Todos os dias, a caminho de casa, passava pela frente da casa dele. Era uma bonita casa e ela a conhecia bem, por fora e por dentro, tantas foram as vezes em que estivera lá. Lançava um olhar por puro hábito e, quando percebia que estava novamente olhando naquela direção, desviava o olhar, praguejando. Quase sempre ia para casa sozinha, então passava o resto do caminho inteiro amaldiçoando-se.
É um costume bem comum, o de olhar na direção de lugares conhecidos. Você deve fazer isso e eu confesso que também faço. É como um sinal de reconhecimento. Mas, para esse lugar específico, ela não gostava de ficar olhando. Para ela, era como um sinal de fraqueza, como se desejasse vê-lo. O fato é que realmente desejava vê-lo, mas não podia admitir, nem para si mesma. Tudo estava acabado e já há tanto tempo. Não tinha sentido ficar desejando ver uma pessoa que já não mais fazia parte da sua vida. Nem deveria.
Afinal, o que faria se o encontrasse? Enfrentaria e diria tudo o que estava engasgado? Viraria o rosto, ignorando? Não via vantagem em nenhuma das opções. Estava acabado, afinal. Por que ficava se martirizando, remoendo lembranças passadas, alimentando esperanças vãs? Gostaria de não precisar passar por aquela rua, mas então teria que pegar um caminho mais longo e esquisito. E por uma bobagem.
Como de hábito, resmungou baixinho e começou a interminável sessão de maldições a si própria, quando se lembrou de que, desta vez, não estava indo para casa sozinha. Um amigo do trabalho a acompanhava.
— Hein? Falou alguma coisa, Elisa? — seu acompanhante perguntou.
— Não, não. — Ela sentiu-se um pouco constrangida. — Desculpe, estava só pensando alto.
— Ah.
De repente, o amigo apontou algo do outro lado da rua, o oposto de onde estavam os pensamentos dela, e disse, sorrindo largamente:
— Olha lá, Elisa. Não é lindo?
Era um muro. Quando ela começava a se perguntar o que teria de tão interessante num simples muro, ele puxou-a pela mão para atravessar a rua. O muro estava cheio de desenhos em grafite e inscrições. Encantada pelas cores, ela começou a se perguntar como nunca vira aquele muro antes. A resposta formou-se claramente diante dos seus olhos, na forma de uma citação em letras desenhadas, escrita no muro: “Enfrente sem olhar para trás.”
Deste então, todos os dias, a caminho de casa, Elisa admirava um muro de inspirações. E não mais olhava para trás.
Foto por Kaka
9 comentários:
Realmente, a gente passa muito tempo olhando para uma direção e tenho o infinito para olharmos.
Adorei o texto e a reflexão....
Lu Motta | Homepage | 09.02.09 - 9:26 am
Com certeza é um ensinamento válido e que leva a uma atitude necessária, mas nada fácil de se tomar. Muita gente prefere viver do passado, se lamentando, e não entende que seguir em frente é o melhor caminho. Sou uma das pessoas que mais tem que aprender a seguir esse caminho...
Belo conto.
Abraços.
Luciano A.Santos | Homepage | 09.02.09 - 11:19 am
Oi,linda
Por que será que vc não vira antes o ensinamento do muro???
Lindo texto!Adorei!
Grande beijo
Bruno_Exagerado | Homepage | 09.02.09 - 2:20 pm
Adorei o final da saga da Elisa!! Quem sabe um dia não vira uma trilogia de curtas??
Beijo
Leonardo | Homepage | 09.02.09 - 4:00 pm
Lindo o texto!! é mais do que necessario seguir em frente,sempre em frente.
Isadora | 09.03.09 - 8:40 pm
Eu já passei por isso. Não é fácil deixar de olhar para trás, até que a gente bate no carro da frente e...
Inicia-se um romance inesperado que faz esquecer dos nomes anteriores.
Estou gostando de mergulhar neste mar.
Beijos!
Sidarta | Homepage | 09.04.09 - 6:56 pm
Fiquei pensando que isto são os ensinamentos das pontes, não dos muros.
Beijo.
Magna
Magna | Homepage | 09.10.09 - 2:38 am
Bonito.
Mas aposto como ela olha para o muro grafitado pensando na casa que deixou de olhar. E se ele estiver no pé da porta? Ela deve pensar cada vez que deixa o muro de grafites.
Bruno Portella | Homepage | 09.10.09 - 4:13 pm
Eu li tudo e gostei, mas uma palavra me prendeu: "martirizando". Mártir e seus derivados é uma palavra forte e ao mesmo tempo singela pra mim. Esquizofrenia ou excentricidade minha talvez.
Dalleck | Homepage | 09.18.09 - 2:52 pm
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