem entre si; elas têm orgulho umas das outras por suas conquistas, são sinceras, se apoiam e se amam. É esse amor que venho procurando na minha vida, hoje. Nunca falo em feminismo como uma luta contra os homens, mas contra a sociedade machista e em benefício de todos. Depois que você começa a reparar, passamos a encontrar o machismo em lugares que nunca pensamos encontrar. Aí você escuta que "mas você também vê machismo em tudo". Não sou eu que vejo; ele sempre esteve ali. Assim como a homofobia, ou o racismo. Eles existem, mas ninguém vê, porque é "normal". Porque eles sempre estiveram ali.

Sororidade

Aí você vê mulheres lutando pelo direito de poder sair na rua sem ser incomodada com uma cantada, sem ter medo de que invadam seu espaço e passem a mão, sem ter medo de ser confundida com um pedaço de carne que está ali para ser comido. E você desdenha. Você, mulher, alega que nada que elas façam vai mudar a sociedade. Hoje, você pode votar, você pode trabalhar, pode morar sozinha, mas continua dizendo que a sociedade não pode ser mudada. Aí você vê uma mulher usando roupa curta e desdenha. Você vê uma mulher gorda e desdenha. Você reclama que estão fazendo protesto contra os comerciais que objetificam o corpo da mulher. Você reclama que alguém não achou graça de uma piada que diz que mulher não sabe dirigir e você também pergunta a uma amiga por que ela veio dirigindo, se o namorado estava disponível. Você pergunta por que ela paga a conta, se o namorado pode pagar. Você tem pena de mulheres que estão solteiras, porque mulher sozinha é encalhada, é porque ninguém quer. Ou porque é "exigente demais". Você condena uma amiga porque ela não quer ter filho, mas condena também se ela tiver e não souber criar direito: "por que teve, então?". Você também condena o aborto, porque, se a mulher fez besteira, tem que arcar com as consequências. Você odeia as amigas do seu namorado: "são todas putas". Você odeia as ex-namoradas deles também. Se ele as traiu, foi culpa delas, nunca dele. Ele nunca faria isso com você, porque você é diferente. Você entende homens que traíram as namoradas, porque homens são assim mesmo, enquanto chama de puta as mulheres que traíram seus namorados. Homens são vítimas de seus instintos, mulheres apenas são fracas ou putas. Se você xinga uma mulher, chama de puta, porque  liberdade sexual é condenável. Quando homens são imbecis, são filhos da puta, porque tem que o atingir xingando outra mulher. Ou chamando de "viado", comparando-o a uma mulher. Você chama feminista de "feminazi", comparando uma luta legítima, que nunca matou ninguém (pelo contrário!), a uma ideologia em que pessoas inocentes foram e ainda são assassinadas.

Amiga, você é machista. E não há nada mais triste que uma mulher machista, uma mulher que aceita obedientemente uma posição de inferioridade em relação aos homens. Mesmo que você não sinta essa inferioridade, que chame de outra coisa. O problema é que essa não é uma luta só sua; há pessoas que sofrem todos os dias com isso e você está prestando um desserviço a todas elas. É hora de repensar esses julgamentos, exercitar a nossa sororidade. Amemos mais as mulheres; nossas amigas, as amigas dos nossos amigos, as amigas dos nossos namorados. Até mulheres desconhecidas, na rua. Podemos nos ajudar a conquistar o nosso espaço. Aceitar os erros das outras, porque algum dia podem ser os nossos. Não é fácil, eu sei bem, porque vivemos numa sociedade que prega exatamente o contrário. Porque convivemos com pessoas que não pensam assim. Porque há até pessoas que dizem que machismo não existe, que você está exagerando. É um exercício diário. Mas podemos espalhar essa ideia e abraçar esse amor. O que temos a perder? Você vai ser mais crítica com o mundo, mas menos com as mulheres que a cerca. Você vai ganhar muitas amigas. Também vai encontrar apoio onde menos espera.


Amiga, machismo mata, todos os dias. E você pode estar sendo cúmplice apenas por não se importar, ou dizer que ele não existe.

Imagens: Flickr - Creative Commons

14 comentários:

Bruno Portella disse...

Muito bacana Mari!

Acho curioso a reclamação de 'ah, você também vê machismo em tudo'. Mas a questão é justamente que o machismo está em tudo. E já tava mais do que na hora de começarmos e ver isso mesmo.

=D

Marina disse...

Oxe, comentário a jato. Hahahahaha <3
Bruno, depois que você passa a reparar, é incrível como está mesmo. Mas eu ainda ouço que sou chata, feminazi e "que nenhum homem vai querer".

Maria Ximenes disse...

Top top top top top! Só li verdades! Se as molieres soubessem a paz que dá de não mais competir com ninguém ou achar feio é errado o que as outras fazem (porque se você fizer, é limpeza), já estaríamos todas propagando a sororidade há tempos! É nóis, irmãs 💖

Daniela Falcone disse...

Nos últimos dois anos tenho travado uma luta diária para exercer a sororidade, não é fácil amar as mulheres quando tudo nos diz que devemos competir. Tenho aprendido muito e visto como essa amizade de irmãs é forte e verdadeira e nem precisa ser longa pra isso, pode até ser fulgaz, mas deixa o coração e os dias mais leves. <3

Marina disse...

