quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Distração

No balcão do bar, ela chorava e ninguém entendia o que se passava. Fora largada ali mesmo por causa do seu mais insistente defeito. Mais incômodo.

Era recorrente: de repente, no meio de uma conversa qualquer, ela simplesmente se distraía com o som de um passarinho, ou de uma melodia ambiente. Era estranha a relação que ela tinha com a música. Nunca aprendera nenhum instrumento. Nunca teve talento para canto. Ela apenas tinha um apreço pela música que era acima do normal. E estaria tudo bem, se não interferisse na sua vida.

O problema era que, às vezes, estava realmente fazendo coisas importantes, quando se distraía com algum acorde. Trabalhava num escritório. Às vezes, estava ouvindo uma ordem de seu chefe e o celular de alguém começava a tocar. Música. Perdia o resto da explicação. Terminava cometendo um punhado de erros, sem nem perceber. Agora, tinha sido o namorado, que começara uma briga quando, enquanto contava algo de seu dia, percebeu que ela não mais prestava atenção. E foi embora, deixando-a sozinha.

Ela sofria, enquanto considerava. Os namoros nunca duravam. Agora, no bar, uma ou duas doses de whisky depois, ela chorava a recente decepção. Então ouviu o som, o mesmo que a distraíra momentos antes. Não era mais música; naquele seu nível de tristeza, parecia mais que isso. Era lindo. À medida que as notas prosseguiam, sua tristeza ia diminuindo. E ela soube. Havia um motivo pelo qual a música a distraía tanto. Nunca encontrara nada tão lindo quanto ela. Nem a voz do chefe. Nem o ex-namorado. Nem a dor era tão linda. Esqueceu-os.

"So I say thank you for the music
For giving it to me"

Imagem: Be Quiet

37 comentários:

Frederico Toscano disse...

E ela, quem diria, acabou encontrando seu amor verdadeiro. Um que ela não podia beijar ou abraçar, mas que a envolvia por completo, fazia seus pés flutuarem, entrava pelos ouvidos e punha seu coração sob cerco.

E nenhum outro som conseguiu separá-la dessa melodia. Nunca mais.

http://oblogdareclamacao.blogspot.com/

Bruno Portella disse...

Jesus te louve, Marina. Que história bonita essa. Que conto foda!

Uma menina que se distrai com a música.

Acho esse tema pouco explorado. Deviam explorar mais a música nas histórias. Lembro de duas que me encantaram: um documentário de um cego que usava musicologia pra ajudar pessoas com problemas.

E um filme que contava a história de uma menina que parou de falar quando o pai músico morreu no palco.

Muito legal esse conto. Mas que curiosidade de saber o que foi esse som. Está no conto e eu não percebi?

Marina disse...

Bruno, a frase do final, aquela entre aspas, é uma música. Just in case...

Bruno Portella disse...

Sim, eu sei. Mas foi essa música que ela ouviu?

Marina disse...

Quem sabe, né?

Bruno Portella disse...

Boa, deixa em aberto, hehe.

Heloisa disse...

De que importa a música que ela ouviu, se basta ser música para amar?

Mas vem cá, ela também se distraía com as "músicas" de baixo nível, como funk, rap ou brega? Espero que não. Ela morreria de decepção se vissem que fizeram com o amor de sua vida.

Bruno Portella disse...

Mas o mais bacana é que não precisa ser música. Tipo um passarinho cantando, um assovio, ou mesmo um carro manobrando sequencialmente que repete um mesmo som, pode distrair ela por criar um som contínuo. Doido!

Marina disse...

Foi numa coisa assim que eu pensei, Bruno. Um passarinho, o toque do celular... Música não é letra.

Bruno Portella disse...

Viu. Eu sou demais! Hahaha...

Heloisa disse...

Mas o ritmo dessas novas coisas que chamam de música também fere o ouvido.

Acho que a música é a única paixão que nunca te decepciona... Sempre tem uma pra cada humor, e nenhuma vai te ferir

Guilherme disse...

