Já o tinha visto entrar e sentar-se ao balcão, do outro lado do café. Parecia bem ocupado e passou os últimos quinze minutos falando ao celular, alternando-se entre alterado e paciente, aborrecido e delicado.
Às vezes, fazia gestos vagos com as mãos e andava um pouco pelo recinto, depois voltava para o banco em que estivera sentado. Inicialmente, tinha apenas me despertado a curiosidade; depois
observá-lo passou a ser um passatempo, uma distração agradável, naquele
começo de dia de trabalho.
Era
moreno, alto, não muito magro nem gordo demais, mesmo que não desse pra
perceber ao certo por baixo daquele terno. Possuía um nariz reto, onde
se amparava um par de óculos por sobre dois expressivos olhos azuis. Os
cabelos eram castanhos claros e estavam um pouco compridos e
desalinhados, como alguém que acabara de acordar. Mesmo assim, era
surpreendentemente bonito. E quando, ao final do telefonema, ele sorriu e
disse adeus, o sol lá fora me pareceu um pouco pálido, de repente.
Não
sei quanto tempo fiquei ali, do outro lado do balcão, enxugando o mesmo
copo, enquanto contemplava aquela bela figura. Pareciam-me horas, talvez dias. Então, ele levantou os olhos para mim, enquanto tirava
alguns papéis de uma pasta, e eu fui obrigada a voltar o olhar para o
copo.
— Com licença! Você poderia me servir um café?
Assustei-me
com o som da voz dele. Depois percebi o quanto eu estava sendo
estúpida; era óbvio que ele entrara no café para ser atendido.
— Certamente. Só um minuto, sim?
Ele
não respondeu, nem eu esperava resposta. Abandonei a agradável
distração e voltei ao trabalho. Peguei o pacote com o pó de café e
comecei a despejar na cafeteira, enquanto passava distraidamente os
olhos pelo balcão, à procura de uma xícara limpa. Arrumei a xícara e
olhei o relógio, calculando quanto tempo faltava para sair a próxima
fornada de biscoitos. Só mais alguns minutos. Os clientes costumavam
gostar dos biscoitos. Enquanto esperava, lembrei-me de que
precisava comprar farinha para fazer mais e providenciar...
— Por que tudo é tão complicado?
Desta
vez, assustei-me com razão. Olhei para ele, com olhos arregalados, o
pote de biscoitos quase vazio na mão, e não soube o que dizer. Devo ter
feito uma verdadeira cara de idiota, pois ele apressou-se em se
justificar.
— Desculpe. Você não tem nada a ver com isso. Eu estou um pouco aborrecido hoje.
— Não, tudo bem — apressei-me a dizer.
Ele
me despertou uma ligeira curiosidade, agora de uma outra maneira. De
repente, parecia ter algo mais por trás da beleza, dos olhos azuis e do
terno escuro. E eu me vi esperando alguma explicação.
—
Acho que estou enlouquecendo. Às vezes me pego falando sozinho. Agora
mesmo, estou falando sozinho, pois não acredito que você esteja mesmo
interessada ou prestando alguma atenção ao que eu digo.
— Ora, eu estou, sim.
Ele me olhou e deu um meio sorriso.
— Você é muito gentil.
— Obrigada.
— Quer dizer que estava mesmo prestando atenção?
— Acho que você está se sentindo sob pressão. Talvez um café não seja uma boa ideia. Não prefere um chá?
— Não gosto de chá. Mas aceito companhia enquanto tomo meu café. E um biscoito.
— Como quiser.
— Você não acha a vida complicada?
— Eu não disse isso.
— É, acho que não.
Era
um tom de desdém que, de alguma maneira, me pareceu sarcasmo. Será que
ele me considerava uma tola que não tinha preocupações? Pela primeira
vez, tomei coragem e olhei-o nos olhos.
— Que desilusão tão grande o fez se revoltar com a vida dessa maneira?
Ele levantou as sobrancelhas por um momento, depois riu.
— Não é o que você está pensando.
— Não pode saber o que eu estou pensando.
— Você certamente está pensando que eu tenho algum problema com mulheres.
Imediatamente pensei na conversa que ele estivera tendo ao celular. É, ele sabia o que eu estava pensando.
— E não tem?
— Não. Bem, não nesse sentido.
— Ah... Está bem.
Não
me convenceu. Bem, mas quem era eu para julgá-lo? Servi o café e outro
cliente me chamou, do outro lado do balcão. Desculpei-me e fui
atendê-lo. Quando desocupei outra vez, o cliente simpático já tinha ido
embora. Suspirei e voltei ao trabalho.
* Texto escrito em 2009
Imagem: Flickr - Creative Commons