terça-feira, 21 de setembro de 2010

Desencontros

— E então, posso entrar?
— Espera. Ele já está indo embora.
— Desse jeito, eu vou acabar me atrasando.
— São quatro e meia ainda. Agora fica quieto que eu quero ouvir.
— Ele disse alguma coisa?
— Sempre fala pouco, ela muito menos. Deixou-o entrar sem nem trocarem uma palavra. Só olhares e sorrisos. E beijos e abraços. Isso me distrai, sabe, observar amantes se encontrando no meio da madrugada.
— Deve ser bonito.
— É sim. Sei que tive alguma influência no início romance desses aí, e certamente ainda ajudo bastante. É engraçado: sempre que vai saindo, ele assovia uma música, feliz. Então, olha para mim e sorri. Como um agradecimento.
— Gostaria de poder chegar mais cedo para ver.
— E quando ele volta, você já foi embora.
— Vivo ocupado, você sabe. Seu turno é mais tranquilo que o meu. E você tem folga uma semana inteira a cada mês.
— Temos obrigações diferentes. — Ela suspirou. — Não é ruim passar a noite aqui, só posso me queixar da solidão. E quanto mais vejo amantes felizes sorrindo para mim, mais esse sentimento me aperta. Sinto inveja. Sinto sua falta.
— Eu também. Gostaria de poder vê-la mais vezes. Nos vemos tão pouco.
— Parece que é nosso destino viver de desencontros. Meu destino, velar encontros alheios. Se pudesse morrer de saudade...
— Calma. Não demora, haverá eclipse.
— Parece uma eternidade.
— Mas é bom ter pelo que esperar. Bem, cinco horas, minha hora. Boa noite.
— Bom dia, meu amor.

"Rest your head and go to sleep
'Cause, my child, this is not our farewell"*

Imagem: GettyImages
Música: Our farewell

26 comentários:

Leonardo Xavier disse...

Eu acho legal textos com diálogos, mas é algo que em geral eu não consigo fazer. Eu sinto que sempre que eu tento fazer os personagens conversarem fica artificial, o que é justo o contrário do teu texto.

µαri µαtos disse...

Amor distante só traz dor.

Rafael Sperling disse...

Muito bom; achei a interação com a imagem bem interessante...
Bjs

Peterson Quadros disse...

Vou usar uma daquelas "frasezinhas" do Vinicius que todo mundo conhece... "A vida amigo, é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida." Sei que já está batida, mas depois do texto nao teve como evitar...
Essa sua idéia de mostrar um pouco desse "sofrer" que embala os amantes de "turnos" ficou soberba. Ao mesmo tempo aquele que assovia alegre embalado pelo amor tira qualquer hipótese de fundo do poço. Esse sentimento nos faz tao fortes... O post foi um belo presente para uma quarta que começa agora... Obrigado

Frederico Toscano disse...

Por algum motivo, me lembrou um pouco aquele filme clássico, O Feitiço de Áquila.
;)

http://oblogdareclamacao.blogspot.com/

George Marques disse...

Interessante nesse diálogos como os personagens vão tomando forma ao longo do texto. Você escreve muito bem.

Bruno Malveira disse...

Sensacional ^^

Adoro diálogos, não são bem a forma mais fácil de contar uma história. Achei bem legal que mesmo sem explicitar os personagens, eles vão criando forma aos poucos.

Beijão, ma!

Monday disse...

Feitiço de Áquila ... sempre bonito ...

Tati Nanda disse...

tão lindo e triste..
bem do fundo do mar memso!!1
:**

Rebeca Amaral disse...

Senti um tanto de frustração. Vai ver é consequência dos tais dos desencontros. êêê

Eduardo Trindade disse...

Uma interessante imagem poética... Teu texto vai construindo a cena de um jeito bem atraente. Sabes mesmo trabalhar com as palavras...
Abraços!

Fran disse...

Sempre gostei de textos assim! rs
A imagem então ,linda ne?

Gstei de tudo *-*

Beijos linda!

Asociación de poetas circunstanciales disse...

Olá, garota. Cheguei aqui a partir do blog da Bruna Mitrano.

Legal o texto. De onde você é? Também é carioca?

Sds.
José.

Guilherme disse...

Muuuuuuuito BOM!

Vc deveria se inscrever (em 2011) no 3º Prêmio Blogbooks (http://www.blogbooks.com.br/). Seu blogo MERECE VIRAR LIVRO!

Participei este ano e fiquei entre os 25 mais votados. Desses, 10 se classificaram para serem analisados e 1 deles vira livro.

Não consigo imaginar vc sem participar e permitir ao Brasil varonil mais uma chance de te conhecer e às suas palavras!

Abração, Ma!

Gui.
(Ah! Tem uma postagem mais recente no prosopoética, o conto "A Pergunta". Espero que goste!)

Sidarta disse...

Adorei o seu diálogo.

Só lembrei do filme "O Feitiço de Áquila".

O amor entre o sol e a lua, poucos segundos de namoro.

Mas isto apenas à nossa vista.

Beijos, menina Marina!

Renata Santos disse...

Também me veio à mente o Feitiço De Áquila, numa versão pós moderna, cuja maldição é a falta de tempo e/ou de vontade! Maldita modernidade que faz com que o cotidiano seja nossas sete pragas, nossos feitiços. Por que não mais nos entregamos ao amor. Talvez seja pressa (como vc disse em outro post), talvez seja preguiça, talvez medo...
Lindo texto!

Aline V. disse...

Tem algum filme que agora eu não estou lembrando em que a menina também vive de escutar o romance de um casal vizinho. Deve ser uma das coisas mais solitárias de se fazer...
Parabéns pelo conto :)

Ygo disse...

ADORO teus diálogos. Jah falei isso antes, né? Droga! x)

Magna Santos disse...

Marina, depois de eu escrever horrores, meu comentário não saiu. Fiquei sem fôlego. Agora só me vem pra te dizer que desencontro mesmo só os da alma e talvez este não seja o caso. Enfim, apenas uma visão.
Beijos.
Magna

Unknown disse...

Eu acho que nos desencontros estão sempre os amores mais bonitos.

Como já disseram muitos por aqui, vc escreve diálogos ótimos. Poucas frases acabam falando muito dos personagens da história, mesmo que curta.

Beijos!

Marcelo disse...

Saudades do tempo de encontro de amantes.
Creio que tive tantos desses encontros que me perdi.
Agora cá estou eu, a espera de algo que nem sei mais o que é...

Beijos Má, adoro você no meu blog, surpreendente.

Leila disse...

Lindo, emociona, instiga, mas esse desencontro chega a agoniar... saber que é tão difícil poder de fato um dia estar perto.

Luciano A.Santos disse...

Assistir a felicidade alheia é agradável, mas chega uma hora, quando não temos nada daquilo, que é normal sentir uma pontinha de ciúmes. Eu entendo bem disso, rs.

Belo texto, de novo ;)

Gaby Lirie disse...

Que saudades estava deste mar *.*

Grande beijo!

Dois Rios disse...

Oi, Marina!

Muito bom! Há que ter muito traquejo para escrever um texto em que o próprio diálogo vai dando forma aos personagens. Você é muito boa nisso.

Beijo,
Inês

V.H. de A. Barbosa disse...

Não conheço a referência cinematográfica citada pelo pessoal mais culto. Mas lembrei daquele curta que passa antes do Toy Story 3.