É isso, Dani. Pode ser até uma amizade de banheiro, de ajudar uma menina que está vomitando na boate, ou chorando porque foi chutada. Pode ser uma amizade no ônibus, um apoio pra quando se anda sozinha na rua.

Raíssa Andrade disse...

Adorei o texto, Maryn. Nunca me intitulei feminista, acho que por nunca ter me aprofundado nas bases deste movimento. Então, prefiro não me enquadrar em algo de que não sei tanto sobre os alicerces de sua edificação e suas propostas. Mas, quanto à sororidade, confesso que também é um termo novo para mim, que aprendi há pouco, mas que já respeito e entendo como primordial para a mudança do pensamento machista que norteia nossa sociedade. Admito que por mais pregadora de igualdade entre os sexos, já me peguei tendo vários pensamentos e posturas machistas. Mas, venho mudando e me construindo diferente ao longo dos anos... Hoje me policio e acredito na sororidade como meio de mudança e de propagação de amor irmão...e tenho o privilégio de ter amigas lindas e de conhecer, em cada ambiente em que passo, mulheres fenomenais, de quem devemos ter orgulho e em quem devemos nos inspirar para sermos melhores. Essa competitividade entre mulheres não é sadia, porque o que a gente vê de diferente em outra mulher, como uma característica que não temos e que almejamos, ao invés de pensarmos: "poxa, que massa! Acho essa atitude foda. Posso melhorar pra ser assim também!"...ao invés disso, a gente foi criada pra denegrir a pessoa e invejar o que essa pessoa tem de bom. Façamos diferente!!! Abramos nossos olhos e admiremos as diferenças e nos inspiremos nelas, para que possamos crescer e ajudarmos umas as outras a convivermos em harmonia. Ninguém é melhor ou maior do que ninguém, todas somos irmãs e podemos praticar o bem. A sororidade é um exercício diário, sim. Nem sempre é fácil, também! Mas, vale à pena a prática em prol de um mundo mais harmônioso e menos machista. =)

Marina disse...

Raissinha, até pouco tempo também não me declarava feminista. Mas agora eu me considero, mesmo errando muito. Pelo menos tenho gente pra puxar minha orelha sempre que eu erro, né? =P

Unknown disse...

Faz só 2, 3 anos que comecei a me denominar feminista e que passei a ler, discutir e dialogar de verdade sobre o movimento, revendo minhas posturas, combatendo as coisas no cotidiano da forma que posso e replicando o discurso para que ele chegue nas pessoas ao meu redor e em outras tantas que sequer conheço. E nunca me senti tão bem com uma infinidade de coisas. O feminismo me trouxe mais confiança (ainda que eu tenha um caminho longo pela frente), mais liberdade e uma sensação de conforto, mesmo que todos os dias eu sofra na pele com o machismo e com a dura realidade que ele traz pra todas nós, em todos os cantos do mundo. Mas só a sensação de saber que não preciso abaixar minha cabeça e sofrer calada, de saber que não estou sozinha nisso já mudou um tanto a minha vida. E continua mudando, um pouco a cada dia, nesse aprendizado sem fim, nessa despedida dos pensamentos que oprimem todas as mulheres, nessa luta.
E o mais incrível de tudo isso foi perceber quanta mulher maravilhosa tenho ao meu redor. E como é lindo quando estamos unidas, quando nos vemos como irmãs. A sororidade é muito, muito reconfortante. :)

Ps.: adorei o texto!

Marina disse...

Obrigada, Winnie. A sororidade foi uma das coisas mais lindas que eu encontrei no meu caminho para o feminismo. Eu só queria que essa ideia alcançasse mais gente, mais mulheres. Odeio quando vejo a galera falando de "inimigas" e "amiguinhas" do namorado. Assim como é triste ver gente dando em cima de namorado da outra. Homem não é troféu não, gente.

Carol Kanti disse...

Texto muito bom, Marina! :D
Eu também até pouco menos de um ano atrás não me via como feminista e pior ainda; criticava elas! Mas aí comecei a ler sobre e vi que a luta delas também era a minha. Minhas idéias e conceitos "batiam" com as ideias feministas. Assim me assumi como uma, mesmo ainda tendo muitas posturas machistas. Mas ser feminista é isso, é enxergar e quebrar aos poucos as camadas e mais camadas de machismo que está impregnado na sociedade, é construção. Aos poucos vou desconstruindo o machismo em mim e, quem sabe, nas amigas que ainda não se perceberam irmãs. :D

Marina disse...

Kanti, talvez essa seja a minha tentativa de fazer mais amigas se perceberem como irmãs. A gente compartilha tantos textos pelo Facebook, mas eu fico com a impressão de que as pessoas que eu queria que lessem não leem.

Unknown disse...

Escrevi um texto gigante aqui e o Google apagou 😔

Marina disse...

Que tristeza, Manu =(

Unknown disse...

Marina, achei o texto perfeito. A sororidade é amor. Ela une, fortalece e salva! Viva nós, mulheres, que no fim das contas botamos os homens nesse mundo. Muito irônico...infelizmente....