Como se fosse dono do mundo, o sorriso dela se exibia com naturalidade e um quê de ingenuidade — que mais parecia presunção, como se soubesse de algo que o resto do mundo ignorava. Era quase arrogante o modo como seus olhos estampavam a felicidade que lhe vinha no íntimo, brilhando desdenhosamente, zombando das desventuras alheias.
Uma leve brisa vinda de fora do jardim brincou com seus cachos rebeldes e dissipou um pouco o calor daquele belo dia de primavera. Ela se encontrava de pé, regando alguns arbustos floridos, perto do portão. Levou as mãos aos cabelos, afastando preguiçosamente algumas mechas do rosto. Sabia que o noivo não tardaria a chegar com uma garrafa de vinho para comemorar a mais recente alegria do casal: um bebê. Ela estava grávida. E não se podia ignorar que estava ainda mais bela naquele estado. Era insuportavelmente irritante.
Iam se casar logo; as bodas estavam marcadas para a semana seguinte. Seria uma cerimônia simples, nem tanto por opção do casal, mas por falta de recursos. Só que isso não parecia abalar a óbvia felicidade dela; pelo contrário, a cerimônia não poderia ser mais adequada. A simplicidade da sua vida era o que mais irritava. Como uma pessoa podia viver com tanta vontade e intensidade sendo tão humilde? Tanta gente por aí ostentando suas imensas casas, pertences de valor e muito dinheiro... Mas não era feliz como ela. Tudo nela traduzia felicidade, alegria, vida. Ela parecia emanar um brilho chamativo de paz e tranqüilidade. Certamente o casamento seria belo. Simples, mas caloroso, acolhedor. E revoltante.
Foram poucas as vezes que a vira chorar. Estranhamente, nem o pranto tinha o poder de deixá-la feia ou digna de compaixão. As lágrimas que porventura cintilassem em seus olhos os deixavam ainda mais azuis, como pequenos oceanos, e o rosto expressivo adquiria uma nuance diferente. Jamais feia. Misteriosa, talvez. Ela podia estar triste, contudo não perdia o encanto. Mesmo assim, sentia um prazer perverso em vê-la daquela maneira. Ao menos parecia que aquela maldita alegria de viver abandonava um pouco seu coração e procurara outras casas para visitar.
Um modesto carro cinza parou em frente à casa e ela virou-se, sorrindo. Largou o regador no meio do jardim e correu para o portão, enquanto o noivo descia do carro com um singelo vaso de margaridas. O beijo que trocaram transbordava aquele sentimento desconhecido. Numa mão, o vaso e, na outra, a mão do noivo; ela guiou-o, sem mais demora, pelo jardim, para dentro da casa.
As cortinas estavam fechadas e não deu para ver mais nada. Tive, então, que escolher entre procurar o que fazer ou espiar a placa de "vende-se" no gramado do jardim. Iam se mudar depois do casamento, sair para sempre daquela casa. Quem sabe assim eu pudesse seguir minha vida.
"After all, you're still you"
20 comentários:
"E revoltante."
Não sei por que, mas foi o que mais me chamou a atenção...
seguir adiante, nunca olhar pra trás, para não incorrer na maldição da mulher de Lot...
beijos...
álisson da hora | Homepage | 10.02.08 - 11:56 pm
Querida suas histórias deixam sempre um gostinho de quero mais...perfeito, perfeito seu conto... primeira vez que achei linda a "inveja"..
A D O R E I !!!
beijos
layla | Homepage | 10.03.08 - 4:53 am
Nossa!!!!!
Adorei, simplicidade é tudo na vida, são coisas que não tem dinheiro que compre, mas que fazem nossos dias mais belos e alegres!!
Parabéns, está lindo!
Beijos
Thais Michele Rosan | Homepage | 10.03.08 - 7:22 pm
Ciao Marina. Un bacio da Roma. Ciao
Oreste | Homepage | 10.04.08 - 7:28 am
Isso é inveja branca, àquela que não faz mal, que torce para tudo dar certo...
Que belo conto.
lindo dia flor
beijos
Márcia(clarinha) | Homepage | 10.04.08 - 5:46 pm
Um amor impossível vivido através das frestas de uma janela.
Lindo!
