sábado, 21 de agosto de 2010

Nostalgia

Anos depois, nos encontramos. Eu o avistei primeiro, conversando e rindo com um punhado de amigos, do outro lado da calçada. Fazia tempo, então demorei um pouco reconhecendo os traços, analisando a postura, a risada familiar. Era o mesmo som claro e descontraído de que eu me lembrava. Mas eu só tive certeza quando nossos olhares se cruzaram.
Nesse instante, senti tudo voltar. Tudo; nossos planos, nossos sonhos, as noites em claro falando ao telefone. Começávamos sussurrando, para não acordar nossos pais. Levando bronca deles a cada gargalhada alta que saía sem querer. Nunca fomos muito silenciosos, nenhum dos dois. Competíamos pela hora de falar, cada um querendo contar as novidades do dia, mesmo querendo saber do outro. E, na disputa sem sentido, acabávamos aumentando o volume da voz sem perceber. Daqui a pouco, estávamos berrando e gargalhando em plena madrugada.
Nunca fomos discretos. Éramos impossíveis, assim diziam no colégio. Achamos divertido, na época. Nossos sonhos combinavam, assim como nossos temperamentos. Adorávamos a vida, a aventura. Acreditávamos plenamente na felicidade que conquistaríamos juntos. E conquistamos, por algum tempo.
Vi você sorrir tantas vezes, naqueles dias, e vi você sorrir agora, anos depois. Era o mesmo sorriso, embora melancólico agora. Era também o mesmo sorriso que eu sabia tomar forma em meus lábios. Sorrisos de quem tem muita história e nenhum assunto. Foi recíproco, não tentamos nos falar. Apenas nos olhamos, nos reconhecemos e fomos embora. Cada um pensando em como teria sido.

"Já faz tempo, eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida
Essa lembrança é o quadro que dói mais"*
Imagem: GettyImages

19 comentários:

Peterson Quadros disse...

Um encontro sem palavras...
Que ligacao mais bonita e profunda entre voces. Embora cheia de risos, depois de ler a história, me senti um pouco triste.

Luciano A.Santos disse...

Um amigo uma vez me disse que, às vezes, melhor é imaginar. Acho que esse foi um desses momentos.

Muito bom. Grande abraço e bom fim de semana.

Leonardo Xavier disse...

Realmente, algumas vezes nem é preciso dizer nada.

Camila M. disse...

Às vezes, parece que não é a mesma pessoa. Mas a sorriso será o mesmo, impossível não reconhecer.

Lindo

Renata Santos disse...

Há um tempinho venho lendo seus textos, mas ainda não tinha conseguido comentar. Chegou a hora, vamos lá.
Vc escreve mto bem, e consegue fazê-lo de formas distintas, o que é bem difícil. Parabéns!
Este aqui ficou maravilhoso, melancólico, mas real... acredito que existem pessoas que passam pela nossa vida e não terminam a estória, mesmo que esse distanciamento (a falta do término) possa ser considerado o fim da estória em si. Contraditório? Sem dúvida. O mais contraditório é que sempre seguimos pensando em como teria sido...

Leila disse...

Poxa vida, incrível como as coisas mudam. As vezes, eu chego a me sentir culpada por não conseguir manter certos relacionamentos, mesmo se tratando de amizades. É difícil entender que as pessoas mudam, que nós mesmos mudamos, entreamos em outra fase da vida que não condiz com tudo aquilo que vivemos um dia.
Adorei o texto, expôs de uma forma tão universal, tão clara, que fiquei emocionada.

Beijos!

Rayssa Macedo disse...

Mahhhhhhhhhhhhhh, vou ser figurinha carimbada aqui agora. Beijãoooo

Lindo texto, parabéns amiga!

Dois Rios disse...

Lindo, Marina!

Enfim, se o "filme" voltou a passar é porque não tinha chegado ao final.

Beijo,
Inês

Bruno Malveira disse...

E são as boas lembranças que primeiro vêm à mente. Talvez isso torne o encontro mais difícil, mas é muito bom descobrir que você ainda lembra.

Já disse que adoro as citações de músicas que você encaixa, né?

Beijão, Ma!

Rebeca Amaral disse...

Nostalgia é algo contagioso?
Sinto que acabei de ser contaminada.
Pois é.

littlemarininha disse...

Estranho como a gente muda com o tempo e os planos, os sonhos, mudam com a gente. Com certeza uma relação bonita assim vai existir pra sempre. Talvez deixe de ser palpável, como no caso, mas ainda assim, as memórias, as lembranças, fazem com que ela esteja muito viva. Lindo texto! Me fez lembrar de duas pessoas, rss

Renata de Aragão Lopes disse...

Lindo texto!

Mas não aprecio muito
essa nostalgia de
"em como teria sido".
A tendência à fantasia
é certa e perigosa...

Beijo,
Doce de Lira

Laurinha . disse...

olhar para ele e ver que ele segue a vida dele sem nem parecer padecer como eu . isso é o que mais me machuca , mas nós temos sempre que continuar a olhar para frente, pois é tudo o que nos resta .

Jéssica Alves disse...

"Sorrisos de quem tem muita história e nenhum assunto."

No meu caso, nós tentamos nos falar. Antes ficássemos calados e seguíssemos adiante. Ter ficado para conversar com ele foi ainda mais doloroso pra mim. Mas, já foi superado e são águas passadas. ;)

Ameeei, pra variar, né. Tava com saudade daqui. *______*

Olha, quanto aos filmes, eu posso fazer uma listinha e te enviar por email. Até amanhã eu te envio, viu?Adianto uma recomendação: 'O Orfanato', se ainda não viu. É ótimo. :)

Eu tô bem, M. Espero que você também esteja. ;)

Beijo grandão!

Magna Santos disse...

Confesso que pensava noutro final. Essa minha mania de querer finais felizes. Mas entendo que este não foi propriamente "infeliz", simplesmente foi o que tinha de ser. Há coisas que perdem o sentido mesmo com o tempo.
Beijo.
Magna
Obs.:por falar em encontro, Sementeiras está fazendo aniversário(26.08) e você faz parte desses dois aninhos de vida, né?

V.H. de A. Barbosa disse...

Se eu tivesse lido seu texto antes de escrever meu último post, "o amor não vale um número de telefone", não teria conseguido fazê-los combinarem tanto.

Ygo disse...

É, esse aqui vai pra sua lista de diamantes brutos.

Tipo, sabe o que é melhor quando se escreve ou ler? Vivenciar situações que jamais teremos a oportunidade de presenciar. Mesmo sem ter me apaixonado na época do colégio, meio que acabei de viver a experiência, com direito a sua falada nostalgia. =)

Aline disse...

Lindo texto (que me parece autobiográfico) *-*

Marina disse...

Não é autobiográfico. Mas poderia ser.