Vi-o em fotos algumas vezes, ao longo desses anos, e nunca entendi o fascínio que senti, quando adolescente. Até vê-lo hoje e sentir o mesmo magnetismo de outrora. Maldito! Como pode fazer com que me sinta aquela mesma adolescente idiota? Odeio essa sensação, por isso passei direto, fingi que não o vi e ele pareceu não me ver também. Melhor assim.
Não chegava a ser lindo de morrer; era apenas carismático. O que me deixava maluca era aquele ar despreocupado e desinteressado a ponto de ser irritante. Era exatamente assim: sempre passava dois metros adiante e não me via. A mim, parecia não querer me ver. Eu me sentia um grande nada de coisa nenhuma, ou ele me transformava em algo parecido, com a sua presença. Como agora, com a pequena diferença de que eu já aprendi a disfarçar melhor minha enorme frustração.
Sentei-me com meu almoço a uma mesa, no cantinho do restaurante, e me pus a comer, forçando-me a não mais dar importância ao sujeito. E assim seria, caso o destino tivesse pena de mim.
— Ei, que surpresa encontrá-la!
Não, isso não está acontecendo. Por quê? Em todo o tempo em que estudamos juntos, ele raramente se aproximava para falar comigo. Era sempre eu, eu e eu; não sei como meu ego nunca ficou em coma, depois de tão repetida e cruelmente pisoteado. Bem, talvez ele tenha ficado, mas se curou para sempre. Eu aprendera a lição. Virei o rosto para fitá-lo, sem pressa, tentando demonstrar apenas vaga surpresa:
— Hum. Oi. Tudo bem com você?
— Tudo, sim. Nossa, há quanto tempo!
— É, verdade.
Dez anos, para ser exata. Comemoro o fim daquela época como um aniversário, de quando deixei de ser idiota. Ele sentou-se na cadeira à minha frente.
— E você está ainda mais linda que nunca. O tempo lhe fez bem.
Sem dúvida, ainda é o mesmo. Indiferente ao resto do mundo, enquanto anda sozinho, mas olhando diretamente nos olhos quando fala com alguém. É intrigante como consegue fazer uma pessoa se sentir de especial a desprezada em poucos segundos.
— Obrigada.
— Que tem feito?
— Estudando, principalmente.
— É, você sempre foi responsável demais.
Ergui uma sobrancelha, sem vontade de responder àquela pequena crítica. Acho que eu seria desnecessariamente ácida. E foi bom, porque ele interpretou meu silêncio como uma censura. E era mesmo.
— Ei, não que isso seja uma coisa ruim.
— Dificilmente seria.
— Você continua a mesma de sempre, então?
— Com um pouco mais de ceticismo, sarcasmo, maturidade; essas coisas que acontecem com as pessoas em geral.
Ele riu. Fiquei pensando onde ele viu graça e logo tive minha curiosidade satisfeita:
— É, você não costumava ser tão irônica.
Eu era; apenas não sabia como funcionava. Na verdade... Bem, a quem estou tentando enganar? Eu não tinha nenhuma intenção de ser irônica com ele, naquela época, mesmo que soubesse como. Ironia afasta as pessoas, certo? E eu não queria afastá-lo. Pelo contrário.
— Lembro de que, uma vez, alguém me disse que você gostava de mim — ele comentou, com um risinho baixo.
Um risinho. Certo, será que eu consigo matar uma pessoa com uma faquinha de plástico? Porque sinto um forte impulso homicida prestes a se espalhar pelas minhas artérias.
— Mesmo?
Afinal de contas, que diabos ele quer com essa conversa? Me humilhar? Eu já não o havia feito o bastante, no passado?
— Sim, eu até fiquei pensando... Mas, sabe como é, não estava querendo nada sério. Coisa de adolescente.
— Ainda bem que essa fase não dura para sempre.
O olhar que ele me lançou foi curioso.
— Estamos falando de mim ou de você?
— Não sei, você escolhe.
— Escolheria falar de você, mas você nunca foi muito de se expor. Sempre foi um mistério.
RÁ! Essa foi boa! Eu, mistério? Eu era o mais imbecil dos seres, impressionada com cada sorriso, encantada com cada palavra que ele me dirigia. Misteriosa? Pois sim. Aposto que dava para ler cada mudança de humor no meu rosto. Aliás, acho que só o próprio não sabia que eu era apaixonada por ele. Até alguém contar, claro.
— Viu? Gostaria de saber o que está pensando.
Irritada e louca para encerrar a conversa, olhei o relógio de pulso:
— É que já deu a minha hora. Preciso ir.
A expressão dele foi de disfarçado desapontamento.
— Vai sumir de novo?
Se eu puder.
— A gente se vê.
Até fiquei me sentindo culpada, pois percebi que em nenhum instante eu sorri. O fato é que não aguentaria passar por tudo aquilo de novo. Fantasmas do passado só servem para isso mesmo; para nos assombrar. Espero que esse não volte mais.
8 comentários:
Esse negócio ed escrever no presente e no passado é uma dificuldade, mas acho que você se saiu bem :D
A mocinha pensa que nem uma mocinha, cheia de perspectivas, de alternativas pra enxergar a situação, hehe
um beijo
ZeH | Homepage | 11.03.09 - 1:37 am
Eu também espero que meus fantasmas do passado fiquem bem quietos nos lugares deles! Até pq, se por acaso eu ver algum na minha frente e ainda mais com intenção de ressucitar, mato! ¬¬
=*
Mari Matos | 11.03.09 - 1:41 am
ahhhhh!! deixa voltar... :D ótimo texto! bjo, bjo.
andréia alves pires | Homepage | 11.03.09 - 5:37 pm
Oi Marina, passei pra conhecer sua casa. Gostei muito dos textos.
Esses fantasmas são terríveis, às vezes alguns aparecem nos meus sonhos. Quando isso acontece, pode apostar que azedarão meu dia seguinte... Tenho raiva do poder deles!
Lú Aidar | Homepage | 11.03.09 - 11:02 pm
Um... um tanto acida hoje, hein? Mas bem escrito, como sempre. Fico pensando, entre deliciado (com o texto) e sádico (com a personagem?) o que aconteceria se o "fantasma" ainda voltasse...
Abraços!
Eduardo Trindade | Homepage | 11.04.09 - 7:50 pm
Sei como é isso, há pessoas que tem esse poder de mexer com os outros sempre que surgem... Pelo menos comigo é assim. Não dá pra dizer 'deixa ele voltar', ou 'chuta que é macumba', até porque é vc quem vai arcar com as consequencias dessa escolha! Mas, que vc saiba escolher o melhor!
Xerus
=***
Na. | Homepage | 11.05.09 - 11:00 am
Poxa, já estava torcendo para a conversa progredir. Pena.
Às vezes os fantasmas não assombram mais, noutras ainda assombram o suficiente para fugirmos.
Como sempre, bem escrito, Marina.
Beijos.
Magna
Magna | Homepage | 11.14.09 - 6:33 pm
As pessoas também são passageiras. Mas algumas valem a pena serem passageiras durante a vida inteira.
Dalleck | Homepage | 11.23.09 - 7:28 pm
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