quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Primeiras palavras

Escrevo histórias. Invento personagens e situações. Às vezes, coloco ali minhas experiências, no papel, na tela do computador. É fácil escrever sobre o que se entende, mas é muito complicado entender-se o suficiente para escrever sobre si. Então, na maioria das vezes, apenas quero me desvencilhar de mim mesma e ser outra pessoa. Se possível, bem diferente; por mais que me entenda, hoje, muito mais do que um dia me entendi. Lendo um livro, a gente pode conseguir essa viagem, de ser várias pessoas ao mesmo tempo. Agora, imagina poder escrever nossos próprios livros, com tudo aquilo que queremos ler. Esse é o meu propósito, meu objetivo.

Há algum tempo, comecei a escrever meu primeiro livro. Na verdade, sempre começo vários primeiros livros, mas pela primeira vez estou terminando um. Provavelmente, ele nunca será publicado; nenhum deles. Se é que vou terminar os outros. Mas a sensação de realização que acompanha o desenrolar de uma narrativa é única.

Acho que nunca estive num momento mais produtivo. Deve ser por isso que este blog anda meio abandonado. Peço perdão. Mas está valendo a pena. Quem sabe, um dia, vocês me leiam por aí. Vamos torcer.

https://www.flickr.com/photos/pedrojesusfotografia/13414753665/




Imagem: Flickr - Creative Commons

domingo, 16 de agosto de 2015

Página em branco*

O que antes me inspirava, hoje me causa medo: a página em branco, o papel que não será preenchido com nada. Torna cada vez mais real o vazio, a ausência de vida dentro de um corpo. A página de vida em branco. Pavor de parar em frente a um papel e me perder na ausência de linhas, na necessidade vã de expressão, nas minhas próprias ideias. Volta, inspiração. Não me deixa aqui sozinha, sem pensamentos bonitos, ou mesmo feios; sem sentimentos felizes ou miseráveis. Sem sentir. Sem palavras.

Saudade de escrever em qualquer pedaço de papel, no guardanapo do bar, no post it do escritório. Saudade de julgar-me livre. De compor uma letra de música sem muito esforço, sem parar para sentir, ou me perceber sentindo. Saudade de não precisar sentir, mas sentir tudo intensamente e deixar transparecer sem saber, em cada letra desenhada. Saudade de ter palavras na ponta da língua. Do lápis. Dos dedos. Do coração.

Saudade dele. Do causador da página em branco.




"Saudade... Quero arrancar essa página da minha vida."

Imagem: GettyImages


*Texto escrito em novembro de 2010

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Às mulheres que não amam as mulheres

Faz algum tempo que estou enrolando para escrever um texto sobre feminismo e sobre tudo que venho sentindo e aprendendo, nos últimos tempos. Eu sempre tive uma tendência feminista, mas aceitava o machismo como uma característica imutável da sociedade. Aceitava em mim, em algumas maneiras de pensar; aceitava nos outros, talvez porque não quisesse ser chata, extremista, ou porque não pensava muito nessas coisas. Mas então, um dia, você se depara com o julgamento que oprime, com as atitudes que invadem, com o machismo que mata. E você, sendo mulher, homem ou qualquer outra coisa, percebe que está apenas sendo conivente, apoiando tudo isso. E, sendo mulher, entende que poderia estar no lugar de qualquer uma dessas pessoas.

Há menos de um ano, eu aprendi uma palavra chamada sororidade, que é a mesma coisa que fraternidade, só que entre mulheres. Frater é irmão e sóror, irmã. São mulheres que se uniram em busca de um objetivo em comum. E nessa união, não falo só de agir como um time, mas como uma família. É comum a gente ouvir que "amizade entre mulheres é diferente, sempre existe competição" e isso é mais um absurdo que a sociedade enfiou na nossa cabeça e nós acabamos acreditando. A sociedade, as novelas, as músicas. Não sei você, mas as minhas amigas não competem entre si; elas têm orgulho umas das outras por suas conquistas, são sinceras, se apoiam e se amam. É esse amor que venho procurando na minha vida, hoje. Nunca falo em feminismo como uma luta contra os homens, mas contra a sociedade machista e em benefício de todos. Depois que você começa a reparar, passamos a encontrar o machismo em lugares que nunca pensamos encontrar. Aí você escuta que "mas você também vê machismo em tudo". Não sou eu que vejo; ele sempre esteve ali. Assim como a homofobia, ou o racismo. Eles existem, mas ninguém vê, porque é "normal". Porque eles sempre estiveram ali.