Beijo,
Inês
Dois Rios | Homepage | 10.05.08 - 1:46 pm
Olá, Marina!Gostei da história e mais ainda do final surpreendente.Bjos e bom domingo!
Clécia | Homepage | 10.05.08 - 2:45 pm
e continua?
Cruela Cruel | Homepage | 10.05.08 - 5:12 pm
Marina, tudo estava tão bonito e feliz que estava com medo de concluir a leitura. Tanta felicidade e beleza me deixam um pouco insegura de que nada vai dar certo no final.
A maneira de como conclui seus escritos é impressionante, acho que já disse isso.=P
Azar deste que olha a vida alheia hahahaha. O bom é que este "espião" não inveja a alegria do casal, é só um observador. Um bom observador até. =D
Eu gostava de fazer isso quando era mais novinha e tinha umas frestas na minha janela.
Vim aqui buscar um pouquinho de ânimo, uso seu blog para isso, algumas vezes.
Um beijo!
Jéssica Alves | Homepage | 10.05.08 - 9:52 pm
A inveja do observador não era das piores. Esqueci de ressaltar isso.
=P
Jéssica Alves | Homepage | 10.05.08 - 9:55 pm
Dessa vez a câmera não deu um zoom-out repentino.
Desde o primeiro parágrafo tava ali...
"Era quase arrogante o modo como seus olhos estampavam a felicidade que lhe vinha no íntimo"
Uma observadora que vê oportunidades próprias perdidas
"Era insuportavelmente irritante."
A Felicidade com que ela sonhara estava com outra pessoa
"E revoltante."
"sentia um prazer perverso em vê-la daquela maneira."
E o que mais me intrigou...
"Ao menos parecia que aquela maldita alegria de viver abandonava um pouco seu coração e procurara outras casas para visitar."
Seria a observadora uma pessoa magoada pela própria felicidade? Não sei se entendi direito...
Mas o fade-out foi fantástico como nos outros...
"Quem sabe assim eu pudesse seguir minha vida."
Ainda estou tentando buscar um motivo simples para a narradora pensar o que pensa. Talvez ela realmente se feriu por causa da felicidade, daí o tal 'prazer perverso', mas talvez eu esteja viajando, o que não é surpreendente...
Beijo!
Bruno | Homepage | 10.06.08 - 5:32 pm
Oi,linda
Vai continuar? Adooooro!
Drama ou comédia?
Adoro finais felizes.Não permita que a inveja estrague essa felicidade,por favor!1rs
Grande beijo
Bruno Leonardo(O Exagerado) | Homepage | 10.06.08 - 8:20 pm
Hoje estou em dia idílico. Em ocasiões assim, meu olhar é sempre meloso e pueril. E olhe que não sou pueril nunca. Pois é...adoro histórias lindas, tanto quanto hipotéticas. Sonhar com alma - como diz uma amiga - é o primeiro passo para fazer realidade. Olhar com fé e esperança também é caminho para um sugar meio osmótico do que vemos na vida e na história dos outros.
Delicioso o conto e deliciosa a expectativa sobre a continuidade.
bjs. Veronica
Veronica Cobas | 10.07.08 - 12:39 pm
Nossa amei demaisss !!!
Belas palavras e um blog lindo.
Kisses.
Gaby | Homepage | 10.07.08 - 2:09 pm
Un saluto da Roma. Ciao
Oreste | Homepage | 10.07.08 - 4:33 pm
Marina,
teu texto é sempre uma brisa leve na janela. Cortinas ventilantes, delicadeza no tema, palavras dançantes...
Abraços, flores, estrelas!
Edson Marques | Homepage | 10.09.08 - 8:50 am
Também tou no grupo dos "Não sei se entendi".
Vira e mexe minha interpretação destoa da tua né
beijoo
ZeH | Homepage | 10.11.08 - 4:51 am
Palavras dançantes! Concordo.
Gostei muito, boa fase viu?!!!
=*****
Rah | 10.12.08 - 7:08 pm
Bela narração, Marina. Como sempre, texto inspirador.
Léo | Homepage | 10.23.08 - 12:09 pm
TEXTO MARAVILHOSO! E quem não quer um Amor assim, como o da moça e de seu noivo, humlide, simples, mas mesmo assim grandioso????? De arrepiar, ele chegando com um vaso de margaridas... Também quero! =(
Bee | Homepage | 10.31.08 - 1:55 pm
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