sexta-feira, 5 de novembro de 2010

No coração do Brasil


Eu não deveria, mas vou dizer algumas palavras sobre essa onda xenofóbica que acometeu o país desde que "os nordestinos" elegeram a primeira presidenta do Brasil. Já formulei milhares de argumentos para ridicularizar essa afirmação, mas não pretendo entrar na questão da política do Nordeste aqui, tampouco vou sair discutindo as questões que levaram o Brasil a eleger Dilma Rousseff.

O fato é que, depois de voltar do feriado, abri o twitter e me deparei com inúmeros comentários absurdos em relação aos nordestinos. Vou dizer uma coisa a vocês: nunca neste Brasil alguém vai chegar ao Recife com um sotaque diferente e ser ridicularizado por este motivo. Ou pior, ser agredido fisicamente. É porque os cariocas, os paulistas, os gaúchos são melhores que a gente? Desde pequena eu aprendi que ninguém é melhor que ninguém, seja branco, preto, azul, gay, mulher, alemão, soropositivo. É estranho crescer e perceber que, na vida real, não é bem assim. É triste pensar que nasci neste país e que poderia ser maltratada numa das suas muitas cidades simplesmente por me julgarem menos do que eu sou. Depois perguntam por que nordestino é tão orgulhoso. É o preconceito alheio, que faz com que procuremos força em nós mesmos contra o resto do mundo.

Está além da minha capacidade entender por que, num mesmo país, se acostumou a separar pessoas ao invés de unir. Logo hoje, nesta geração globalizada, em que importamos cultura até mesmo de outros países. Quer dizer que receber estrangeiros na sua cidade perfeita está ótimo, mas aturar "cabeças-chatas" é trabalho demais?

Menos do que raiva, sinto pena dessas pessoas limitadas. São pessoas que nunca vão conhecer o carnaval do Recife ou o de Salvador com o coração aberto das pessoas livres. Nunca vão aprender a apreciar a simplicidade das músicas de Luiz Gonzaga e Dominguinhos, ler um livro de Ariano Suassuna, ou entender um filme como Lisbela e o Prisioneiro. Nunca vão conhecer as praias de Pipa, ou de Porto de Galinhas. Nunca, mas nunca, vão admirar as peculiaridades da diversidade cultural brasileira, que tantos já cantaram. E nunca vão entender um nordestino que foi capaz de cantar tão bem as belezas de uma terra que não era sua.

Imagino que seja cansativo conviver com todas essas restrições e esse coração pesado por toda a vida. Prefiro viver em paz, livre dessas coisas que, no final, não tem valor nenhum.


"Sem lenço e sem documento
O peito cheio de amores vãos.
Eu vou, por que não?"

Imagem: GettyImages


- Textos muito bons relacionados: Vida Seca e Calem a boca, nordestinos

12 comentários:

disse...

Onde ignorância é felicidade
é tolice ser sábio

Thomas Gray

Heloisa disse...

ótimo texto. Acho ridículo chegar a esse extremo. Existem limites entre brincadeiras e preconceitos - e o brasileiro já não sabe mais separá-los.

Merece ser lido por muitos esse texto. Já dei um RT.

Camila disse...

Triste a capacidade humana de sempre surpreender negativamente.

Já diz o Rob Gordon, a humanidade não deu certo.

Unknown disse...

To contigo Marina. O melhor a fazer é ignorar os imbecis.

Um beijo.

George Marques disse...

Uma coisa que eu sinceramente discordo é que "ninguém é melhor que ninguém". Não consigo me imaginar em pé de igualdade com certas pessoas (existem melhores e piores do que eu). Mas, claro, naturalidade, tom de pele, opção sexual e outros detalhes não são valores que devam ser usados para definir o nível das pessoas.

E o que eu penso sobre preconceito postei no blog há um bom tempo: http://vnen.georgemarques.com/2009/02/preconceito.html.

Guilherme disse...

É...

Lamentável. Faz-me lembrar uma frase (que desconheço o autor):

"Quem vê o mal em toda parte é porque o carrega dentro de si."

Talvez isso explique o fato.

Ai, ai... Não entendo. E nem quero. Tenho mais é que viver. E ser feliz.

Quem quer o mesmo... levanta a mão! Rssss...

Abraços a tod@s (nordestin@s ou não, são bem-vind@s em meu coração!)

Bruno Malveira disse...

Acredito que o que aconteceu é mais um exemplo do poder do twitter de transformar algo inicialmente ingênuo e inexpressivo em uma avalanche sem sentido.

Digo isso porque acredito que o comentário inicial da moça foi ingênuo, de achar que só porque ela e as pessoas à sua volta pensavam de um jeito, toda uma região pensava igual. Foi também inexpressivo, porque é o tipo de insulto que só tem valor se respondido com irritação, como uma briga de criança. Mas tem gente de todo tipo no twitter, e não é difícil encontrar crianças pra brigarem entre si.

Não gosto de generalizações, elas costumam excluir uma das coisas mais incríveis do ser humano: As diferentes reações frente a uma mesma situação.

P.S.: não sei se seria mesmo 'xenofobia' o termo, ma. Não que ele não caiba na situação, mas acho que 'preconceito' se encaixa melhor - mas é bem menos chamativo, hehe.

Beijooos!

Leila disse...

É mesmo triste, limitação, ignorância, ou eu diria ainda, precipitação num misto disso tudo. Empolgação momentânea de manifestar algo sem causa alguma, apenas pelo prazer de expor sentimento, seja ele a ira (de que?) a algazarra, a farra. É o que penso. Pura algazarra. Sabe quando os coleguinhas começam a zombar de alguém na escola sem tomar consciência das proporções que as coisas vão tomar? Acredito que foi exatamente isso. Uma pena...

Rebeca Amaral disse...

Sou nordestina. Cearense com muito orgulho! No Sul e Sudeste, já tive que ouvir muita coisa do tipo: "se não abrisse a boca, dava até pra enganar de onde veio". Mas cê acha que me deixo abater por isso?
Que nada, rapaz... Volto pra minha terra tendo mais orgulho de meu Nordestão bonito. Até porque eu MORO onde eles, coitados, só vem para passar as férias.
E convenhamos, ter a pretensão de julgar alguém já é deplorável; quem dirá julgar esse alguém por ele ter vindo de lugar X? Desprezível, né.

Luciano A.Santos disse...

Marina,

Foi simplesmente ridícula essa movimentaão toda no Twitter, afinal, que não tem um parente nordestino na família? Meu pai era alagoano, minha avó é baiana, e por aí vai. Ademais, tendo parentesco ou não, devemos respeitar as pessoas.

Frederico Toscano disse...

Falei algo semelhante,mas com muito mais palavras no meu blog:

http://oblogdareclamacao.blogspot.com/

Ahh, esse prolixismo ainda me mata!
;)

Kamilla disse...

Oi, Mari.
Nesse texto vi uma pessoa que mais do que defender um povo, defende cada pessoa simplesmente por ser isso, pessoa e fazer parte de uma cadeia...ser parte de um todo. Beijos