sábado, 5 de setembro de 2009

No meio do caminho tinha um galo

Na antiga casa em que eu morava, quando criança, havia várias árvores frutíferas, espalhadas pelo terreno enorme. Uma delas, a de manga rosa, que eu plantei quando bem pequena, era uma das minhas preferidas. As mangas dela eram as melhores. Pelo terreno, ainda havia um campo de vôlei, um parquinho, um jardim, uma casa de bonecas e… um galinheiro. Por alguma coincidência do destino (ou espiritice-de-porco de quem planejou), o pé de manga rosa ficava dentro desse último: do galinheiro.

A história começou quando, da janela do meu quarto, eu a avistei: enorme, suculenta, madurinha. A manga. Ela estava num galho meio alto, mas não seria difícil subir e pegar. De fato, subir não foi difícil; já descer… Saí pro quintal com a idéia fixa de colhê-la custasse o que custasse, já lembrando que a mangueira ficava no meio do bendito galinheiro. Bom, eu não tinha medo de galinhas, afinal; praticamente havia crescido no meio delas, por causa daquele galinheiro, que meus pais tinham inventado de manter ali.

Entrei no território das galinhas, então. Elas me olharam, cacarejaram e se afastaram. Galinha é um bicho burro e eu não vou fingir que acho que me reconheceram. Ainda bem, porque certa vez, no auge da minha ingenuidade infantil, eu despejei o resto do meu almoço pra elas comerem e elas, obviamente, comeram. Era frango desfiado.

Continuando, fui em direção ao primeiro galho da árvore e dei o impulso inicial para subir. Era aquele tipo de galho, que toda árvore tem, que você obrigatoriamente tem que pisar nele para subir ou descer. Então, eu fui subindo, subindo, até alcançar a minha desejada manga. Peguei e fui começando a descer, galho por galho, até chegar naquele galho inicial. Foi quando me deparei com um galo, empoleirado nele, me olhando com cara de poucos amigos.

You wanna fight?

Galinhas são geralmente inofensivas, a não ser que você queira pegar um ovo ou os filhotes delas. Mas galos são bem pouco pacatos. Este, especificamente, tinha a fama de ter ferido todos os machos que já pintaram por aquele galinheiro e de ter dado uma surra nos gatos que porventura entravam para comer os pintinhos. O que seria de mim, pobre criança sem esporões, encarando uma criatura como aquela? Só me restava esperar que ele saísse do galho, para que eu pudesse descer e comer minha manga.

Foram se passando os segundo, minutos… E minutos para uma criança é bastante tempo, ainda mais em cima de uma árvore. Meus pés começaram a adormecer, de me equilibrar naqueles galhos cheios de titica, e o galo não cedia terreno. Olhava-me com a mesma cara, como se me desafiasse pra briga. Comecei a me desesperar; percebi que ele não ia sair dali. Vai ver, ele tomara conhecimento do meu crime que provocara o canibalismo entre os seus e quisesse me punir por aquilo. Comecei a tremer de medo e, quanto mais me agitava, mais ele parecia ficar satisfeito.

Até que não aguentei mais: analisei a altura a que estava e calculei o impacto da queda. Era alto, mas era melhor que encarar o rei-galo. Fechei os olhos, pulei e caí sentada no chão batido, melecando minha roupa de titica de galinha. Mas não me importei, saí correndo o mais rápido que pude das terras do reino.

Quando fechei a porteira, arrisquei uma última olhada pro sujeito. Ele ainda olhava para mim, agora com o ar de “escapou, né, covarde?”. Covarde, sim, mas inteira. E, como que para comprovar minha teoria de que ele só estava montando guarda por minha causa, ele farfalhou as asas e desceu. E saiu andando tranquilamente em direção aos fundos do galinheiro.

E eu? Eu fui curtir minha preciosa manga. Estava uma delícia.


Imagem: stock.xchng

19 comentários:

Marina disse...

Eu levei uma cabeçada de um bode, quando fui pegar minha bola no terreno "rural" que o meu avó mantinha atrás da minha casa (embora ele morasse duas quadras abaixo). Doeu pra burro. Detesto caprinos.

Álisson da Hora | Homepage | 09.05.09 - 10:03

Marina disse...

Marina,

Quando criança passava as férias na fazenda onde meus avós moravam, e o terror da molecada - irmão, prima e eu - eram os gansos. O pior é que eles não ficavam encarando como o galo, eles partiam pra cima balançando as asas e grasnando (faltei na aula que ensinava a voz dos animais, rsrs), era correr ou correr. Mas não tem cosa melhor que lembranças de infância. Tempinho bom aquele.

Grande abraço.
Luciano A.Santos | Homepage | 09.06.09 - 1:36 pm

Marina disse...

eu sempre tive problemas com cachorros...
mas que graça, hein... conquistar a manga dando um olé no galo. adorei. bjo, bjo.

andréia alves pires | Homepage | 09.06.09 - 3:10 pm

Marina disse...

e como ela poderia saber? só se a vizinha fosse fofoqueira, e não acredito que ela fosse...

ah, e já tive meus problemas na infância com galos me atacando tb...
Moca | Homepage | 09.06.09 - 7:34 pm

Marina disse...

Tu me inspira a falar da minha infancia!!! =P
Ri paca aki... tentando imaginar Marininhazinha melecada de titica, mas feliz com a manga-troféu!
Odoro teus flashbacks! =* Me dá vontade de ter te conhecido antes! =}
Quero ver os vídeos de tu chata-fresca! Vai ficar prum dos nossos encontros das sextas! =****

Mari Matos | 09.07.09 - 2:33 am

Marina disse...