Lembrei-me de algo que escrevi, certa vez, enquanto compunha algo:

"A música é o mais próximo que consigo chegar de Deus..."

Bem, é isso. Divino. Simples assim.

Bjo, Marina!

Excelente conto.

Alexandre disse...

Essa menina me lembra alguém, marina... vc não concorda?

Marina disse...

Não, não concordo. Hhauhuauhauh!

Lari Bohnenberger disse...

Isso é amor de verdade! O resto é resto!

Heloisa disse...

Ahh, como eu queria ser como essa moça. Me apaixonar pela música e precisar só dela pra viver.

Bruno Portella disse...

Não sei se vc leu o conto até o fim, Helo hahaha. Não deu lá muito certo pra ela não.

Heloisa disse...

Minha intenção foi realmente dizer que com música vc não precisa de homem, Bruno. auhauhauhauhauha

Eu li até o fim, e sei que a moça se distrai com qualquer música, mas... Eu adoraria viver de música se conseguisse libertar a mente do resto. Me faria sofrer menos rs

disse...

Se a música já a distraia, depois de duas doses de uísque então :P

Marina disse...

Só duas. É fraquinha, coitada.

Luciano A.Santos disse...

Bem que preciso de algo que me tire da realidade assim. Se fosse música então: mas boa música, diga-se de passagem, rs.

Beijo.

tony disse...

Saber ouvir é um bom modo de saber viver. O resto é ensaio...

ótimos dias procê ;)

Fran disse...

Moça que texto é esse? nossa amei, os detalhes, o jeito ... rs

Ri com o teu Comentário no meu blog sobre o Meme, e você nem fez né? hahaha é muita pergunta mesmo! rs

Beijão, texto otimo *___*

Bruno Malveira disse...

Sem dúvida, música é a melhor forma de distração pra quando estou com a cabeça cheia, com raiva, frustração, tédio, desânimo.

Minha dica principal para relaxamento é botar música pra tocar, se deitar, e deixar que o som seja a única coisa que ocupe seus pensamentos.

Bel Lucyk disse...

Marina,
a música também tem um efeito absurdo na minha vida. Não me imagino sem ela, nem que seja apenas por 5 minutos no meu dia.
Lindo o seu texto, como sempre!
beijos e boa semana.

Eduardo Trindade disse...

Há músicas que me tocam (e distraem, eventualmente) por serem belas. E h
há músicas que fazem o mesmo por lembrarem momentos belos. Não foi à toa que alguém inventou a trilha sonora. Abraços!

Fernanda disse...

Vai ver o verdadeiro amor dela, e único, era a música.

Bjs

Rebeca Amaral disse...

Lindo, Marina. Todos tem apreço por alguma coisa, seja por feitos grandiosos ou sutilezas, como a da moça aí. Compartilho muito dessa história.

Adorei essa frase, me identifiquei demais: "Era estranha a relação que ela tinha com a música. Nunca aprendera nenhum instrumento. Nunca teve talento para canto. Ela apenas tinha um apreço pela música que era acima do normal."

Leila disse...

Que coisa mais linda, Marina!!! Parabéns!!! beijos

Tays Rocha disse...

Um conto tão doce, tão delicado, adorável, adorei! Beijocas ♥

littlemarininha disse...

Uma delícia, talvez, mas não deve ser nada fácil ter um amor tão incondicional pela música.
Muito bom, Ma!

Laila disse...

Lindo conto, Marina.
Me lembrou muito de Lispector (não num sentido de cópia, mas de sentimento parecido mesmo).
Parece uma Macabea musical!

disse...

Fessooora!
Larga a gente mais cedo hoje
:DDDD

Luciana L V Farias disse...

Já falei que adoro os seus textos????

Minina!!! Estou criando coragem pra começar a rearrumar o eeepa, começando pelos links, e descobri que você não estava lá!!! CUméquipode um troço desses????

Beijocas, viu???

Lari Bohnenberger disse...

Cadê você???

Unknown disse...

Ai, a música... Só ele tem esse poder sobre mim, assim como a personagem. Adorei! =*

Marina disse...

Pra mim, sempre depende do momento e da música.