Sororidade

Aí você vê mulheres lutando pelo direito de poder sair na rua sem ser incomodada com uma cantada, sem ter medo de que invadam seu espaço e passem a mão, sem ter medo de ser confundida com um pedaço de carne que está ali para ser comido. E você desdenha. Você, mulher, alega que nada que elas façam vai mudar a sociedade. Hoje, você pode votar, você pode trabalhar, pode morar sozinha, mas continua dizendo que a sociedade não pode ser mudada. Aí você vê uma mulher usando roupa curta e desdenha. Você vê uma mulher gorda e desdenha. Você reclama que estão fazendo protesto contra os comerciais que objetificam o corpo da mulher. Você reclama que alguém não achou graça de uma piada que diz que mulher não sabe dirigir e você também pergunta a uma amiga por que ela veio dirigindo, se o namorado estava disponível. Você pergunta por que ela paga a conta, se o namorado pode pagar. Você tem pena de mulheres que estão solteiras, porque mulher sozinha é encalhada, é porque ninguém quer. Ou porque é "exigente demais". Você condena uma amiga porque ela não quer ter filho, mas condena também se ela tiver e não souber criar direito: "por que teve, então?". Você também condena o aborto, porque, se a mulher fez besteira, tem que arcar com as consequências. Você odeia as amigas do seu namorado: "são todas putas". Você odeia as ex-namoradas deles também. Se ele as traiu, foi culpa delas, nunca dele. Ele nunca faria isso com você, porque você é diferente. Você entende homens que traíram as namoradas, porque homens são assim mesmo, enquanto chama de puta as mulheres que traíram seus namorados. Homens são vítimas de seus instintos, mulheres apenas são fracas ou putas. Se você xinga uma mulher, chama de puta, porque  liberdade sexual é condenável. Quando homens são imbecis, são filhos da puta, porque tem que o atingir xingando outra mulher. Ou chamando de "viado", comparando-o a uma mulher. Você chama feminista de "feminazi", comparando uma luta legítima, que nunca matou ninguém (pelo contrário!), a uma ideologia em que pessoas inocentes foram e ainda são assassinadas.

Amiga, você é machista. E não há nada mais triste que uma mulher machista, uma mulher que aceita obedientemente uma posição de inferioridade em relação aos homens. Mesmo que você não sinta essa inferioridade, que chame de outra coisa. O problema é que essa não é uma luta só sua; há pessoas que sofrem todos os dias com isso e você está prestando um desserviço a todas elas. É hora de repensar esses julgamentos, exercitar a nossa sororidade. Amemos mais as mulheres; nossas amigas, as amigas dos nossos amigos, as amigas dos nossos namorados. Até mulheres desconhecidas, na rua. Podemos nos ajudar a conquistar o nosso espaço. Aceitar os erros das outras, porque algum dia podem ser os nossos. Não é fácil, eu sei bem, porque vivemos numa sociedade que prega exatamente o contrário. Porque convivemos com pessoas que não pensam assim. Porque há até pessoas que dizem que machismo não existe, que você está exagerando. É um exercício diário. Mas podemos espalhar essa ideia e abraçar esse amor. O que temos a perder? Você vai ser mais crítica com o mundo, mas menos com as mulheres que a cerca. Você vai ganhar muitas amigas. Também vai encontrar apoio onde menos espera.


Amiga, machismo mata, todos os dias. E você pode estar sendo cúmplice apenas por não se importar, ou dizer que ele não existe.

Imagens: Flickr - Creative Commons