Primeiramente, muito divertido o texto. E o que importa, afinal, é comer a manga, certo? Custe o que custar, como tu mesma pensou. Bom, foi paço o preço, e veio a manga. Eeeeee!
Só uma coisa que eu notei que não me soou bem. Questão estilística. A frase:
"Comecei a tremer de medo e, quanto mais me agitava, mais ele parecia ficar satisfeito com aquilo."

O "aquilo" me soa muito redundante. Já devo ter dito isso, mas não custa repetir: sou da opinião que o leitor é perfeitamente capaz de compreender e completar ideias em qualquwer texto que leia, contanto que tenha recebido as informações adequadas. Aqui, no caso, me parece haver excesso de informação. No caso, é óbvio que, ele parecia satisfeito com alguma coisa, seria necessariamente com a menina e sua tremedeira (o aquilo). Eu terminaria a frase no satisfeito (ou mudaria para algo como: mais satisfeito ele parecia estar). Não quero ensinar o padre a rezar a missa, só uma sugestão que pensei em dar.

Ok, já está ficando longo, mas paciência. Quanto à minha dúvida, obrigado pelo e-mail. Sanou meus problemas. hehehe
Quanto à questão dos kanjis, fiquei um tempo quebrando a cabeça com aquilo, sem muita certeza de qual seria o melhor modo para resolver a questão. O modo com as fotos me pareceu o melhor, mas ainda assim insatisfatório e muito complicado (ainda mais pq toda a estrutura do post deveria ser mudada).
Se você quiser, posso transformar o post em .pdf e te mandar por e-mail (com os ideogramas e tudo). Ou pode acessar esse site (http://newton.uor.edu/Departments&Programs/ AsianStudiesDept/Language/ asianlanguageinstallation_XP.html) para ver um tutorial sobre como visualizar caracteres orientais no Windows XP (só os 3 primeiros passos são necessários para ler, se não estou enganado); pode entrar neste site (http://www.polarcloud.com/rikaichan/) e instalar os programas da internet, para ler e ter um dicionário de japonês em inglês.

Ufa, acho que era isso.
Espero não estar sendo mt chato. Só quero ajudar, e garantir que, se alguém lê o meu site, que entenda.hehehe

O próximo post eu vou tentar configurar de modo que comporte imagens. Aí vai ficar mais fácil de seguir.

Beijão!
Marcelo | Homepage | 09.09.09 - 12:39 am

Marina disse...

Menina, pensei que tu fosses sair toda picada. Galo não brinca em serviço não. Ufa!
Divertidíssimo, Marina.
Beijos.
Magna

Magna | Homepage | 09.10.09 - 2:33 am

Marina disse...

Delicado e arteiro como só uma criança pode ser.

Mas senti falta de um final mais forte.

Bruno Portella | Homepage | 09.10.09 - 4:16 pm

Marina disse...

Que bunitinha meudeus rs =)
Amo manga nham nham, e essa das galinhas comerem frango desfiado foi a melhor do dia hahaha.
Muito fofa sua historinha, amei.

Beijinhos meus
Marcelo | Homepage | 09.10.09 - 7:55 pm

Marina disse...

Bruno queria que eu levasse uma surra do galo, só pode. É história real, sabia?

Marina | Homepage | 09.10.09 - 10:21 pm

Marina disse...

Gostei do canibalismo galináceo.
E essa foto do galo tá massa, té parece que ele viu a câmera e fez pose
um beijoo

zeH | Homepage | 09.11.09 - 4:29 am

Marina disse...

Que delícia de crônica! Admiro muito o teu talento para falar de cenas assim!
Quando eu era criança, não tínhamos mangueiras nem mangas, mas um terreno grande repleto de outras árvores e frutas (incluindo a goiabeira de um dos meus textos). Também criávamos galinhas, e isso fez com que a tua história tivesse um sabor completamente nostálgico. Mas confesso que minha relação com as penosas, incluindo os galos, sempre foi bem mais amistosa...
Abraços!

Eduardo Trindade | Homepage | 09.12.09 - 8:33 am

Marina disse...

Gostei da sua aventura galinácea. Não se deve enfrentar os galos. Eles são de um temperamento instável. Pois é.
bjs

Rafael | Homepage | 09.12.09 - 5:39 pm

Marina disse...

Oi,linda
Vc foi uma menina corajosa e levada,hein!!
Mas,o que não se faz por uma manga rosa madura saidinha do pé,não é mesmo??
O galo só fez o que manda a sua natureza:reina no terreiro!rs

Grande beijo
Bruno_Exagerado | Homepage | 09.12.09 - 9:46 pm

Marina disse...

Não brinca com galo não...rsrsr
Beijooo

Késia Maximiano | Homepage | 09.13.09 - 12:24 am

Marina disse...

Minha infância também teve árvores e galinhas (e assustadores galos). Fico feliz em saber que você é mais uma sortuda que subiu em árvores e passou por aventuras como essa. Adorei o texto!(tô até agora achando bizarra a cena da galinha comendo frango desfiado..rs)

Bruna Mitrano | Homepage | 09.14.09 - 3:33 am

Marina disse...

Ah, e as mangas...as mangas!
Bruna Mitrano | Homepage | 09.14.09 - 3:34 am

Marina disse...

História real?

Coragem hein menina! Eu faria o mesmo. Morro de amores por manga também.

Bruno Portella | Homepage | 09.17.09 - 1:21 pm

Marina disse...

"Ainda bem, porque certa vez, no auge da minha ingenuidade infantil, eu despejei o resto do meu almoço pra elas comerem e elas, obviamente, comeram. Era frango desfiado.[...] ai ver, ele tomara conhecimento do meu crime que provocara o canibalismo entre os seus e quisesse me punir por aquilo."

HAUAHUAHUAHUAHUAHAUHAUHAUAHUAHUAHAUHA
Dalleck | Homepage | 09.18.09 - 3:28 pm