sexta-feira, 26 de junho de 2015

Café*

Já o tinha visto entrar e sentar-se ao balcão, do outro lado do café. Parecia bem ocupado e passou os últimos quinze minutos falando ao celular, alternando-se entre alterado e paciente, aborrecido e delicado. Às vezes, fazia gestos vagos com as mãos e andava um pouco pelo recinto, depois voltava para o banco em que estivera sentado. Inicialmente, tinha apenas me despertado a curiosidade; depois observá-lo passou a ser um passatempo, uma distração agradável, naquele começo de dia de trabalho.

Era moreno, alto, não muito magro nem gordo demais, mesmo que não desse pra perceber ao certo por baixo daquele terno. Possuía um nariz reto, onde se amparava um par de óculos por sobre dois expressivos olhos azuis. Os cabelos eram castanhos claros e estavam um pouco compridos e desalinhados, como alguém que acabara de acordar. Mesmo assim, era surpreendentemente bonito. E quando, ao final do telefonema, ele sorriu e disse adeus, o sol lá fora me pareceu um pouco pálido, de repente.

Não sei quanto tempo fiquei ali, do outro lado do balcão, enxugando o mesmo copo, enquanto contemplava aquela bela figura. Pareciam-me horas, talvez dias. Então, ele levantou os olhos para mim, enquanto tirava alguns papéis de uma pasta, e eu fui obrigada a voltar o olhar para o copo.

— Com licença! Você poderia me servir um café?

Assustei-me com o som da voz dele. Depois percebi o quanto eu estava sendo estúpida; era óbvio que ele entrara no café para ser atendido.

— Certamente. Só um minuto, sim?

Ele não respondeu, nem eu esperava resposta. Abandonei a agradável distração e voltei ao trabalho. Peguei o pacote com o pó de café e comecei a despejar na cafeteira, enquanto passava distraidamente os olhos pelo balcão, à procura de uma xícara limpa. Arrumei a xícara e olhei o relógio, calculando quanto tempo faltava para sair a próxima fornada de biscoitos. Só mais alguns minutos. Os clientes costumavam gostar dos biscoitos. Enquanto esperava, lembrei-me de que precisava comprar farinha para fazer mais e providenciar...

— Por que tudo é tão complicado?

Desta vez, assustei-me com razão. Olhei para ele, com olhos arregalados, o pote de biscoitos quase vazio na mão, e não soube o que dizer. Devo ter feito uma verdadeira cara de idiota, pois ele apressou-se em se justificar.

— Desculpe. Você não tem nada a ver com isso. Eu estou um pouco aborrecido hoje.

— Não, tudo bem — apressei-me a dizer.

Ele me despertou uma ligeira curiosidade, agora de uma outra maneira. De repente, parecia ter algo mais por trás da beleza, dos olhos azuis e do terno escuro. E eu me vi esperando alguma explicação.

— Acho que estou enlouquecendo. Às vezes me pego falando sozinho. Agora mesmo, estou falando sozinho, pois não acredito que você esteja mesmo interessada ou prestando alguma atenção ao que eu digo.

— Ora, eu estou, sim.

Ele me olhou e deu um meio sorriso.

— Você é muito gentil.

— Obrigada.

— Quer dizer que estava mesmo prestando atenção?

— Acho que você está se sentindo sob pressão. Talvez um café não seja uma boa ideia. Não prefere um chá?

— Não gosto de chá. Mas aceito companhia enquanto tomo meu café. E um biscoito.

— Como quiser.

— Você não acha a vida complicada?

— Eu não disse isso.

— É, acho que não.

Era um tom de desdém que, de alguma maneira, me pareceu sarcasmo. Será que ele me considerava uma tola que não tinha preocupações? Pela primeira vez, tomei coragem e olhei-o nos olhos.

— Que desilusão tão grande o fez se revoltar com a vida dessa maneira?

Ele levantou as sobrancelhas por um momento, depois riu.

— Não é o que você está pensando.

— Não pode saber o que eu estou pensando.

— Você certamente está pensando que eu tenho algum problema com mulheres.

Imediatamente pensei na conversa que ele estivera tendo ao celular. É, ele sabia o que eu estava pensando.

— E não tem?

— Não. Bem, não nesse sentido.

— Ah... Está bem.

Não me convenceu. Bem, mas quem era eu para julgá-lo? Servi o café e outro cliente me chamou, do outro lado do balcão. Desculpei-me e fui atendê-lo. Quando desocupei outra vez, o cliente simpático já tinha ido embora. Suspirei e voltei ao trabalho.
 

* Texto escrito em 2009
 Imagem: Flickr - Creative Commons

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